Ontem, meu irmão conseguiu bagunçar tudo. Eu tinha encontrado uma parceira perfeita para nós: uma fêmea feroz, uma excelente lutadora que não tinha medo de nada. Mas é claro que ele tinha que arruinar tudo. Fiquei com tanta raiva que eu queria bater nele, mas eu sei que tenho que controlar minha raiva. Não posso me deixar levar assim e foi por isso que eu não o agredi. Quando acordei de manhã, senti uma dor no pescoço. " ótimo!" pensei, "além de aguentar a birra do meu irmão ainda tive o azar de não dormir bem". Hoje, começo a treinar os novos recrutas que, no futuro, serão os guerreiros responsáveis pela segurança da fronteira de Osíris.
Esses novos recrutas são de uma espécie guerreira conhecida por serem excelentes lutadores. Eles são rápidos e mortais no campo de batalha. Já ouvi vários rumores sobre a sua espécie, dizem que eles não têm lealdade, mas são habilidosos em combate. Os recrutas que vou treinar ainda são muito jovens, mas acredito que posso ensinar-lhes mais do que apenas lutar. Vou ensinar-lhes sobre lealdade e como serem machos dignos que não traem aqueles que os ajudaram. Quando os resgatamos de seu antigo dono, eles eram apenas jovens assustados. Quando os trouxemos para Osíris e começamos a cuidar deles, oferecemos a opção de devolvê-los ao seu povo. No entanto, eles se recusaram a voltar, alegando que seu povo os havia abandonado antes, vendendo-os como escravos. Eles não tinham vontade de retornar e queriam ficar aqui, eu os entendi e então me ofereci para treiná-los para que pudessem proteger o seu novo lar. Com o passar dos dias, esses jovens recrutas se provaram resistentes e não reclamaram de nada que colocamos no caminho deles. Eles estão determinados a se tornarem bons guerreiros, não importa o quão duro seja o treinamento. Passo o dia treinando eles, ensinando novos golpes e vendo do que são capazes, mas é exaustivo ver a lentidão com que estão aprendendo. Ao final do dia dispenso eles já informando que no dia seguinte começarei um novo tipo de treinamento, alguns ficaram receosos, outros com medo e sigo rindo comigo mesmo e tendo a satisfação de que estão ao menos começando a ter respeito através do medo.
Quando finalmente chego ao meu quarto, tudo o que quero é tomar um banho e dormir. Estou completamente exausto hoje. Pensei no treinamento que fiz com cada um desses jovens pessoalmente para testar sua resistência física. No início, eles não sabiam muito bem o que fazer em uma luta, mas assim que deixaram seus instintos dominarem, eles se mostraram fortes. No entanto, ainda acredito que, mesmo após o treinamento, nenhum deles seria páreo para mim. Afinal, minha espécie é uma das mais temidas do universo devido à nossa natureza extremamente agressiva. Depois de um banho rápido, me jogo na cama e não demora muito para o cansaço do dia me levar a um sono profundo. Com o passar de alguns dias entro de cabeça na tarefa de treinar os recrutas, com a intenção de não pensar no desastroso encontro com a fêmea, o que me irrita só de lembrar em como ela e Damien foram ríspidos um com o outro. Certo dia, pego tão pesado no treinamento que após chegar ao meu quarto, só consegui tomar um banho e apeguei assim que deitei. Ao acordar , me sinto com mais disposição e percebo que também não estou mais com as dores no pescoço que tem me perseguido nos dias anteriores, o que me deixa aliviado; me troco rapidamente colocando meu usual traje de treinamento, que consiste em camisa e calça preta e pesadas botas na mesma cor. Ao sair do meu quarto aproveito para apreciar a vista e sigo para o local de alimentação.
Quando entro no local de alimentação, a primeira coisa que noto é que Damien já está lá. É estranho vê-lo na refeição da manhã, já que ele raramente aparece por aqui a essa hora. Ele está sentado em uma mesa no canto, com um olhar distante, quase como se estivesse esperando por algo ou alguém. Pego minha comida e me aproximo dele, tentando não chamar atenção. Quando finalmente me sento ao seu lado, ele parece surpreso, como se só então notasse minha presença.
"Damien, o que você está fazendo aqui a essa hora?" pergunto, tentando esconder minha preocupação.
Ele levanta os olhos do prato e me lança um olhar impaciente. "Comendo, Cálix, o que mais eu faria aqui?" responde, a voz carregada de irritação.
