O eco apressado dos passos de Lya e Eren reverberava pelos corredores silenciosos da Torre do Éter. O ar, carregado de poeira e magia antiga, parecia mais denso, como se cada respiração fosse vigiada por olhos invisíveis. Tinham saído da biblioteca sem olhar para trás, mas o peso de olhares invisíveis colava-se às suas costas, um arrepio constante que Lya não conseguia ignorar.
— Acreditas que fomos descobertos? — murmurou ela, a voz num sussurro entrecortado pela adrenalina.
Eren não respondeu de imediato. O seu olhar analisava cada canto escuro, cada sombra que parecia mover-se um segundo depois de passarem.
Subitamente, um brilho azulado percorreu o teto abobadado — um feitiço de alarme. O coração de Lya disparou.
— Corre! — exclamou Eren, puxando-a pela mão.
A cidade dos feiticeiros não era indulgente com intrusos. Guardiões da Torre, vestidos com mantos negros entrelaçados por fios de prata, surgiram de becos e passagens ocultas. Os olhos brilhavam com intenção letal, e feitiços crepitavam entre os dedos.
Correndo por ruelas estreitas, saltando sobre caixas e desviando-se de feitiços que explodiam em chamas e luz ofuscante, Lya sentiu o desespero misturar-se com algo mais — uma energia bruta, adormecida, a acordar dentro dela.
Encurralados num beco sem saída, com os guardiões a aproximarem-se, Eren preparou-se para lutar. Mas, antes que pudesse lançar um feitiço, Lya ergueu instintivamente as mãos. Um grito silencioso ecoou na sua mente, e uma explosão de luz dourada irrompeu das suas palmas. O ar torceu-se, e uma onda de energia empurrou os inimigos para trás, criando uma fenda temporária na parede — uma passagem que não deveria existir.
Eren agarrou-a, até ela recuperar o fôlego, e atravessaram juntos.
Do outro lado, o mundo parecia mais sombrio, um labirinto subterrâneo esquecido. Lya caiu de joelhos, ofegante, o coração a martelar com mais força do que o próprio medo.
— O que foi isso? — murmurou ela, a voz rouca.
Eren olhou-a com uma mistura de espanto e preocupação.
— Isso foi magia. Tua magia.
Mesmo ali, escondidos entre sombras e pedras antigas, a sensação de estarem a ser observados nunca desapareceu. Lya sentia um frio na nuca, o pressentimento de que algo ou alguém os vigiava. Sons distantes — passos? sussurros? — ecoavam, desaparecendo sempre que Eren tentava identificá-los.
Encontraram um refúgio temporário numa cripta abandonada, as paredes cobertas de runas apagadas pelo tempo. O silêncio ali não era um alívio; era opressor. Eren examinava o espaço, mas os seus olhos denunciavam a mesma inquietação que Lya sentia.
— Não estamos sozinhos, pois não? — perguntou ela, num sussurro.
Eren não respondeu. O seu silêncio era resposta suficiente.
As sombras moviam-se na penumbra, deslizando entre as rachaduras das pedras antigas, sem nunca pertencerem inteiramente ao mundo dos vivos. Observavam. Sempre observaram. Mas agora, a magia desperta de Lya atraía-as como um farol na noite eterna.
Eram os Seres da Escuridão — vestígios de consciências há muito dissolvidas no vazio, detritos de feitiçaria esquecida e ódio imortal. Não tinham olhos, mas viam. Não tinham vozes, mas sussurravam, preenchendo o silêncio com ecos que nunca deveriam existir. Eles reuniam-se nas sombras da cripta, fluindo como névoa densa, cada movimento uma promessa de que o véu entre os mundos era mais frágil do que Lya e Eren imaginavam.
A magia dela… tão pura… tão errante… tão nossa.
As palavras não foram ditas, mas sentiram-se, vibrando nos ossos, ressoando como um cântico fúnebre. Os Seres da Escuridão não precisavam de pressa. O medo fazia parte do jogo. Sempre estiveram ali, na Torre do Éter, nos corredores antigos, nos espaços entre cada batida do coração de Lya. E agora, aqui, na cripta esquecida, estavam mais próximos do que nunca.
Um sussurro deslizou pelo ar. Frio. Faminto.
Eren virou-se de súbito, a lâmina mágica em punho, mas só encontrou escuridão. Lya apertou os braços contra o próprio corpo, o calor de sua recente explosão de magia dissipando-se rápido demais. Eles sentiam. Eles sabiam.
— Ela é nossa. Ela abriu o caminho. Ela pertence a nós. — Suas vozes como um sussurro gelado, cortante como uma lâmina fina. Escapa entre os dentes com um som abafado, tão baixo que se mistura com o silêncio, mas tem um peso que se arrasta pela pele como uma sensação de pressão. As palavras são quase imperceptíveis, mas carregadas e hipnotizante.
Os Seres da Escuridão não viam os feiticeiros como carne e osso, pois não possuíam olhos para enxergar da forma trivial. Para eles, os mortais eram chamas vacilantes no véu da existência, fagulhas de energia que oscilavam entre a luz e a sombra. Cada feiticeiro tinha um brilho único — alguns tênues como velas prestes a se extinguir, outros intensos como estrelas que ainda não percebiam o próprio declínio.
Mas para os Seres da Escuridão, a luz não era beleza. Era um erro. Um deslize da criação.
Eles viam os feiticeiros como criaturas frágeis, feitas de medo e desejo, constantemente se debatendo contra a própria mortalidade. Ridículos em sua crença de que o tempo lhes pertencia, ignorantes ao fato de que tudo retorna à escuridão. Cada batida do coração, para os seres, era um tambor ressoando no vazio, uma contagem regressiva para o momento inevitável em que o último fôlego seria tomado.
Os que possuíam magia brilhavam mais forte, e isso os tornava duplamente interessantes — não apenas presas, mas paradoxos. A magia queimava, criava, moldava realidades... e ainda assim, todo feitiço tinha um preço. A luz atraía as sombras. E a magia de Lya? Ah, aquela era diferente. Aquela chamava os Seres como um farol chama as marés noturnas.
Para eles, os feiticeiros eram apenas ciclos passageiros. Ecos de algo maior. Eles podiam lutar, podiam correr, podiam se agarrar às ilusões de vitória. No fim, tudo retornava ao silêncio. E a escuridão sempre esperava.
As sombras estremeceram. Um leve tremor percorreu o chão, como se a própria pedra reagisse à presença dos espectros. Não podiam tocar, não ainda. Mas esperavam. Observavam. Sorrindo na vastidão do invisível, pois sabiam que, cedo ou tarde, a escuridão sempre reivindicava o que era seu e Lya era sua.