Sentada imóvel no canto mais sombrio do vasto e imponente salão do meu mestre, encontro-me mais uma vez relegada à posição familiar e humilhante de um animal de estimação obediente, uma analogia que reflete dolorosamente a minha realidade atual. A almofada sob mim, que outrora oferecia um conforto macio e acolhedor, agora se assemelha mais a uma dura e fria superfície de pedra, um reflexo tangível da minha situação desoladora e do desgaste físico e emocional que tenho suportado. O silêncio opressivo que domina o salão serve apenas para amplificar o grunhido de fome do meu estômago, um lembrete constante e implacável de que já se passaram horas, talvez até dias, desde a última vez que recebi algo para comer. Tento me manter quieta, esforçando-me ao máximo para não provocar a ira do meu mestre, já que a punição, sempre inevitável e severa, aguarda ao menor sinal de desobediência.
Recordo com um arrepio os momentos da última sessão de espancamento, ainda sentindo cada contusão pulsar em minha pele como se fossem fantasmas persistentes, atormentando-me com a memória da dor. A dor tornou-se uma companheira constante, mas o que realmente assombra cada momento de minha existência é o medo paralisante de provocar novamente a fúria do mestre. A sensação de tontura e fraqueza causada pela combinação de fome e sede é quase insuportável, mas, paradoxalmente, não é minha maior preocupação. Aquilo que verdadeiramente me preocupa, aquilo que tento desesperadamente suprimir, é a necessidade crescente de usar o banheiro. A memória da última vez que não consegui me controlar, deixando-me escapar, é uma cicatriz em minha mente; a humilhação de ser punida por isso, amarrada e deixada no pátio principal, exposta e desprotegida contra o frio cortante da noite, é algo que desejo, com todo o meu ser, evitar a todo custo.
De repente, uma comoção irrompe pela casa, quebrando o silêncio opressivo. Sons abafados de gritos e lutas penetram o salão, enchendo o ar com uma tensão palpável e um pressentimento de mudança. Meu coração dispara, batendo com uma força que ameaça romper meu peito, e permaneço imóvel, tentando me tornar uma com as sombras, temendo o que ou quem poderia estar por vir. A porta do salão se abre abruptamente, como se fosse o prelúdio de algum evento cataclísmico, revelando a figura imponente de seres alienígenas vestidos de preto, armados e claramente distintos dos tipos de visitantes habituais do mestre. Observo, paralisada de medo e curiosidade, enquanto eles se comunicam entre si em uma língua desconhecida e estranhamente melódica, suas vozes graves e autoritárias ecoando pelas paredes do salão.
Um deles se aproxima de mim, e instintivamente tento me manter tão imóvel quanto possível, lembrando-me dos castigos impostos pelo mestre sempre que o medo me fazia tremer diante dele. No entanto, algo nesses seres alienígenas é diferente; eles exalam uma aura de força e poder, sim, mas não de crueldade ou malevolência. O alienígena que se aproxima parece perceber o terror absoluto que me consome, e, para minha surpresa e confusão, remove sua própria vestimenta e a coloca sobre mim, oferecendo um vislumbre de compaixão e humanidade que há muito tempo parecia extinto do meu mundo. Quando ele me levanta no colo, meu corpo treme involuntariamente, uma reação instintiva ao medo de ser punida por deixar meu posto sem permissão, por mostrar fraqueza. No entanto, ele me segura com um cuidado e gentileza que me são estranhos, emitindo um som suave, talvez numa tentativa de me acalmar, de me assegurar que, de alguma forma, tudo ficará bem.
A sensação de calor e segurança em seus braços é estranhamente reconfortante, e, por um momento efêmero, permito-me nutrir uma centelha de esperança, um desejo ardente por algo mais do que a dor e a humilhação constantes que definiram minha existência até então. Ele me leva através dos corredores silenciosos e sombrios da casa até uma nave estacionada do lado de fora, onde sou colocada delicadamente em uma cama, um leito que parece prometer não apenas descanso, mas também um novo começo. Outro alienígena se aproxima, e observo com uma mistura de medo e fascinação enquanto eles conversam entre si, antes de um deles pegar um pequeno dispositivo e se aproximar de mim com uma intenção que não consigo decifrar.
