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The End - A História de Lucy

🇧🇷sondmendanny
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Synopsis
Lucy é uma jovem que mora com os pais em uma cidade pequena do interior. Se vê prestes a mudar toda a sua vida por conta de uma viagem à trabalho de seus pais, e o destino de sua viagem à deixa intrigada depois de ler notícias sombrias. A despedida dos amigos e o clima misterioso de seu novo lar desperta em Lucy um lado investigativo e a leva a conhecer uma história perigosa e surreal no meio da floresta. Nessa aventura ela poderá descobrir um mundo completamente diferente de tudo que já viveu!
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Chapter 1 - A tal viagem!

Nasci em 13 de setembro numa tarde chuvosa com raios e trovões que, conforme meus pais costumam descrever, pareciam o anúncio de um furacão. Entretanto, o evento mais esperado do dia foi o meu nascimento, a terceira filha de um casal que depois de quatro anos casados e dois abortos conseguiram ver na tempestade um lindo rostinho rosado de bebê.

Essa era eu.

Meus primeiros minutos de vida não foram tão tranquilos assim, pois nasci roxa com falta de oxigênio, levada pelos médicos para outra sala de atendimento e retornando somente quando já era madrugada. Tempo suficiente para minha mãe elaborar muitas teorias do que poderia estar acontecendo, e cair no choro ao me reencontrar.

Cresci envolvida em amor e com um bom apoio familiar, afinal, em qualquer situação éramos nós três, eu, Raíssa — minha mãe, e Augusto — meu pai, contra todos. Vivíamos a rotina de uma casa com regras e momentos de descontração em que brincávamos para esquecer as dificuldades que surgiam em nossas vidas. Às vezes recebíamos a visita de meus tios paternos, e eu permanecia sendo o centro das atenções, como a única criança da família.

Minha vida permaneceu a mesma até meus seis anos, quando dois casais se mudaram para a rua de casa na mesma semana, ambos com filhos da mesma idade que eu. Acabaram se aproximando de meus pais, em conversas no parquinho que se tornaram jantares e churrascos durante a semana, do mesmo modo, seus filhos se tornaram meus melhores amigos.

Em um dia bem quente de verão, nossas famílias se estabeleceram de vez num laço de companheirismo sincero, tornando uma só. Eu dormia com meus amigos diariamente, revezando entre uma casa e outra. Era impossível ficar sozinha, nem era essa a minha intenção.

Foi assim que Andy e Eigue foram um dos pilares mais fortes de minha existência. Uma amizade construída com muitas aventuras fantasiosas que criávamos nas nossas brincadeiras de rua, e alguns segredos que perduram até os dias atuais.

A cidade onde cresci era ensolarada e quente o ano inteiro, com uma população com cerca de 800 moradores, quase toda composta por idosos e alguns jovens, o suficiente para uma única escola de ensino integral.

Toda a região da cidade era cercada por plantações de milho e uma mata fechada, repleta de lendas urbanas e histórias macabras sobre uma vila fantasma que ninguém tinha coragem de conhecer ou se aproximar, ainda que existisse curiosidade em comprovar a existência do local.

Dos habitantes da minha cidade natal, os que mais me importavam eram dez. Meu núcleo familiar, de coração e consanguíneo.

Os demais cidadãos eram interessantes, quase todos se conheciam entre si, e cuidavam muito bem da vida uns dos outros. Principalmente, Dona Nanci, uma idosa religiosa, que gostava de tricotar na porta de sua casa observando a pessoas que circulavam pela cidade, movendo os óculos com o dedo indicador da ponta de seu nariz a raiz de seus olhos, numa espécie de zoom. Enquanto colhia informações e depois compartilhava as novidades no grupo da igreja e quase toda a vizinhança conforme ia cruzando com um morador ou outro em seu caminhar diário pelo mercadinho, a farmácia, a pracinha, a feira e a porta da escola.

