O calor sufocante, som da água a pingar de uma torneira mal fechada era o único ruído no pequeno quarto de hotel onde Lya estava hospedada. As paredes finas mal conseguiam abafar o som da cidade lá fora — uma melodia confusa de motos, vozes e o canto distante de um monge. A sua mochila estava atirada num canto, com mapas amarrotados e um diário de capa gasta espreitando por entre roupas desorganizadas.
Viajar sempre tinha sido uma forma de escapar, embora Lya não soubesse exatamente do quê. Talvez da rotina previsível, das expectativas alheias, ou do vazio que parecia seguir-lhe onde quer que fosse. O Camboja era só mais um destino na lista de lugares onde tentava sentir-se parte de algo maior.
Naquela manhã, o ar estava pesado e quente quando decidiu visitar um templo menos conhecido, longe dos trilhos turísticos. O guia local tinha mencionado o nome com um certo receio, como se fosse um lugar esquecido até pelos deuses.
— Poucos vão lá. Dizem que o templo… guarda segredos. — sussurrou ele, com um sorriso nervoso.
Isso foi o suficiente para despertar a curiosidade de Lya.
No caminho o calor sufocante do templo perdido no coração da selva cambojana parecia envolver Lya como um manto invisível. O som distante de insetos zumbindo misturava-se ao farfalhar suave das folhas agitadas por uma brisa ténue, enquanto o cheiro adocicado e húmido da vegetação densa impregnava o ar, carregado de umidade e mistério. O ar era espesso, carregado de umidade e do aroma terroso da vegetação densa que se agarrava às paredes antigas, agora cobertas por lianas e musgo. O silêncio era absoluto, interrompido apenas pelo eco distante do bater das suas próprias botas contra o solo de pedra irregular.
Lya sentia o coração a bater com mais força, não apenas pelo esforço da caminhada, mas por algo mais profundo, um pressentimento que se aninhava no peito. O templo parecia chamá-la, não apenas com o seu silêncio ancestral, mas com um sussurro que ecoava na sua mente, vibrando como um eco distante dentro do seu peito. Era uma sensação física, um arrepio subtil que percorria a espinha, misturado a uma leve pressão nas têmporas, como se o próprio ar carregasse uma frequência esquecida. Emocionalmente, sentia-se inexplicavelmente atraída, uma ânsia melancólica que não compreendia, como se estivesse a regressar a um lugar que nunca conhecera, mas que, de alguma forma, lhe pertencia. Suave e persistente, como se as próprias pedras murmurassem o seu nome. Era uma sensação estranha, uma mistura de formigueiro na pele, um aperto leve no peito e um calor inexplicável que a atraía para o interior sombrio, onde as paredes gastas guardavam segredos que o tempo tentara enterrar sem sucesso.
As sombras dançavam sob o fraco brilho da lanterna que segurava, revelando fragmentos de murais desbotados que contavam histórias de deuses e criaturas de outro mundo.
Num momento de impulsividade, Lya desviou-se do caminho do grupo de exploração, atraída por um corredor estreito que se abria como um convite silencioso. A passagem conduziu-a a uma câmara esquecida, onde o ar parecia mais frio, mais denso. No centro, repousava um pedestal de pedra coberto de inscrições que brilhavam fracamente, como se respirassem com uma luz própria.
Ao tocar o pedestal, uma onda de energia percorreu-lhe o corpo, arrepiando-lhe a pele e invadindo-a com uma mistura vertiginosa de calor e frio. O coração disparou, batendo com uma força quase dolorosa, enquanto um nó de medo e fascínio se apertava no estômago. O mundo à sua volta começou a desvanecer-se num redemoinho de luz e sombra, enquanto uma vertigem intensa a invadia. O ar parecia vibrar ao seu redor, carregado de eletricidade estática, e o som ensurdecedor de um zumbido grave ecoava nos seus ouvidos. O seu corpo flutuava entre sensações contraditórias: um calor abrasador que queimava sob a pele e um frio gélido que lhe gelava a espinha. O medo apertava-lhe o peito, mas, curiosamente, havia também um fascínio hipnótico, como se estivesse à beira de descobrir algo proibido e grandioso. A respiração tornava-se irregular, cada inspiração um esforço para agarrar-se a uma realidade que se desintegrava em fragmentos de luz e escuridão, como se a realidade se desfizesse em fragmentos, arrancando-a de tudo o que conhecia. Não houve tempo para gritar, para correr, para compreender. Apenas a sensação de estar a ser puxada para o desconhecido.
Quando Lya abriu os olhos, o mundo tinha mudado.
O céu era de um tom violeta surreal, salpicado de constelações desconhecidas. Florestas de árvores gigantescas, com folhas que brilhavam em tons de azul e verde, estendiam-se até onde a vista alcançava. No horizonte, silhuetas de cidades flutuantes e criaturas aladas riscavam o ar.
Confusa e assustada, Lya tentou compreender o que acontecera, sentindo o coração a martelar descontroladamente contra o peito. O frio na barriga espalhava-se como um arrepio gélido pela espinha, enquanto as mãos tremiam ligeiramente, incapazes de encontrar estabilidade. A respiração tornava-se irregular, entrecortada por pequenos suspiros ansiosos, como se o ar ao seu redor fosse subitamente insuficiente. Os olhos, arregalados, procuravam desesperadamente um ponto familiar, mas tudo ao seu redor parecia estranho e distante, intensificando a sensação de medo e desorientação.
O templo desaparecera, o som da selva substituído por um silêncio etéreo, quebrado apenas pelo sussurrar do vento entre as folhas luminosas.
"Foi um sonho?" pensou, apertando os punhos na tentativa de encontrar alguma ancoragem com a realidade.
Mas o toque da terra estranha sob os dedos e o frio cortante do ar não deixavam dúvidas.
Ela não estava mais no seu mundo.
E em algum lugar, olhos dourados observavam-na, escondidos entre as sombras, silenciosos como o destino que se aproximava. Lya sentiu um arrepio inexplicável, como se o próprio ar sussurrasse segredos que ela não conseguia entender, uma inquietação que se dissipou tão rapidamente quanto surgiu, deixando apenas um eco vago de que algo a espreitava, invisível e silencioso.
Então Lya adormeceu abruptamente, ali mesmo, Lya estava deitada num chão frio e arenoso. Quando voltou a abrir os olhos já era dia, o céu acima dela era estranho, tingido de um tom esverdeado com duas luas a pairar no horizonte. O ar tinha um cheiro metálico, e o som de silêncio ainda pesado, quebrado apenas pelo sussurrar do vento.
Tentou levantar-se, mas o corpo parecia mais leve, como se o próprio peso tivesse mudado. Ao longe, viu figuras a moverem-se — formas encapuzadas que se aproximavam rapidamente.
O coração de Lya bateu com força, não apenas pelo medo, mas por uma sensação estranha: uma certeza de que, de alguma forma, ela estava destinada a estar ali.