Ao chegar no centro médico, percebi que Damien estava visivelmente incomodado. Fiquei curiosa para saber o que poderia estar acontecendo, pois ele afirmou que não era minha culpa. Comecei a me questionar se ele teria descoberto algo horrível naquele momento, já que sua expressão ficou sombria de repente. Será que ele notou algo em mim que não gostou? Será que ele pensou que eu sou louca? Talvez eu devesse ter dito algo ou até mesmo perguntado se ele estava incomodado com algo. No entanto, mal consigo dizer um simples "bom dia" para ele, então como poderia iniciar essa conversa? Ao chegar na porta do centro médico, ele se despediu com um breve aceno e começou a ir em direção oposta, porém pude sentir Damien ainda parado lá, olhando para mim. Ao olhar para trás, confirmei que ele realmente ainda estava lá, fixando seu olhar em mim. Dei uma última olhada e, finalmente, entrei no centro médico. Ao chegar na sala do senhor Bronson, minha mente ainda estava ocupada com pensamentos sobre Damien. Não entendo por que me sinto dessa forma toda vez que o vejo. Parece que tudo que está faltando em mim se completa nos momentos em que estou perto dele. Isso ainda me assusta, pois mal o conheço. Como posso sentir algo tão intenso por alguém que mal conheço? Se eu contasse isso a alguém, com certeza acreditariam que sou louca.
Quando finalmente entrei pela porta, percebi que o senhor Bronson estava distraído com os papéis em sua mesa e nem percebeu minha entrada. Na verdade, quando entrei, estava tão perdida em meus pensamentos que esqueci até de bater antes de entrar. No entanto, logo ele me notou.
"Bom dia Lucy, como está?" Ele se levantou e foi em direção ao conjunto de sofás em seu escritório, sinalizando para que eu me sentasse.
"Bom dia senhor Bronson, estou bem obrigada, e o senhor?" Ao sentar, reparei que havia duas xícaras de chá na mesa de centro, algo muito comum aqui. Eram parecidas com as de camomila que temos em minha cidade, mas a diferença era que esse chá parecia acalmar instantaneamente logo no primeiro gole. Suponho que o senhor Bronson não queira repetir o incidente da minha primeira visita, quando fiquei muito nervosa.
"Estou bem, por favor, sirva-se." Quando ele percebeu que eu estava olhando para a xícara de chá, fez um gesto para que eu pegasse uma, enquanto ele pegava uma para si mesmo. Ao tomar o primeiro gole, pude sentir meu corpo se relaxar automaticamente. Era como se estivesse flutuando, e quanto mais bebia, mais me acostumava com o efeito relaxante que o chá proporcionava. O senhor Bronson esperou pacientemente até que eu terminasse de tomar meu chá.
Quando coloquei a xícara de volta à mesa, ele me deu um sorriso educado e fez o mesmo com sua própria xícara de chá. Seus olhos se estreitaram ligeiramente, como se estivesse ponderando a melhor maneira de iniciar a conversa. A hesitação dele era palpável, e isso só aumentava minha irritação. O que mais detesto é quando as pessoas agem como se eu fosse algo frágil, precisando ser tratada com extremo cuidado para não quebrar com um simples toque. Decidi tomar a iniciativa e romper o silêncio constrangedor.
"O senhor deseja discutir mais sobre a minha convivência aqui?" perguntei, lembrando-me da última vez que ele me chamou para uma reunião. Naquela ocasião, ele fez várias perguntas e conduziu alguns testes no meu corpo. As perguntas foram aceitáveis, mas os testes me deixaram desconfortável. Ele deve ter notado pela minha expressão que eu não estava à vontade com aquilo. O senhor Bronson inclinou-se ligeiramente para frente, a preocupação evidente em seus olhos.
"Lucy, está tudo bem mesmo?" perguntou ele, a voz suave e reconfortante.
"Sim, só estava pensando," respondi, tentando soar mais tranquila do que me sentia.
"Você não precisa ficar nervosa," assegurou ele, recostando-se na cadeira. "Só quero fazer algumas perguntas, sem testes no seu corpo dessa vez. É só uma conversa." suas palavras deveriam ter me acalmado, mas minha mente sempre espera o pior, sempre visualiza o cenário mais sombrio. Tentei não demonstrar meu nervosismo, mantendo minha postura firme.
