Voltando do treinamento, meu corpo cansado e a mente ainda processando os exercícios do dia, vejo-a parada no meio do caminho, olhando para o céu. O cenário é de nós, e uma leve brisa balançando as folhas das árvores ao redor criando um sussurro suave na natureza. A beleza serena da paisagem contrasta dolorosamente com a melancolia que emana dela que está ali, imóvel, com aquele mesmo olhar triste que sempre carrega em seu lindo rosto. Seus olhos são encantadores, mas estão sempre sombreados por uma tristeza profunda e mesmo quando sorri, é um sorriso que nunca alcança os olhos. Parece haver uma barreira invisível impedindo qualquer vestígio de alegria de se manifestar completamente. É como se ela estivesse constantemente tentando esconder sua dor ao sorrir, mas eu consigo enxergar o quanto ela está realmente triste, só não entendo de onde vem tanta dor.
Vejo Lucy inclinar a cabeça para olhar o céu de uma maneira que vai assombrar minha memória pelo resto da vida. O olhar em seu rosto está tão vazio que parece que ela não está realmente presente ali. Aproximo-me em silêncio, movido por uma curiosidade e preocupação que não consigo controlar, ela não percebe minha aproximação de tão perdida que está em seus próprios pensamentos. Vejo as lágrimas escorrerem livremente pelo seu rosto, traçando caminhos brilhantes em sua pele, e ela não se incomoda em limpá-las o que de alguma forma me deixa infeliz. Ver alguém tão desamparado e solitário me faz querer fazer algo para ajudá-la, para aliviar aquele fardo visível. Sinto uma vontade quase desesperada de abraçá-la até que toda a dor desapareça. Mas sei que não posso fazer isso, eu não sou o tipo de macho que conforta alguém com facilidade. Estou acostumado a resolver problemas de maneira prática e direta, e emoções não são meu forte. No entanto, aqui parado, perto dela, a poucos passos de distância, eu gostaria de ser capaz de oferecer algum tipo de conforto. Parece que não sou tão diferente de outros machos que só conhecem a violência e não têm palavras gentis para dizer, como Cálix. Apesar de já ter tido relacionamentos com outras fêmeas, nunca tive muitas conversas profundas com elas. Mas com ela, sinto um desejo sincero de conhecê-la melhor, não porque a quero em minha cama, mas porque realmente quero entender por que ela parece tão infeliz o tempo todo.
Enquanto fico ali, lutando com meus próprios pensamentos e sentimentos, noto uma figura se aproximando e me escondo nas sombras de uma árvore próxima e observo. É uma fêmea alta, com traços marcantes que contrastam fortemente com os delicados de Lucy. Ela para ao lado da pequena humana, e eu me mantenho afastado, observando a interação das duas e ouço elas conversando brevemente e fico aliviado em perceber que a fêmea não está sendo hostil com a Lucy, para minha surpresa ela se mostra genuinamente preocupada.
Aproximo-me um pouco mais e ouço a mulher se apresentar como Zoya e em seguida ouço Lucy fazer o mesmo. Elas estavam conversando mesmo sem saber o nome uma da outra? Sinto uma pontada de orgulho e ciúmes ao perceber que ela se sentiu à vontade para conversar com uma estranha, mesmo sem saber seu nome e ao chegar mais perto ela finalmente me nota. Esperava que ela se assustasse, mas, ao me olhar noto surpreendentemente, que não há um pingo de surpresa em seu semblante, em seguida Zoya se vira e me olha com certo interesse e curiosidade.
"Boa noite" digo, dirigindo-me a Zoya.
"Boa noite, Damien" ela me responde e não fico surpreso por ela saber meu nome. Meu olhos se desviam para Lucy, observando enquanto uma lágrima cai traçando um caminho solitário em sua bochecha. Inconscientemente, estendo minha mão para enxugar a lágrima, e com meu toque, ela me olha com clareza como se só agora percebesse que estou ao seu lado.