Eu observo, imóvel, enquanto o alienígena coloca o dispositivo em sua própria orelha, um gesto que me deixa ainda mais confusa. Em seguida, ele se aproxima de mim, e, quando vejo o dispositivo se aproximar, um impulso de pânico me faz tentar recuar, mas sou gentilmente contida, presa em um abraço que, embora firme, não é ameaçador. O alienígena me olha com um olhar que parece transbordar de desculpas enquanto prende o pequeno dispositivo no lóbulo da minha orelha. Sinto uma picada aguda, uma dor que, embora mínima, me faz gritar involuntariamente. "Você machucou a pequena fêmea," o alienígena que me segura exclama, sua voz carregada de uma preocupação genuína e inesperada. Confusa, mas aliviada por, de alguma forma, compreender suas palavras subitamente, percebo que o dispositivo é um tradutor, uma ponte entre nossos mundos tão distintos.
O alienígena que havia colocado o dispositivo em mim responde com uma expressão de culpa e remorso: "Eu não a machuquei de propósito, ela é muito frágil, por isso sentiu dor." Ele se dirige ao alienígena que me segura e depois olha para mim, seus olhos transmitindo uma sinceridade rara. "Me perdoe, pequena, não foi minha intenção causar-lhe dor. Se eu soubesse, teria tomado precauções para que você não sofresse desnecessariamente." Suas palavras, embora simples, carregam um peso imenso, marcando a primeira vez em muito tempo que alguém se desculpa comigo por me causar dor.
"Obrigada," eu consigo murmurar, minha voz fraca e rouca pelo desuso prolongado, surpresa por encontrar gratidão em meu coração, um sentimento quase esquecido. Eu estava tão grata por finalmente entender o mundo à minha volta, por ter a chance de me comunicar, ainda que fosse com seres de outro planeta. Os alienígenas me olhavam com uma mistura de pena e curiosidade, um olhar que, embora desconfortável, era infinitamente preferível aos olhares cruéis e lascivos a que estava acostumada.
Após uma série de exames realizados com uma eficiência e cuidado que me surpreenderam, sou levada para um dormitório que prometia ser um santuário de segurança e recomeço. No entanto, o medo e a desconfiança, forjados em anos de abuso e negligência, são companheiros difíceis de abandonar. Enquanto me enrolo na cama, tentando controlar a ansiedade que me consome, escuto os comentários das outras mulheres que compartilham o dormitório. As palavras cruéis lançadas em minha direção, agora compreensíveis graças ao tradutor, apenas alimentam meu crescente pânico. Apesar da promessa de segurança, a incerteza sobre o futuro e o trauma do passado tornam difícil acreditar, verdadeiramente acreditar, que finalmente encontrei um refúgio, um lugar onde posso começar a reconstruir a minha vida, longe das sombras do medo e da dor.
Inalo profundamente, enchendo meus pulmões até a capacidade máxima com o ar fresco e puro deste mundo ainda desconhecido para mim. Horas se passaram desde que fizemos nosso pouso forçado neste lugar, um grupo de mulheres cujas almas foram resgatadas de um planeta desolado e árido. Lá, a areia era uma presença constante, invasiva, cobrindo cada centímetro de espaço como um manto sufocante, e nós éramos mantidas sob o jugo da escravidão. Este novo ambiente é um contraponto vibrante ao deserto que deixamos para trás; é um oásis de vida onde árvores majestosas desafiam a gravidade, estendendo-se em direção ao céu azul límpido, enquanto uma vegetação rica e diversificada se espalha até onde a vista alcança. O ar aqui é tão puro que parece tecer em torno de mim um manto de alívio e renovação.