Dona Nanci era avó dos gêmeos Laurens, dois meninos um ano mais velhos que eu e Andy, por quem alimentamos sentimentos até se tornarem adolescentes insuportáveis, tomando conta da vida de todos na escola, assim como a avó deles fazia com os moradores da cidade. Eles patrulhavam os corredores da escola colhendo informações e compartilhando-as com alunos e funcionários.

De toda minha história, a parte que realmente mudou os rumos de minha vida foi quando próximo às férias de verão, antes do início do meu Ensino Médio, meus pais decidiram se mudar para outra cidade depois que receberam uma proposta de emprego irrecusável:

— Filha, convocamos essa reunião familiar para contar uma novidade — explicou minha mãe cruzando as mãos.

— Qual novidade? — indaguei animada.

— Você conta? — disse ela balançando a cabeça para a minha direção, ao falar em tom mais baixo com meu pai.

— Nós faremos uma viagem… — meu pai afirmou forçando um sorriso.

— Fale direito para ela — resmungou minha mãe, cutucando o braço dele.

— Iremos nos mudar no próximo mês — ele informou apressadamente fechando os punhos ao esticar os braços sob a mesa de jantar que estávamos sentados.

— Como assim nos mudar? Compraremos uma casa em outro bairro? — questionei refletindo o que ele poderia estar dizendo, e me negando a acreditar ser sério.

— O que seu pai está tentando dizer, é que ele recebeu uma oferta de emprego que nos beneficiará. Poderemos trabalhar juntos em uma mesma empresa. Por isso vamos nos mudar — ela esclareceu calmamente roçando a mão em meu braço.

— Não! — exclamei revoltada desviando-me de seu toque — Eu não quero me mudar, meus amigos moram aqui. Nossa família mora aqui! Como vocês podem fazer isso comigo? — esbravejei.

— Entendo você, também não estou achando fácil pensar em me mudar — meu pai comentou enquanto arrumava a toalha no centro da mesa de jantar.

— Então não vamos nos mudar. Esqueçam isso — o interrompi expondo meus pensamentos.

— Isso não acontecerá, a mudança já está decidida — minha mãe contrariou-me — Já compramos a casa nova e faremos a viagem em duas semanas para a nova cidade. Está decidido — completou levantando-se da mesa, para encerrar a conversa.

— Isso não é justo! — gritei arrastando a cadeira ao me levantar.

Subi correndo as escadas seguindo para o meu quarto, sem ouvir o que eles poderiam dizer para me convencer do contrário. Senti que minha opinião não teria valor algum depois da decisão tomada por eles.

Fora as horas mais demoradas de minha noite. Fiquei agachada na lateral de minha cama ao lado da janela, chorando desesperada.

A possibilidade de mudar de cidade e passar meus dias sem a presença de meus amigos, ou dos rostos familiares que me habituei a ver, me causaram revolta e muita tristeza. Eu não queria partir, nem deixar minhas alegrias para trás. Nem sequer queria mudar a decoração de meu quarto, pois era exatamente assim que me encantava, menos ainda me mudar para um local completamente diferente.

Foi assim que me aproximei do aniversário de 16 anos.

Ansiosa, revoltada e sentindo estar me aproximando de uma crise intensa e dolorosa.

Como nossa conversa aconteceu no início do final de semana, precisei recuperar minhas forças para encontrar Andy e Eigue, para explicar o que nem eu entendia.

Mesmo após conseguir organizar uma reunião de amigos e familiares, não pude reverter esse planejamento. Meus amigos ficaram de mãos atadas diante da teimosia de meus pais, cabendo-lhes apenas o papel de me consolar.

Assim os dias passaram, reduzindo meu prazo de partida para uma semana.

Período que me dediquei a entender qual seria o destino de nossa mudança. Investigando todas as informações possíveis sobre a cidade pela internet que, para minha surpresa, era repleta de histórias que a tornava um local presente em noticiários, por conta de alguns crimes noticiados que não se solucionaram e pararam de ser divulgados pelas mídias repentinamente.