"Posso ficar a sós com ela?" pergunto, terminando de enxugar as lágrimas do rosto de Lucy, dando a ela o meu melhor sorriso tentando transmitir que estou ali para ela, sem julgamentos, apenas com uma disposição silenciosa para oferecer o que puder. Ela fecha os olhos por um momento, como se estivesse tentando se acalmar. Quando os abre novamente, já não estão tão vazios quanto antes, mas ainda existe uma tristeza palpável em seu olhar.
"Lucy? Posso te deixar sozinha com ele?" pergunta Zoya, olhando de mim para a pequena humana com preocupação e curiosidades estampados em seu rosto. Não a culpo, eu faria o mesmo em seu lugar. Nós dois reparamos quando Lucy olhou para ela um pouco surpresa com sua óbvia preocupação com ela.
"Desculpe, sim, pode ir se deitar Zoya, estou bem com Damien, ele não vai me machucar." diz ela com a voz tão baixa que mal conseguimos escutar. Zoya olha novamente para nós dois balançando a cabeça positivamente, e com uma última olhada para Lucy, se vira e vai embora.
"Por que está aqui tão tarde pequena?" pergunto, minha voz carregada de preocupação, até mesmo para mim.
"Saí do centro médico e acabei me perdendo por ficar apreciando a paisagem." ela responde, a voz ainda baixa, mas um pouco mais firme. Mas será que é só por isso que ela estava chorando? Acredito que não. Ninguém ficaria tão abalado apenas por ter se perdido. No entanto, não vou forçá-la a falar mais do que ela está disposta. Aceno minimamente para que ela entenda que não vou forçar o assunto mas que sei que não é esse o motivo de sua distração.
"Entendi pequena, reparei que fez uma amiga, quer me contar sobre isso?" perguntei, ainda preocupado com sua reação a fêmea, mas para minha surpresa, Lucy abriu um pequeno sorriso e disse:
"Acho que fiz mesmo, uma amiga quero dizer" disse, ainda sorrindo e continuou: "Conversamos pouco, mas foi o suficiente para me tranquilizar de algumas questões que passamos no mesmo planeta, não foi fácil para nenhuma de nós sabe? E ela compreender e me contar como se sente me deixou aliviada de certa forma" concluiu, e ao levantar o rosto, vi em seu olhar o alívio que mencionou. Fiquei tão perdido admirando seu olhar que nem me dei conta que não a respondi e me apressei em dizer:
"Fico contente em saber disso Lucy, me preocupava ver a interação das outras fêmeas com você , mas estou contente em ver essa pequena conexão se formando" disse, quase atropelando as palavras, fiquei envergonhado com minha reação e percebi o brilho de diversão cruzando seu rosto. " Vamos, eu te acompanho até seu quarto" digo, decidindo levá-la de volta e começo a caminhar. Para minha surpresa, ela continua parada olhando para mim, e um momento depois, ela me segue. Quando percebo que ela está quase correndo para me acompanhar, diminuo meus passos para que ela consiga caminhar ao meu lado mais facilmente.
" Como foi seu dia com o senhor Bronson?" tento falar com ela novamente.
"Foi bom, conversamos sobre meu planeta natal, ele quis saber mais sobre os humanos e fiquei contente em ser útil" ela me diz. Ela parece mais à vontade agora falando sobre esse assunto, o que me faz acreditar que ela não gosta de falar sobre si mesma.
"Sente falta do seu planeta?" pergunto, mas creio que falei algo que não devia, pois ela fica quieta por um momento, os pensamentos longe e penso ter visto tristeza em seu olhar, mas passa rápido e eu penso que ela não vai responder. Mas então ela me olha com determinação e me pergunta:
"Você não sente falta do seu?" Como posso responder a isso? Eu posso voltar para o meu planeta quando quiser, mas ela nunca poderá voltar ao seu. Na verdade, não sinto falta do meu planeta. Quando estava lá, não via a hora de sair, e não tenho vontade de voltar. Mas um dia, talvez eu precise voltar. No entanto, não estou pronto para dizer isso em voz alta, muito menos para ela. Então, dou a resposta que dou a todos quando me perguntam:
"Não sinto falta, os seres de lá são muito chatos". Ela me dá um sorriso tímido, e pela primeira vez, é um sorriso verdadeiro. Não é um sorriso falso que ela sempre dá aos outros e eu quero que ela me dê mais desse sorriso.
