No caminho de volta até seu quarto, tornou-se claro que a comunicação entre nós era quase inexistente. Ela parecia apressada em fugir da minha presença, como se estivesse correndo em direção à segurança que seu quarto lhe transmite. Senti que ela havia interpretado mal a situação, mas confesso que não estava preparado para a intensidade da mágoa que parecia consumi-la após o ocorrido, porém tudo que eu mais queria naquele instante era ter a oportunidade de explicar a ela a minha perspectiva. Eu queria que ela entendesse que as minhas ações eram uma luta interna contra os meus próprios desejos. Queria que ela soubesse que eu a desejava ali, comigo, mais do que qualquer coisa. No entanto, também precisava que ela entendesse que a minha consciência pesava, pois eu sabia que estava sendo egoísta demais ao pensar somente nos meus desejos.
Eu nunca havia desejado uma fêmea da maneira que a desejava. A realidade é que só consegui me conter, me forçar a parar, porque sabia que não seria justo com ela e apesar de parecer o correto naquele momento, eu sabia que ela merecia mais do que ser tratada como qualquer outra fêmea com quem estive antes. Ela era especial, merecia alguém melhor, alguém que não a visse apenas como um objeto de prazer, mas sim como a fêmea incrível que ela é. Quando finalmente consegui retornar para o meu quarto, encontrei Cálix sentado na minha cama. A visão dele ali, naquele dia específico, trouxe uma onda de frustração e cansaço que eu mal conseguia disfarçar. Ele levantou o olhar ao me ver entrar e um sorriso leve se formou em seus lábios.
— Por que você não parece contente em me ver? — perguntou ele, a voz carregada de
uma falsa inocência que só aumentou minha irritação. A verdade é que eu realmente não estava contente em vê-lo. A presença dele naquele momento só poderia significar uma coisa: ele tinha outra fêmea em mente e queria que eu a conhecesse. No entanto, eu estava longe de estar no humor para aquela conversa. A dor de ter machucado Lucy, a fêmea que eu sabia ser minha companheira, era quase insuportável, e a ideia de ter que acasalar com outra fêmea escolhida por Cálix só piorava as coisas.
— Estou apenas cansado, Cálix. Quero dormir. — Tentei dispensá-lo, minha voz
carregada de exaustão. Mas ele não se deixou abalar tão facilmente. Levantou-se da cama e deu alguns passos em minha direção, a preocupação agora visível em seus olhos.
— Não é só cansaço, eu posso ver isso. O que está realmente te incomodando?
Suspirei, sentindo a frustração borbulhar dentro de mim. Tudo que eu queria era que ele fosse embora e me deixasse em paz, mas ele parecia determinado a continuar a conversa.
"Não é nada que você possa resolver, Cálix. Só vá embora, por favor." minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas não me importei. Eu estava no limite. Ele parou por um momento, avaliando a seriedade nas minhas palavras. Então, surpreendentemente, ele deu de ombros e acenou com a cabeça.
"Tudo bem, eu vou. Mas saiba que estou aqui se precisar de mim." Eu mal registrei suas palavras enquanto ele saía do quarto, fechando a porta suavemente atrás de si. A tensão que eu sentia não aliviou com sua partida. Na verdade, parecia que uma tempestade estava se formando dentro de mim. Após sua saída, tudo que consegui fazer foi tomar um banho, tentando lavar a dor e a confusão que me consumiam. A água quente não trouxe o alívio que eu esperava, e logo me vi deitado na cama, completamente perdido em pensamentos.
A imagem de Lucy não saía da minha mente. A dor de tê-la machucado era quase insuportável. Ela era minha companheira, e eu sabia disso no fundo da minha alma. E ainda assim, aqui estava eu, preso em uma situação onde Cálix esperava que eu acasalasse com outra fêmea, a ideia era repulsiva e o peso das expectativas me esmagava. Enquanto as horas passavam, fiquei ali, imóvel, tentando encontrar algum sentido na minha vida e na situação em que me encontrava. Cada pensamento me levava de volta a Lucy, e a dor de saber que a ferira parecia abrir um buraco cada vez maior no meu coração.
Por alguns dias, tenho sido capaz de evitar Cálix, no entanto, hoje ele conseguiu me encontrar no corredor perto do meu quarto. Ele estava acompanhado de uma fêmea de cabelos longos e pretos. A visão dela me faz recordar da Lucy, mas essa é a única semelhança que posso encontrar entre as duas. Enquanto Lucy é pequena e delicada, essa fêmea é alta e se veste de maneira comum, como todas as outras, expondo a maior parte de sua pele. Minha Lucy, por outro lado, não gosta de mostrar muito de sua pele cremosa e linda, assim como as outras fêmeas. Essa característica dela me agrada muito, pois sei que só eu tive o privilégio de ver toda a pele que ela cuidadosamente esconde sob seu longo vestido. Nenhuma outra fêmea pode se comparar a ela aos meus olhos, mesmo essa que está na companhia de Cálix sendo bonita, não desperta em mim os mesmos sentimentos que sinto quando vejo minha pequena humana.