Era também, cercada por uma mata densa, ainda mais densa que a que cerca nossa cidade atual, que a isolava de qualquer civilização. Uma cidade à beira de morros e florestas cujo acesso era uma rodovia e algumas trilhas pelas matas.

Tudo indicava que ali não era o meu lugar. Nem será depois da mudança.

Só me faziam concluir que o meu destino se direcionava para uma cidadezinha bastante inóspita.

Acabei percebendo que esse era um caminho sem volta, que não dependia de minhas escolhas, mas de meu bom senso em saber que ou, me adapto a viagem ou me mudo forçada pelos pais e arriscando ficar de castigo ao chegar.

Em nenhuma situação eu conseguiria ficar aqui, mas poderia sobreviver alguns anos e retornar quando ficasse maior de idade, podendo escolher morar com meus tios, ou mesmo, com os meus amigos. Seguindo nossos planos de infância.

Com a data de partida se aproximando, meus pais resolveram dar uma festa de despedida para todos os nossos vizinhos, incluindo Andy e Eigue, que foram convidados, principalmente, para ajudar a melhorar o meu humor.

Nesta festa todos se reuniram em minha casa.

Em meio a ansiedade da partida, meus pais se ocuparam com a decoração, que se tornou um atrativo especial. Ia desde velas pelas janelas a lâmpadas pela lareira, uma cortina com fotografias de viagens e alguns outros momentos vivenciados nestes anos que se passaram. Tudo com uma baixa iluminação para deixar o ambiente mais intimista de despedida pela casa toda.

Todos pareciam felizes, sorrindo e conversando, exceto eu, que me isolei na sala observando-os como uma telespectadora.

Era possível ouvir alguns sussurros e ver que todos se envolviam com o ambiente, olhando as fotos, comendo os petiscos e, alguns dançando ao som de Billie Jean.

Sem contar, é claro, os irmãos Laurens, que passaram a festa comemorando a minha partida, e tentando descobrir algum assunto para espalhar na escola no início da semana, provocando-me com brincadeiras de mal gosto. Depois de quase uma hora, descobriram a mesa de doces, sentando-se ao lado para se revezarem no rapto indiscreto de guloseimas.

Meus amigos permaneceram quase o tempo todo ao lado de meus pais, conversando sobre a decoração da festa e consolando-os em relação ao meu comportamento nada receptivo quanto a viagem.

Sentada no sofá, memorizei o máximo de detalhes para não me esquecer de nada nem ninguém até meu ansiado retorno.

Comecei por Andy, minha amiga de dezesseis anos, recém-completados. Uma jovem de estatura média, por volta de um metro e sessenta, com pele branca, cabelos loiros, e lindos olhos verdes, como minha mãe definia. Ela usava um vestido chiffon verde estampado e curto, com babados na saia e mangas longas.

Minha amiga parecia impaciente, balançando o pé direito o tempo todo, em momentos indicando para a bota preta em seu pé, em outros, gesticulando com a mão ao falar e corrigindo os óculos de haste fina dourada em seu rosto, ao sorrir.

Outro que decidi observar foi o Eigue, também com dezesseis anos, alguns meses mais velho, e muito mais imaturo que nós duas juntas. Um jovem moreno com um metro e oitenta de altura, e cabelo preto curto e liso.

Um típico adolescente vibe rocker, com sua camisa branca decote em V preferida, uma jaqueta preta de couro com algumas argolas na manga e no bolso com zíper do lado esquerdo, e calça jeans preta rasgada na altura do joelho.

Ele possuía uma característica que me agradava, seu olhar atento a tudo que acontece a sua volta. Brincávamos que ele seria um ótimo jornalista, se não preferisse ser jogador de futebol, como todos os garotos da escola.

Para variar, meu amigo tinha o habito de não deixar as pessoas falarem, interrompendo quase o tempo todo quando Andy falava, ou nas poucas vezes que eu conseguia me expressar com esses dois. Contudo, ele era um verdadeiro brincalhão, alguns momentos irritante, e sempre um ótimo amigo, leal e compreensivo.