Dou de ombros, tentando disfarçar minha inquietação. "Se você diz..." murmuro, observando-o atentamente. Damien está claramente sem paciência, algo incomum para ele, que sempre foi tão controlado e sereno. Seu comportamento me preocupa; algo está definitivamente errado, e eu não faço ideia do que possa ser. Dos dois, eu sou o mais mal humorado e ele o mais pacífico, por isso que me preocupa quando ele fica irritado. Nos últimos dias, ele tem me evitado e mal trocamos palavras. Minha cabeça lateja de tanto tentar entender o que se passa com ele, mas todas as minhas tentativas de comunicação foram em vão.
"Você anda muito estranho ultimamente, Damien. Aconteceu alguma coisa?" arrisco, esperando que ele se abra.
Ele apenas revira os olhos e volta a focar no prato. "Nada que você deva se preocupar, Cálix."
Suspiro, frustrado. "Você sabe que pode falar comigo, certo? Seja o que for, estou aqui para ajudar."
Damien solta uma risada sarcástica. "Você realmente acha que pode resolver todos os problemas do mundo, não é?"
"Não todos, mas gostaria de ajudar com os seus," respondo, tentando manter a calma. Ele me encara por um momento, como se ponderasse se deveria ou não compartilhar o que se passa em sua mente. Mas, como sempre, ele fecha a expressão e volta a ignorar minha presença.
"Damien, estou prestes a fazer uma viagem ao nosso planeta, e não quero deixá-lo assim, desse jeito," desabafo, esperando que minhas palavras o toquem de alguma forma.
"Faça o que quiser, Cálix. Eu estou bem. Não preciso que você cuide de mim," ele responde friamente.
"Você vai ficar aqui sozinho? E se precisar de algo?" pergunto, a preocupação evidente na minha voz.
Ele solta um longo suspiro. "Eu sou capaz de cuidar de mim mesmo. Vá e faça o que precisa fazer." A conversa claramente não está indo a lugar nenhum, e me sinto impotente. Damien sempre foi um enigma para mim, fácil de decifrar em alguns momentos, mas incrivelmente complexo e reservado em outros.
"Antes de eu ir, gostaria de conversar mais uma vez. Pode ser?" pergunto, esperando por um pequeno lampejo de concordância.
Damien finalmente levanta os olhos do prato e me encara. "Tudo bem, podemos conversar. Mas não espere que eu mude de ideia sobre qualquer coisa."
"Eu só quero entender o que se passa," digo, tentando oferecer um sorriso reconfortante. Ele não responde, mas o fato de ter aceitado conversar já é um pequeno passo. Termino minha refeição em silêncio, perdido em pensamentos sobre como vou abordar nosso próximo encontro. Sei que forçar uma conversa não funcionará, mas não posso deixar Damien desse jeito, especialmente com tantas incertezas pela frente.
Enquanto saio do local de alimentação, lanço um último olhar para Damien, que ainda está sentado, absorto em seus próprios pensamentos. Ele sempre preferiu a solidão e a liberdade de viajar pela galáxia, mas sei que em algum momento teremos que voltar ao nosso planeta e enfrentar nossas responsabilidades. Alguns dias se passam desde o encontro com meu irmão no local de alimentação e percebo que anda me evitando, preciso encontrar um jeito de conversar com Damien antes de partir, mas não tenho conseguido encontrar uma única brecha com ele nos últimos dias. Agora que sou o instrutor dos jovens recrutas, mal tenho tempo para ir à área de alimentação, no entanto, penso que lá conseguirei encontrá-lo, já que não nos vimos em nenhum outro lugar recentemente. Da última vez que o vi, foi lá que nos encontramos, então decido ir até lá hoje. Minha mente fervilha com possibilidades e estratégias para a conversa que terei com ele, na esperança de finalmente quebrar a barreira que ele construiu entre nós.
Quando chego à porta da área de alimentação, avisto Damien sentado na mesma mesa de antes. Desta vez, ele está mais arrumado do que o normal, e seus cabelos estão trançados logo pela manhã algo que ele só costuma fazer quando eu o pressiono para se comportar melhor. Fico surpreso ao perceber que ele fez isso por conta própria. Ao me aproximar, noto que ele está distraído, e só percebe minha presença quando já estou sentado à sua frente.
"Damien, preciso falar com você", digo, acomodando-me na cadeira. Ele levanta os olhos, um tanto irritado, e suspira antes de responder.
"E não poderia esperar? Tem que ser logo cedo assim?" Sua voz carrega uma raiva contida.
"Não tenho conseguido falar com você há dias, e tenho que viajar", explico, tentando manter a calma. Damien franze a testa e cruza os braços.
"Cálix, você poderia ter ido sem precisar me avisar." suspiro, sentindo a tensão no ar.
"Eu teria feito isso, mas você está agindo de forma estranha e eu não queria sair e te deixar assim." ele olha para o lado, evitando meu olhar.
"Estou bem, não se preocupe, Cálix", responde, mas sua voz traz uma falta de convicção. Ele não parece estar realmente prestando atenção em mim.