— Este é o meu irmão, o macho de quem tanto falei — Cálix disse, com um brilho nos olhos. — E esta aqui é Chake.
Respirei fundo e forcei um sorriso, tentando ser o mais educado possível. Estendi a mão para cumprimentá-la.
— É um prazer conhecê-la, Chake. Espero que tenha tido uma boa viagem até aqui — falei, tentando soar simpático e acolhedor.
Ela retribuiu com um sorriso sedutor, seus lábios se curvando de uma maneira que parecia calculada. Deu um passo à frente, aceitando minha mão com uma leve pressão.
— Seu irmão tinha razão — disse ela, com uma voz melosa que me fez estremecer. — Ele me disse que você era um macho muito interessante e agradável. Parece que ele não exagerou.
Surpreso, franzi as sobrancelhas, tentando entender o que ela queria dizer.
— Razão sobre o quê? — perguntei, um pouco desconcertado.
Ela riu levemente, inclinando a cabeça de lado, seus olhos brilhando com uma malícia sutil.
— Que eu iria gostar de você. Que você é alguém que vale a pena conhecer — respondeu, sua voz carregada de uma confiança que me deixou desconfortável.
Seu comentário me deixou nauseado. Senti-me como um objeto sendo avaliado, como se ela estivesse comprando um bem valioso sem ao menos se dar ao trabalho de conhecer a pessoa por trás. Tudo o que importava para ela era o que eu e Cálix podíamos oferecer, nada mais.
Olhei para Cálix, que parecia orgulhoso de sua escolha. Era típico dele buscar fêmeas fortes e capazes de se defenderem sozinhas, completamente diferentes de Lucy, que era tão indefesa quanto um filhote. A fragilidade de Lucy era algo que Cálix nunca consideraria digno de uma fêmea para ele. Ele queria alguém que não fosse fraco, alguém que pudesse lutar ao seu lado. Entendia seus medos, mas também sabia que ele nunca machucaria uma fêmea como nosso pai machucou nossa mãe.
Nossa mãe morreu em consequência dos abusos que nosso pai infligia a ela. Quando Cálix cresceu, ele matou nosso pai em uma vingança fria e silenciosa. Nosso pai nunca perdoou nossa mãe pela morte de seu irmão e descontou sua raiva diariamente nela e em nós, seus filhos. Esse era o maior medo de Cálix: tornar-se igual a ele.
Compreendia seus medos porque também os tinha. No entanto, nunca escolheria outra fêmea no lugar da minha verdadeira companheira apenas porque ela era fraca. Enquanto Cálix e Chake continuavam discutindo os detalhes do acasalamento, meu comunicador vibrou no bolso, interrompendo meus pensamentos.
— Desculpem-me, preciso atender esta chamada — disse, levantando-me rapidamente. — É algo urgente.
Chake me lançou um olhar curioso enquanto Cálix parecia irritado com a interrupção.
— Claro, vá em frente. Não queremos atrapalhar seus compromissos — Chake disse, com um sorriso que não alcançou os olhos.
Quando finalmente atendi, a voz do Senhor Bronson soou urgente do outro lado da linha.
— Preciso que você venha ao centro médico rapidamente. É uma emergência.
Não tinha ideia do que ele queria comigo, mas senti um alívio imediato. Era a desculpa perfeita para me livrar de Cálix e dessa fêmea insuportável. Estava claro para mim que uma vida ao lado dela seria um verdadeiro inferno.
— Estou a caminho — respondi, encerrando a ligação com um suspiro de alívio. Fui em direção à porta com passos rápidos, ansioso para escapar daquela situação sufocante.
Antes de sair, lancei um último olhar para Cálix.
— Desculpe, irmão. Prometo que voltarei assim que puder.
Ele apenas acenou com a cabeça, mas pude ver a frustração em seus olhos. Saí do quarto, sentindo o peso da tensão se dissipar a cada passo que me afastava deles, enquanto me dirigia ao centro médico, sem saber o que me esperava, mas grato pela fuga temporária.
No momento em que cheguei ao centro médico, o Senhor Bronson já estava me aguardando prontamente na entrada, como se tivesse antecipado a minha chegada.