Fui flagrada por ele observando as pessoas da festa:

— Lucy… Está tudo bem? — me questionou.

— Está tudo bem sim! — tentei parecer alegre — Todos na festa estão bem animados, não é?

— Seu pai que está cantando lá no corredor perto da cozinha! É muito engraçado você precisa ver! — disse com um sorriso empolgado.

— Consigo imaginar tudo o que ele deve estar fazendo — respondi revirando os olhos.

— Será que não dá para se alegrar um pouco, por mim e pela Andy? — ele disse, agora um pouco mais sério.

— Estou animada, muito feliz por toda essa despedida — disse olhando para ele, com um tom normal, mas na última palavra acabei deixando escapar uma voz tremula enquanto uma lágrima caia de meus olhos discretamente.

— Hei Lucy. Por que você está tão triste? Pensa que pode ir mentindo assim para mim? — ele indagou tentando secar o rastro da tal lágrima — Não me fale que é pela viagem!

Em resposta ao seu comentário, acenei com a cabeça confirmando sua suspeita. Eigue se levantou e ficou sério ao me olhar, como quem repudia o que ouve. Expliquei-lhe o que estava sentindo:

— Você acha que conseguirei viajar? Que será fácil? — falei segurando o choro, e gaguejando baixo insisti — Estarei sozinha desta vez, e isso nunca aconteceu antes. Não importa aonde será, mas todas às vezes que vivenciar algo, eu não irei contar para você ou para Andy, pois vocês não estarão lá comigo. Sentirei muita falta dos meus amigos.

— Lucy, fica calma. Sabe o Sol? — indagou com uma expressão de quem tem uma ideia surpreendente — Todo dia ele vai embora, se põe dando espaço para a noite surgir. Mas ele sempre volta, como se nunca houvesse saído. A nossa amizade é assim também, não importa aonde, quando, ou de que forma, nós continuaremos sendo amigos, e depois dessa viagem vamos nos reencontrar — completou piscando para mim.

— Eigue pare de mentir! — interrompeu Andy, que ficara o tempo todo ao nosso lado, observando a conversa — Ela já está triste e você ainda quer piorar o estado dela! Lucy nós não vamos nos separar, você vai se mudar para outra cidade, não para o cemitério! — disse ela sorrindo, em simultâneo, Eigue começou a gargalhar — Podemos ir te visitar assim que chegarem as férias escolares, ou você pode vir aqui nos ver — concluiu segurando minha mão.

— Creio que ela vá se mudar logo para um cemitério se continuar dramática desse jeito — disse Eigue em meio a gargalhadas — Esganaremos você com toda certeza.

Andy, mesmo sorrindo, bateu no braço de Eigue e o interrompeu:

— Se você não parar, eu digo aos pais de Lucy que você é o filho deles, trocado no hospital. Assim eles podem levar você no lugar dela, e não fará a menor falta! — ela resmungou ironizando.

— Gostei dessa ideia! — comentei sorrindo — Vamos contar agora?

Eigue ficou sério por alguns segundos, semicerrou os olhos e depois mandou um beijo no ar para a direção de Andy, voltando a sorrir.

Nos abraçamos por alguns minutos, somente nós três na cozinha de casa, para onde havíamos caminhado enquanto conversávamos. Tempo suficiente para aquele momento se registrar repleto de alegria e esperança em minha memória.

— Obrigada vocês são a minha vida… — não consegui completar minha frase, minha emoção veio forte, me fazendo chorar e desistir de prolongar essa despedida.

Meus amigos decidiram me retirar da festa, e pela porta dos fundos seguimos juntos caminhando pelo bairro, recordando de algumas histórias.

— Lembra daquela vez em que a Andy quebrou a perna escorregando na mureta daquela casa abandonada? — indagou meu amigo.

— Sim, e doeu muito! — ela resmungou.

— Mas foi divertido, quando pulei atrás de você e fiquei abaixada chamando minha mãe — comentei sorrindo.