"O que o senhor quer saber dessa vez?" perguntei, tentando parecer desinteressada. Ele sorriu, um sorriso que tentava ser encorajador.
"Gostaria de saber mais sobre a sua espécie." Claro, ele queria saber sobre minha espécie, não sobre mim. Era sempre assim. Porque ele iria querer saber algo sobre mim? Não tenho nada de interessante para compartilhar, nada de importante.
"Sim, o que o senhor quer saber?" perguntei, mantendo a voz neutra.
"Me conta tudo que você achar interessante sobre a sua espécie," disse ele, os olhos brilhando de curiosidade.
Comecei a falar, descrevendo tudo que pensei ser interessante sobre minha espécie. Falei sobre nossos hábitos, nossa cultura, nossas peculiaridades. À medida que a conversa avançava, perdi a noção do tempo. O céu lá fora escurecia lentamente, mergulhando a sala em sombras mais profundas. De repente, um guarda entrou apressado, interrompendo nossa conversa.
"Senhor Bronson, precisamos de assistência médica na ala oeste," anunciou ele, a urgência clara em sua voz. O senhor Bronson olhou para o relógio e pareceu surpreso.
"Oh, me desculpe por ter te segurado por tanto tempo, Lucy," disse ele, levantando-se rapidamente. Para ser sincera, eu também não tinha percebido quanto tempo havia passado.
"Está tudo bem," murmurei, levantando-me também. "Foi... uma conversa interessante." Ele sorriu novamente, desta vez com um toque de genuína gratidão.
"Obrigado por compartilhar tanto comigo. Vamos continuar essa conversa outro dia, certo?"
Assenti, observando enquanto ele saía apressado. Fiquei ali por alguns momentos, refletindo sobre a conversa. Talvez, apenas talvez, ele estivesse realmente interessado. E talvez, eu também estivesse começando a me interessar em compartilhar. Ao sair do centro médico, deixo que os pensamentos me invadam enquanto aprecio a linda paisagem ao redor. Às vezes, parece que o simples ato de ser ouvido tem um poder transformador. Penso que, mesmo que a conversa não fosse sobre mim, foi reconfortante ter alguém para conversar. Alguém que prestasse atenção em mim. Pela primeira vez, senti que alguém realmente me escutou de verdade, ainda que fosse apenas por curiosidade sobre minha espécie, sobre como é a Terra e sobre como vivemos. Foi bom sentir-me importante, mesmo que só por um momento.
Na maior parte do tempo, não me sinto bem. Não me sinto nem feliz, nem triste, apenas existindo, vivendo um dia após o outro. Tento não ser um incômodo, como era em casa, porque aqui as coisas são difíceis. As pessoas ao meu redor são visivelmente fortes, e mesmo que eu não seja tão forte quanto elas, finjo ser. Por fora, estou sempre sorrindo, sempre prestativa. Mas, por dentro, estou tão quebrada quanto era na Terra, talvez até mais. Meu tempo neste outro planeta só me fez quebrar mais. Dizem que o sofrimento nos torna mais fortes, então por que não me sinto mais forte? Por que me sinto assim, sem rumo, como se não pertencesse a lugar nenhum? É como querer ir embora sem ter para onde ir.
Levanto-me diariamente com um sorriso que já se tornou automático no meu rosto. Acreditava que quanto mais fingimos estar bem, mais fácil se torna, mas não é tão simples assim. Quanto mais finjo que não estou sofrendo, mais sufocada me sinto. Parece que nada mudou; ainda estou com medo, ainda me sinto lá, com frio e fome no escuro, tremendo a cada segundo. Mas estou aqui agora, livre dos abusos que sofri pelo mestre da casa. Ainda assim, não me recuperei, e nem sei se um dia vou me recuperar de tudo que sofri naquele lugar.
As outras mulheres parecem felizes e bem. Será que elas também estão fingindo, como eu? Não sei dizer. O que passamos lá não se esquece facilmente. E eu não estou bem, sinto que tudo está voltando, repetidamente. Minhas crises de ansiedade, minha baixa autoestima. Sinto que tudo está destruído dentro de mim. Sinto-me sozinha, mesmo estando rodeada de pessoas o tempo todo. A dor prolonga-se em mim a cada dia, enquanto perco a força e a vontade de lutar. Um desespero me atinge. Sei que a vida não é um conto de fadas e que ninguém vem me salvar. Só tenho a mim mesma, e isso me assusta. É a pior parte dessa dor: não saber como fazer para ficar bem de novo. Dizem que o tempo cura tudo, mas até agora, não curou nada. Ainda está tudo aqui, sem um único momento de alívio.