Quando passamos pela porta, pude notar que ele aparentava uma expressão fatigada, como se não dormisse há dias. Sem delongas, ele se dirigiu ao conjunto de sofás que adornava a sala de espera e se acomodou confortavelmente, pegou uma xícara de chá e começou a beber, como se buscasse algum tipo de conforto naquela bebida quente. O
acompanhei e escolhi um lugar no sofá oposto ao dele, também me servindo de um pouco de chá. Ele parecia um tanto perturbado, como se tivesse algo sério para me comunicar, e a tensão no ar começava a me deixar nervoso. O que poderia ser tão grave a ponto de deixá-lo nesse estado?
"Damien," ele começou, a voz carregada de uma gravidade que me fez estremecer, "há dois dias, a fêmea humana foi encontrada ferida em seu quarto."
Ao ouvir essas palavras, senti uma onda de pânico me invadir. Quem a teria machucado? Quem ousaria fazer isso? Uma fúria cega tomou conta de mim. Meu coração acelerou e meus punhos se cerraram involuntariamente. Eu queria saber quem tinha sido, queria fazer essa pessoa pagar pelo que havia feito.
"Como ela está agora?" perguntei, tentando controlar a raiva que fervilhava dentro de mim. Minha voz saiu mais áspera do que eu pretendia, mas não me importei. Precisava de respostas.
Ele me olhou de forma estranha, como se todas as respostas que procurava tivessem sido respondidas. Seus olhos, que antes estavam preocupados, agora se estreitavam em uma expressão de raiva, como se eu fosse o culpado pelo que aconteceu. Mas isso era impossível. Eu nunca machucaria a fêmea em questão. Fazia dias desde a última vez que a vi. Algo em minha expressão pareceu alimentar ainda mais sua raiva por mim.
"Ela está bem agora," disse ele, sem esconder a raiva que parecia sentir. Não tinha tempo para decifrar seus motivos. Minha preocupação estava voltada para ela e somente para ela. Quem a machucou? Quem foi o responsável por isso?
"Quem foi?" perguntei, ansioso para saber quem era o culpado. Eu estava determinado a fazer essa pessoa pagar, independentemente das consequências. Mas quando o Senhor Bronson respondeu, fiquei em choque.
"Ela se machucou sozinha," ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.
"Como assim ela se machucou?!" retruquei, incrédulo. Por que ela faria isso consigo mesma? A ideia era absurda e dolorosa demais para aceitar.
"Seus braços estão cobertos de cortes profundos," explicou ele, a voz carregada de um pesar que eu nunca tinha ouvido antes. "E parece que não é a primeira vez que ela faz isso, já que apresenta cicatrizes antigas. Mas desta vez, ela se cortou mais fundo do que antes, o que quase a levou à morte."
Ainda estava difícil acreditar que ela poderia ter causado isso a si mesma. Como alguém poderia se machucar dessa maneira?
"Chamei você aqui hoje porque ela estava chamando seu nome enquanto dormia," ele revelou, seus olhos fixos nos meus, buscando uma reação.
"Ela chamou por mim?" perguntei, surpreso e confuso.
"Sim, ela parecia muito perturbada," respondeu ele, a raiva agora misturada com uma ponta de tristeza. "Mas por que ela chamaria por mim assim?" questionei, ainda mais confuso.
"Eu também não entendi, mas agora consigo entender," ele respondeu, enigmático, deixando-me ainda mais perplexo.
"Entendeu o quê?" perguntei, sem compreender por que ela me chamaria depois de tudo. Sabia que a havia machucado e afastado dela.
"Ela formou um vínculo com você, e seu afastamento de alguma forma a feriu," ele explicou, com uma calma que parecia ensaiada.
"Mas isso é impossível, ela nem é da minha espécie," argumentei, tentando encontrar alguma lógica na situação.
"Isso eu não sei explicar," ele confessou, parecendo tão perplexo quanto eu com o fato de ela ter formado esse vínculo comigo. A única coisa que conseguia pensar naquele momento era que isso não podia continuar.
"Como posso romper esse vínculo?" perguntei, desesperado para encontrar uma solução.
Ele me olhou com uma expressão de surpresa. "Você quer romper o vínculo?!" perguntou, incrédulo.
"Isso é o melhor para ela. Eu não posso ficar com ela," expliquei, sentindo um nó se formar em minha garganta. Ele me olhou com um olhar cansado e não disse mais nada por alguns momentos.
"Ela está dormindo agora, mas logo acordará. Você pode explicar para ela que não a quer, quem sabe ela consiga seguir em frente," sugeriu, com uma raiva mal disfarçada. Assenti, sem conseguir dizer nada.
Mas uma última pergunta ainda me atormentava: "Ela pode voltar a se machucar?"
"Não sei," respondeu ele, antes de continuar com um tom mais sério. "Você sabia que nosso cérebro tem um tipo de mecanismo de defesa que nos impede de nos automutilar?"