— Mãe! — gritou Eigue.

— Mamãe! — gritou Andy gargalhando.

— Manhêêê! — gritei sorrindo também.

— E aquela vez que pulei de uma árvore com um guarda-chuva pensando que iria voar? — ele relembrou imitando segurar o objeto.

— Lembro do seu berro de choro quando devolveu o guarda-chuva todo retorcido, com medo da apanhar! — disse ela me cutucando no braço.

— E ainda colocou a culpa em mim! — exclamei cruzando os braços.

— Como se o braço todo ralado não entregasse quem aprontara — completou Andy sorrindo.

— E quando a Lucy se cortou pulando a cerca da fazendo dos meus tios, enrolhou o braço na camiseta e quando fomos dedurar ela para a mãe, não tinha mais nenhum arranhão — Eigue destacou arregalando os olhos ao observar o braço, imitando a reação que teve.

— Foi muito estranho — Andy afirmou segurando meu braço — Você raramente ficava machucada.

— Era mesmo — afirmei arcando os ombros — Cicatrização rápida — resmunguei sorrindo.

— E muita frescura também — ele disse mostrando a língua.

— Era cuidado — ironizei retribuindo a expressão dele — Você que era desajeitado demais e vivia machucado.

— Isso é verdade! — concordou Andy gargalhando.

Gradualmente foram surgindo algumas conversas, nos impedindo de notar o avançar das horas.

Quando, enfim, cheguei em casa, me despedi deles e segui para o meu quarto. Sentei-me diante da minha mala, ainda com a etiqueta da compra. Intocada.

Eu não havia nem me dado ao trabalho de separar as roupas para colocar nela.

Meu quarto era só silêncio, assim como o resto da casa. Pude notar lágrimas caírem de meus olhos, e se arrastarem pelo meu rosto até tocar o travesseiro, onde apoiei minha cabeça.

Imóvel, senti meu rosto esfriar com a umidade de meu travesseiro, e logo caí no sono.

Na manhã seguinte, Andy chegou muito cedo a minha casa, parecia estar muito animada, enquanto eu, ainda estava cansada pela longa noite anterior, sem pregar os olhos para dormir.

Minha mãe atendeu a porta e deixou-a entrar, resmungando algo. Do meu quarto pude ouvir as duas conversando. Pareciam fazer planos, mas me recusei a acordar, ignorando a presença de minha amiga.

Andy veio ao meu quarto após terminar a conversa. No caminho trombou com uma mesa do corredor, parecendo ainda não estar recuperada das bebidas da noite passada.

Quando bateu enfim em minha porta, virei-me para o lado oposto e afofei meu travesseiro com a cabeça. Entretanto, insistentemente, ela entrou em meu quarto:

— Lú, acorda… — disse enquanto abria minhas cortinas e a janela — Vamos logo, o Eigue já deve estar bravo de tanto esperar, temos muitas coisas para fazer hoje!

— Que coisas? — resmunguei meio sem interesse.

— Acorda logo! Vamos Lú! — continuou, ignorando a minha pergunta.

Ela seguiu em sua missão, agora, puxando minha coberta e fazendo cócegas em meus pés. Depois de, em vão, tentar resistir, cedi a sua insistência.

Levantei-me, inicialmente, me sentando na cama e, posteriormente, saindo desta contrariada.

Fui ao banheiro, com Andy logo atrás, me empurrando para a pia, e jogando água fria em meu rosto. Depois quando voltamos ao meu quarto minha amiga abriu meu guarda-roupa retirando uma regata branca e uma bermuda preta, indicando para me vestir, com uma jaqueta e um tênis.

Ao sair do quarto gritou:

— Cinco minutos Lucy, ou o Eigue vai entrar aí e te levar do jeito que você estiver!

Arrumei-me às pressas um pouco assustada com a possibilidade de ser lavada para a rua de pijama. Até notar estar deixando de arrumar meu cabelo.

Interrompi minha pressa e entrei no banheiro. Molhei mecha por mecha, penteei e prendi todas em uma trança lateral.