Recordo-me vividamente daquele instante inesquecível, quando finalmente pisei sobre este solo fértil, descendo da nave que nos transportou até o que eu gostaria de chamar de salvação. O impacto visual e sensorial de estar cercada por tanta vida e cor, depois de anos submersa em um mundo de desolação e areia, foi avassalador. Fiquei imóvel, paralisada, aspirando o ar com avidez, permitindo que a esperança, como uma fonte recém-descoberta, fluísse para dentro de mim com cada respiração. Sim, o medo ainda se fazia presente, uma sombra persistente em minha mente, questionando se algum dia seria capaz de me desvencilhar completamente dele - o medo de ser arrastada de volta àquele inferno, ao mestre cruel que nos dominava. Porém, em momentos como este, o medo se tornava quase insignificante, eclipsado pela doce liberdade de saber que nosso opressor estava agora a incontáveis anos-luz de distância.
Entre as mulheres que compartilhavam meu destino, um murmúrio constante de conversas e especulações enchia o ar, discutindo sobre a possibilidade de retornar aos seus planetas natais. Algumas, embriagadas por uma alegria palpável, já faziam planos para reencontrar seus lares e entes queridos. Outras, assim como eu, se viam diante da realidade de que tal opção não existia. Meu planeta, a Terra, era um enigma para nossos salvadores alienígenas, tão remoto e desconhecido que a ideia de me enviar de volta era considerada impraticável. No começo, essa verdade me devastou, a saudade por meu tio, o último vínculo com minha família, apertou meu coração com uma força descomunal. E quando supliquei por uma chance de retorno, eles me explicaram com gentileza que a Terra era praticamente invisível para as raças mais avançadas, exceto para aqueles caçadores de escravos que visavam seres de mundos menos desenvolvidos como o meu. "Tenha paciência", eles pediram.
A lembrança da noite em que fui arrancada da Terra ainda é vívida em minha memória. Era uma noite de chuva intensa, como se os céus chorassem em desespero, ecoando meu próprio desalento. Eu tinha discutido com meu tio por algo tão trivial que agora me escapa completamente da memória. Necessitando de um momento de solidão, sai sem avisar, caminhando em direção à biblioteca. As ruas, vazias e silenciosas sob o manto da chuva, pareciam espelhar minha própria melancolia. Ao cruzar um beco escuro, mal percebi as figuras sombrias que se ocultavam na penumbra. Esse descuido se revelou o maior erro da minha vida. Num piscar de olhos, fui capturada, sentindo uma picada aguda em meu pescoço, e então, a escuridão me envolveu completamente. Quando recobrei a consciência, me vi cercada por seres estranhos, em uma nave espacial, falando línguas incompreensíveis. A realidade de que havia sido sequestrada e vendida como mercadoria a um ser repulsivo rapidamente se impôs sobre mim.
O terror daqueles primeiros dias em cativeiro era asfixiante, uma sombra perpétua que me seguia a cada momento. Lembro-me da primeira vez que desobedeci ao mestre; a punição foi rápida e brutal, uma lição cruel sobre o verdadeiro significado do medo.
Agora, à medida que essas memórias dolorosas ressurgem, faço um esforço consciente para afastá-las. Minha respiração se torna rápida, superficial, enquanto luto contra a constrição em meu peito, uma manifestação física do turbilhão de emoções que me consome. É quase como se estivesse tentando respirar através de um canudo, cada inalação exigindo um esforço descomunal. Somos conduzidas a um grande alojamento, onde nos entregam cobertores grossos e nos deixam para nos acomodarmos. Busco refúgio no canto mais distante, enroscando-me em uma bola, na tentativa de me acalmar e permanecer despercebida. Embora sinta os olhares de desdém das outras mulheres, abrigo a esperança de que, neste novo mundo, possa finalmente encontrar um recomeço, um lugar para chamar de lar.