Ele me perguntou, olhando-me com raiva novamente. "Agora tente imaginar a dor que ela está sentindo para quebrar esse mecanismo e conseguir se machucar do jeito que ela o fez."
Era absolutamente agonizante tentar compreender o turbilhão de emoções que ela deve estar enfrentando neste exato momento. Eu almejava, com uma intensidade que se aproximava do desespero, que ela pudesse expurgar qualquer memória ou pensamento que pudessem de alguma forma estar ligados a mim.
Quando cruzo o limiar da porta do quarto, a vejo adormecida, ainda rendida ao sono. Mesmo em sua vulnerabilidade adormecida, está claro que a tranquilidade lhe é uma estranha, e essa percepção me dilacera por dentro, de uma maneira que jamais acreditei ser possível.
Sua aparência mostra claramente os sinais de seu sofrimento, ela está visivelmente mais magra, manchas escuras sob seus olhos revelam noites sem dormir e seus braços estão cobertos por curativos. Observando-a assim, deixo escapar em um sussurro suave, para não perturbar seu sono, "Eu não tinha ideia de que poderia causar-lhe tamanho sofrimento,
minha querida. Se tivesse tido essa noção, jamais teria sido tão insensível a ponto de me aproximar de você".
No entanto, tudo que eu realmente anseio neste momento é expressar minhas desculpas a ela, mas tenho a dolorosa consciência de que tal atitude apenas complicaria ainda mais a situação. Ela não seria capaz de compreender que, apesar de ela residir profundamente em meu coração, eu jamais poderei partilhar minha vida com ela. Eu terei que me afastar, pois a simples ideia de vê-la com outra pessoa me consome por dentro, me enlouquece.
Ao perceber que ela está prestes a despertar, um sentimento de profunda angústia se instala em meu peito. Eu sei que o momento que se aproxima será devastador, mas não tenho escolha. Cálix já encontrou uma companheira e em dois meses deixaremos Osíris. Eu não posso, de maneira alguma, permitir que ela nutra qualquer esperança em relação a nós. Isso seria ainda mais cruel do que o que estou prestes a fazer.
Quando ela desperta, seus olhos me encontram com um anseio tão profundo e uma esperança tão palpável que meu coração se aperta de uma forma dolorosa, dificultando até a minha respiração.
— Lucy, precisamos conversar — digo, tentando manter a voz firme.
Ela, surpresa e com os olhos brilhando de esperança, responde:
— Damien, você veio! Eu sabia que você viria!
Sua voz é uma mistura de alívio e alegria, e cada palavra dela é como uma faca cravada no meu peito.
— O senhor Bronson me chamou, é por isso que estou aqui — respondo, adotando o tom mais frio e distante que consigo.
A expressão de Lucy muda instantaneamente. O brilho de esperança em seus olhos se apaga, dando lugar a uma tristeza profunda. Ela baixa a cabeça, os lábios tremendo.
— Eu... eu sinto muito por ter incomodado — diz, a voz trêmula, tentando segurar as lágrimas que ameaçam cair.
Mesmo sabendo que estou sendo cruel, digo a mim mesmo que é o certo a fazer. Respiro fundo e continuo:
— Você não queria incomodar? Você se machucou porque eu não a quis no lago? — minhas palavras saem carregadas de crueldade deliberada.
Lucy levanta a cabeça, os olhos brilhando de indignação e dor.
— Não foi por isso! — grita, a voz quebrada pela emoção. — Eu não tentei me machucar por sua causa!
Aponto para os curativos em seus braços, um gesto que a faz abaixar a cabeça novamente. Lágrimas silenciosas começam a escorrer por seu rosto.
— Eu... eu sinto muito se te dei a impressão errada — digo, tentando manter a voz firme, mas ela percebe a fraqueza em minhas palavras.
— Não estou magoada por você não me querer, Damien — responde, sua voz sufocada pela dor. — Estou magoada porque você me deu a impressão de que me queria e depois desapareceu. Isso... isso me destruiu.
Sua dor é tão intensa que posso senti-la como uma presença sufocante na sala. Ela enxuga as lágrimas com as costas das mãos e, com um esforço visível, tenta recompor-se.
— Por favor, vá embora — diz, a voz baixa e controlada. — Eu não quero te incomodar mais.
Olho para ela, meu coração em pedaços.
— Se é isso que você quer, então eu irei — digo, tentando soar resoluto.
Ao sair do quarto, ouço seu choro baixinho. Cada soluço é como um golpe em minha alma. Quero voltar, abraçá-la e pedir perdão, mas sei que não posso. Então, como o covarde que sou, fujo, deixando para trás uma parte de mim que talvez nunca recupere.