A conversa se desenrola de forma mais tensa do que eu imaginava. Damien está claramente chateado comigo, mas não consigo entender o motivo, já que não nos vimos há dias. Lembro-me do nosso último encontro com aquela fêmea e me pergunto se ele ainda está chateado por causa disso. No entanto, naquele dia, ele não parecia irritado; na verdade, fui eu quem deveria ter ficado chateado, pois ele acabou estragando tudo. Passo a mão pelos cabelos, frustrado.
"Damien, o que está acontecendo? Sinto que você está distante, agindo de forma diferente."
Ele suspira novamente, desta vez mais profundamente, e finalmente me encara.
"Não é nada, Cálix. Só... só estou com muita coisa na cabeça." sinto que há algo mais profundo em sua irritação e distância. Talvez haja algo em sua vida pessoal que ele não está compartilhando comigo. Essa falta de comunicação me deixa frustrado e preocupado. Damien sempre foi alguém reservado, mas costumávamos compartilhar tudo um com o outro. É difícil para mim ver uma barreira surgindo entre nós.
"Tudo bem, se não quiser falar agora, eu entendo", digo, tentando ser compreensivo. "Mas saiba que estou aqui para você, sempre."
Ele apenas acena com a cabeça, sem dizer mais nada. A tensão entre nós é palpável. Enquanto me preparo para minha viagem, percebo que talvez seja o momento de eu deixar Damien sozinho e dar-lhe espaço para resolver suas questões. No entanto, isso me preocupa, pois sei que ele não costuma lidar muito bem com seus próprios problemas. Ele sempre foi aquele que está lá para os outros, mas raramente pede ajuda para si mesmo.
Antes de sair, coloco uma mão em seu ombro e digo suavemente: "Cuide-se, Damien. Estou sempre aqui se precisar de mim."
Ele finalmente sorri, embora seja um sorriso triste.
"Obrigado, Cálix. Boa viagem." quando me levanto para ir embora, algo estranho acontece. Sinto uma espécie de vazio, como se uma conexão vital entre mim e Damien tivesse sido cortada abruptamente. Tento me concentrar, tentando captar qualquer vestígio de suas emoções, mas tudo o que encontro é um silêncio absoluto. Damien nunca tinha feito isso antes. Era como se ele estivesse deliberadamente tentando esconder algo de mim. Paro e me viro para encará-lo mais uma vez.
"Damien, você está... você bloqueou nossa conexão?", pergunto, a incredulidade evidente na minha voz. Ele evita meu olhar, mexendo distraidamente no garfo sobre a mesa.
"Cálix, eu... preciso de um tempo. Para mim. Por favor, entenda."
Minha mente gira, tentando processar o que está acontecendo. Damien sempre foi uma presença constante, suas emoções sempre ao alcance da minha mente. Essa súbita barreira é desconcertante e dolorosa.
"O que está acontecendo, Damien? Por que você está fazendo isso?", insisto, a preocupação transparecendo na minha voz. Ele finalmente levanta o olhar, e vejo a dor em seus olhos.
"Eu não posso falar sobre isso agora. Só... preciso lidar com isso sozinho. Prometo que vou te contar quando estiver pronto."
A frustração e a impotência me consomem. Nunca pensei que Damien pudesse me excluir dessa maneira, especialmente quando ele claramente está sofrendo.
"Damien, você sabe que pode confiar em mim. Seja o que for, podemos enfrentar juntos."
Ele balança a cabeça, "Eu sei, Cálix. Mas desta vez, é diferente. Eu preciso resolver isso por conta própria."
Com um suspiro pesado, percebo que empurrar mais não vai ajudar. Damien está determinado a manter essa distância, e forçá-lo a falar só vai piorar as coisas.
"Tudo bem, Damien. Eu respeito sua decisão, mas saiba que estou aqui para você, sempre." Ele acena, mas a expressão em seu rosto mostra que ele está lutando contra algo muito maior do que eu posso entender neste momento. Com um último olhar cheio de preocupação, me viro e saio, sentindo a ausência de nossa conexão como uma dor física.
Enquanto caminho para a saída, minha mente fervilha com perguntas e preocupações. O que poderia ser tão grave a ponto de Damien sentir a necessidade de me bloquear? E por que ele não confia em mim para ajudá-lo? A sensação de impotência é esmagadora, mas sei que, no final, só posso esperar que ele encontre uma maneira de superar isso e volte a confiar em mim.
Essa viagem vai ser mais difícil do que eu imaginava, sabendo que Damien está lutando com algo tão pesado e me deixando completamente no escuro. Com um último olhar preocupado, me viro e saio, deixando Damien para trás, na esperança de que ele encontre um jeito de lidar com o que quer que esteja enfrentando.