Quando finalmente chegamos em frente à porta do seu quarto, percebo uma mudança em sua postura. Ela parece mais relaxada e mais falante do que antes. Ela me faz muitas perguntas sobre o meu planeta, e sinto uma alegria que nunca senti ao falar dele. É como se eu estivesse redescobrindo coisas boas sobre o meu próprio lar, coisas que talvez eu nunca tenha valorizado e o mais incrível é que ela parece gostar do que eu digo, pois me presenteia com um sorriso que ilumina o seu rosto. A curiosidade dela é contagiante, sempre querendo saber mais sobre mim e sobre o meu mundo, e eu adoro isso. Percebi que só tive esse tipo de conversa com ela e é tão fácil e natural com ela que é como se nos conhecêssemos há muito tempo. Quando chegamos ao alojamento, vamos direto para o quarto dela e a parte mais difícil foi dizer boa noite e quando ela entra é como se levasse consigo toda a luz que estava aqui fora. Sinto-me mergulhado na escuridão que sempre me acompanhou e eu não percebia até conhecê-la. No entanto, quando estou com ela, tudo ao nosso redor se ilumina, apenas pela sua presença e isso é tão certo para mim, que eu a desejo mais do que qualquer coisa, só para ter a sua luz para iluminar a escuridão em que vivo, mas tenho medo de que, com o meu egoísmo de querer estar sempre perto dela, eu acabe apagando essa luz com a minha escuridão.
Volto ao meu quarto ainda pensando nela e percebo o quão cansado estou, meu irmão ainda insiste em encontrar uma companheira adequada, mesmo que eu seja contra. Ao chegar vou direto para o banho, estou exausto demais e ainda tenho muito a fazer e assim que deito durmo antes que possa pensar muito sobre Cálix . Na manhã seguinte, me visto rapidamente ansioso para vê-la e assim que entro no refeitório a vejo lá, sentada à mesma mesa de sempre. A luz suave da manhã entra pelas janelas, dando um brilho delicado ao seu cabelo e quando nossos olhares se encontram, ela parecia tímida, quase envergonhada. Dou-lhe um sorriso enquanto me aproximo, tentando transmitir uma sensação de conforto e amizade.
"Bom dia" digo, com uma suavidade que espero ser reconfortante.
"Bom dia" ela responde, com um leve sorriso nos lábios. Ela levanta os olhos com o mesmo cumprimento educado de sempre, mas hoje há algo diferente em sua voz. Uma pequena faísca de intimidade que não estava lá antes. Isso me agrada mais do que deveria, e sinto um calor inesperado no peito. Sento-me ao lado dela, sentindo a proximidade de nossos corpos como uma nova forma de comunicação. O silêncio entre nós não é desconfortável, é cheio de promessas não ditas e de uma compreensão mútua que parece ter crescido da noite para o dia.
"Você dormiu bem?" pergunto, tentando manter a conversa leve.
"Sim, melhor do que nos outros dias" ela responde, e há uma sinceridade em seus olhos que me faz acreditar nela.
"Fico feliz em ouvir isso" digo, e realmente estou. Decido aproveitar essa nova intimidade e criar uma oportunidade para passarmos mais tempo juntos. "O que acha de darmos um passeio mais tarde, depois que você terminar suas tarefas aqui?" pergunto, tentando não soar muito ansioso. Ela parece surpresa com o convite, mas logo um sorriso tímido ilumina seu rosto.
"Eu adoraria" responde, e sinto uma onda de felicidade me invadir.
"Ótimo!" digo, talvez um pouco rápido demais. " Vou esperar por você na saída."