Não sei exatamente como tudo isso começou. Só me lembro de ficar sentada no meu canto, olhando para a parede, sentindo vontade de chorar, sentindo-me sozinha. Na manhã seguinte, agi como se estivesse tudo bem na frente do mestre, mas nunca esteve. E estou fazendo do mesmo jeito aqui. Ninguém realmente se importa comigo. Por que nem o senhor Bronson parece perceber que estou no limite? É como me sinto. Sei que todos têm seus próprios problemas, mas às vezes parece que sou invisível para todos. Nunca sei exatamente como estou me sentindo. Meu humor sempre foi instável; sou capaz de me sentir completamente tranquila num momento e, um tempo depois, sentir-me mais triste e perdida do que nunca, como agora. Saí tão bem do escritório do senhor Bronson e, agora, todos esses pensamentos invadem minha cabeça. Nem percebi que estava chorando olhando para o céu, nem que tinha pegado o caminho errado para voltar ao meu quarto, quando percebo alguém se aproximar, olho para o lado e percebo ser a alienígena que eu observava enquanto tentava novamente me defender das ofensas das outras.
Não faço questão de me mover, estava cansada demais e no meu limite para sequer fugir, caso fosse necessário, mas ela me surpreende quando percebo o olhar de preocupação em seu semblante, ao olhar para baixo diretamente para as minhas lágrimas é que percebo que ela é realmente mais alta do que eu, como eu havia imaginado. Inclinando a cabeça levemente para o lado, me pergunta:
" Você está bem? Alguém te feriu pequena humana?", sua voz carregada de preocupação me atingiu em cheio. Como responder a isso sem parecer uma completa idiota?
"Sim, estou bem" respondi, fungando e tentando parar de chorar. Percebi seu rosto ficar confuso com minha resposta e foi somente ai que reparei de fato em sua presença. Sua voz suave e melodiosa fazia um contraste imenso em como estava vestida hoje, com camisa, calça e botas pretas de cano alto, com os longos cabelos rosa presos em um rabo de cavalo alto unida com algumas tranças finas, porém com alguns fios escapando emoldurando seu rosto delicado. Ela parecia cansada do dia, mas ainda assim estava aqui, se preocupando com uma estranha que tinha visto apenas algumas vezes. Ainda me olhando, resolveu se aproximar um pouco mais parando ao meu lado e olhando para o céu como eu estava fazendo momentos antes.
"Pela a minha experiência, quando alguém chora, é por que algo está errado. Seja por dor física ou emocional, seja por felicidade ou até mesmo por algum tipo de emoção realmente forte, mas olhando para você, não imagino que esteja chorando de felicidade." me diz isso ainda olhando para o céu.
" Tem razão, não estou em condições de dizer que estou realmente bem, mas posso assegurar que ficarei." digo, dando uma pequena risada nervosa, ainda tentando entender o motivo do interesse nela em mim de repente.
"Certo, não vou forçá-la a me dizer o que está errado, mas quero que saiba que não a culpo pelas coisas que aconteceram conosco no outro planeta, não sinto raiva de você, nem algum tipo de remorso ou repulsa. Entendo a situação a que fomos submetidas e não tínhamos como fazer algo para sair dali, você não precisa se justificar continuamente para aquelas que não querem entender." me disse e ouvi em seu tom a compreensão que tanto buscava nas outras mulheres, o que me fez chorar ainda mais. Sem saber como responder apenas continuei olhando o céu, deixando as lágrimas rolarem por meu rosto. Após alguns minutos, senti ela virando o rosto para mim, fiz o mesmo para olhar em seu rosto e percebi em seus olhos certa cumplicidade.
" Aliás, me chamo Zoya" disse, abrindo um ligeiro sorriso. Sorri de volta, o alívio me invadindo.
"Me chamo Lucinda, mas pode me chamar de Lucy." digo, sentindo uma pontada de esperança de que talvez, apenas talvez, eu não ficaria sozinha daqui em diante.