Quando estava quase acabando, notei uma pessoa de braços cruzados na porta, me olhando com um sorriso no rosto. Era o Eigue, fazendo exatamente o que minha amiga havia me avisado, e me dizendo que não era necessária tanta arrumação.

Mesmo assim, fingi não nota-lo e terminei de me cuidar.

Saímos de minha casa enquanto Andy nos aguardava muito ansiosa no portão, batendo os pés impacientemente. Meu pai estava agachado no jardim, regando algumas plantas e sorrindo com o comportamento dela. Despedi-me dele antes de seguir os passos de meus amigos.

Juntos partimos rumo a uma mata, aproximadamente meia hora de casa. Por onde caminhamos com calma em meio a brincadeiras pela estrada.

Passamos pela padaria, o mercadinho e a igreja no centro da cidade, e continuamos.

Em alguns minutos Eigue parava e dizia para voltarmos, tentando recuperar seu fôlego apoiando-se nos joelhos. Em outros, era Andy que nos interrompia ao teimar que estávamos indo pelo caminho errado, culpando Eigue por não ser um bom guia. Isso quando os dois não discutiam e paravam de conversar entre si por alguns minutos, mandando recados que eu deveria repetir.

Foi um exercício de paciência muito divertido, com mais alguns momentos para me recordar da força dessa amizade.

A caminhada que duraria meia hora, acabou durando mais de duas horas. Eles pareciam enrolar mais a cada briga e sempre me faziam rir.

Na verdade, todas as nossas conversas acabavam em risos.

Até que, enfim, chegamos a entrada da matinha onde havia uma estrada de terra bem discreta. Seguimos pelo caminho até nos aproximarmos de uma nascente cristalina que cortava a estrada ao meio.

Era o local da nossa primeira parada, conforme fui informada pela dupla de amigos.

Andy abriu a mochila que me fez carregar, retirando uma toalha quadriculada grande e estendendo-a no chão. Ao mesmo tempo, Eigue caminhou pela margem da nascente e nos trouxe algumas maçãs segurando-as pela camiseta.

Passamos a tarde toda ali.

Andy havia planejado os mínimos detalhes, levando água e comida em sua mochila, para nos alimentarmos repondo o desgaste da caminhada.

Em determinado momento, Eigue se levantou, seguiu em direção a nascente e entrou, jogando água em nós duas que estávamos próximas da margem. Andy, furiosa por se molhar, o seguiu e quase o afogou pendurando-se em seu pescoço, e pressionando-o para dentro da água.

Ambos pareciam se divertir muito, e quando me notaram gargalhando do lado de fora, investiram suas energias em me molhar.

Por fim entrei na água também:

— Vocês dois são loucos! — eu disse jogando água em suas direções.

— E você não consegue viver sem nós — afirmou Eigue sorrindo confiantemente.

— Não sabe mesmo! Sem nós dois, você ainda estaria dormindo na sua cama — concordou Andy jogando água também.

— Amo vocês. Sentirei muitas saudades quando for embora — completei com o mesmo entusiasmo que os dois demonstravam.

— Então temos que deixar ótimos momentos para você lembrar quando sentir saudades — disse Andy enquanto subia nas costas de Eigue.

— E também para você aproveitar cada minuto conosco — disse ele empurrando-a para a água.

— Vocês são mesmo os melhores amigos que uma pessoa pode encontrar! — eu disse tentando desequilibrar minha amiga, novamente nele, enquanto ele a empurrava para trás.

Quando saímos da água retornamos à toalha de piquenique e, por uma fração de segundos, percebi pelo canto do olho um movimento nas árvores.

Era um vulto muito rápido.

O suficiente para me deixar com a sensação de estar sendo vigiada. Disfarcei para não assustar meus amigos que sorteavam quem ficaria com a função de guardar toda a nossa bagunça.

Quando já estava começando a anoitecer, Eigue decidiu ser hora de seguir nosso dia de aventura com mais diversão, atravessando para a outra margem da nascente.