Ela acena com a cabeça, e por um momento, nossos olhos se encontram novamente. Sinto uma conexão se formar entre nós e antes que eu pense muito sobre isso me levanto para pegar meu café da manhã e não consigo conter o sorriso que se forma em meu rosto. A felicidade que sinto é palpável, como se eu tivesse ganhado o melhor presente de todos e a perspectiva de passar mais tempo com ela, de conhecê-la melhor, faz meu coração bater mais rápido. Antes de voltar, vejo Zoya com algumas fêmeas ao redor, mas percebo que ela olha pra Lucy, como se quisesse se aproximar mas não soubesse como, ao me ver indo em direção a Lucy a vejo relaxar visivelmente e me dar um leve aceno com o queixo e retribuo o gesto com um leve sorriso e quando me sento novamente, vejo Lucy terminando sua refeição com uma leveza que não estava lá antes e é como se, por um breve instante, a tristeza que a acompanhava tivesse sido afastada. Eu quero mais desses momentos, quero ser a razão desse brilho em seus olhos.
Ao terminarmos nosso café da manhã, me despeço e a deixo com seus afazeres. O dia passa dolorosamente devagar, mal consigo me concentrar e decido por fim sair mais cedo para vê-la e quando volto ela já está à minha espera, seus olhos brilhando de expectativa. Posso ver que, apesar da ansiedade, há uma genuína vontade de estar ali comigo. Aproximo-me com um sorriso, tentando transmitir a mesma alegria que sinto ao vê-la.
"Você chegou cedo" comento, notando sua antecipação. Ela sorri timidamente e responde:
"Estava ansiosa para o nosso passeio." diz com o rosto levemente corado. Caminhamos lado a lado, e percebo que ela está mais quieta do que na noite anterior, quando parecia uma fonte inesgotável de perguntas sobre mim e sobre o meu planeta. Hoje, no entanto, suas mãos se movem inquietas, como se estivesse nervosa. Tento encontrar uma maneira de tranquilizá-la, mas as palavras parecem fugir de mim.
"Está tudo bem?" pergunto, tentando quebrar o silêncio e aliviar sua tensão. Ela olha para mim rapidamente e depois desvia o olhar, como se não quisesse que eu percebesse sua preocupação.
"Sim, está tudo bem" responde, mas a hesitação em sua voz é evidente. Continuamos andando, e a cada passo, sinto a necessidade de tranquilizá-la cresce. Queria que soubesse que nunca a machucaria, que ela pode confiar em mim. Mas, por enquanto, deixo que o tempo e o ambiente façam seu trabalho. Finalmente, chegamos ao lugar que eu queria mostrar a ela. Seus olhos se arregalam de admiração ao ver o cenário à sua frente: um campo repleto de flores coloridas e um pequeno lago de água cristalina. Ela sorri para mim, um sorriso que ilumina todo o seu rosto, e caminha em direção ao lago, explorando o local com uma curiosidade infantil.
"É lindo aqui" ela diz, sua voz cheia de encanto. "Nunca vi nada assim."
— É meu lugar especial — explico, acompanhando seus passos. — Queria compartilhá-lo com você.
Ela se ajoelha ao lado do lago e coloca a mão na água, seus olhos brilhando com a sensação fresca e pura. Ela me olha novamente, e pela primeira vez, vejo uma felicidade genuína em seu rosto, sem traços de tristeza ou preocupação.
— A água é tão clara — comenta, ainda maravilhada. — Costuma nadar aqui?
— Sim, sempre que posso — respondo, sorrindo. — É um dos meus lugares favoritos quando quero relaxar.
Ela parece ponderar sobre a ideia, mas noto a hesitação em sua postura. Considero por um momento convidá-la para entrar na água, mas me preocupo com as implicações, ela teria que tirar as roupas ou entrar com elas, o que poderia ser perigoso se ela voltasse molhada e ficasse doente. Ela parece tão frágil, e a última coisa que quero é colocá-la em risco.
— E é um bom lugar para pensar também — contiuo, tentando manter o tom leve.
Ela sorri e concorda, sentando-se à beira do lago. O silêncio entre nós é confortável desta vez, cheio de uma nova compreensão e de uma conexão que parece crescer a cada momento. Sento ao seu lado e sinto que compartilhar este lugar com ela foi a decisão certa. Ao vê-la tão feliz, percebo que este lugar agora é ainda mais especial, porque não é mais só meu: é nosso.