Caminhamos por mais algumas horas até chegarmos num campo aberto, onde montamos nossas barracas e deitamos. Estávamos tão cansados, ao ponto que, ao terminarmos de arrumar nossas barracas, nos deitamos e dormimos.

Foi uma noite onde meus sonhos variaram muito, cheguei e imaginar o que poderia acontecer no dia seguinte. O que minha mãe poderia estar pensando sobre esse dia inteiro fora? E como seria quando voltássemos para minha casa?

Contudo, nenhum dos meus pensamentos me deixava triste. Muito pelo contrário, senti vontade de me levantar e sair caminhando com meus amigos por muitos lugares, sem parar para nada, muito menos para a tal viagem com meus pais. Até que ruído na mata me surpreendeu, interrompendo meus pensamentos.

Abri a barraca pensando que veria meus amigos, mas encontrei dois olhos brilhantes alguns metros à frente.

Parecia encarar exatamente na minha direção, espreitando um novo movimento meu.

Peguei a lanterna que estava ao lado de minha perna e a ascendi. Tempo suficiente para os olhos brilhantes desaparecerem sem deixar rastros.

Fechei-me ali dentro agarrada a lanterna, e logo peguei no sono novamente. Acordei com Andy ao meu lado chamando meu nome e dizendo que precisávamos acordar e seguir nossa viagem. Assim o fiz, levantando-me enquanto Eigue desmontava as barracas.

Continuamos caminhando pela floresta por quase um dia inteiro. Somente quando começava a cair o sol pude notar de longe a cabana da avó de Andy, nos limites da cidade vizinha à nossa, onde eu havia prometido fugir com meus amigos no dia em que nos conhecemos.

Nesse instante parei.

Lembrei-me de tudo o que aconteceu no dia em que nos conhecemos e as promessas que fizemos juntos.

Foram as recordações alegres e inocentes que, há muito tempo não me recordava. Sem reação permaneci imóvel por uns cinco minutos.

Tudo a minha volta parecia girar em torno de meu passado.

Meus amigos pararam ao meu lado. Respiraram fundo segurando minha mão. Pareciam reviver a mesma nostalgia que eu, com os olhos marejados e um forte aperto de mãos.

Juntos, nós seguimos com a caminhada rumo à cidade.

Chegamos ao local onde a avó de Andy morava, guiados por minha amiga até entrarmos na residência, quando ela indicou o quarto em que ficaríamos. Eigue estava faminto, e caminhou direto para a cozinha à procura de comida. Estávamos sozinhos ali.

Decidimos juntar dois colchões na sala para dormirmos unidos num mesmo ambiente, e por sorteio definimos onde cada um dormiria. Restou-me ficar no meio dos dois, bem na divisão das camas.

Passaram-se três dias naquele local, conversando e brincando uns com os outros.

O tempo todo algo acontecia desde muito cedo quando acordávamos, até a meia-noite, quando estávamos jogando ou terminado de ver um filme, e depois íamos dormir.

Andy me ensinou muitas coisas que eu podia concretizar na viagem, algumas delas envolviam uma nova amizade para conversar na ausência dela. Ela também teimou que eu precisava arrumar minhas malas, descrevendo todas as roupas que eu deveria colocar nela, e os melhores livros que eu poderia ler.

Eigue me passou seu livro de receita de doces, e sua receita secreta de lasanha. Ele também insistiu que eu precisava fazer novos amigos para aproveitar meus dias longe deles.

Nossos dias passaram rápido. Pouco à pouco me aproximando da viagem.

Voltamos para minha casa pelo mesmo caminho, mas desta vez permanecemos quietos, chegando muito mais rápido.

Antes de entrar, Andy disse:

— Tem uma coisa que nós prometeremos um para o outro — comentou mais baixo, segurando nossas mãos num círculo — Nenhum de nós vai se afastar! O que quer que aconteça, vai nos manter ainda mais unidos. Prometam!

— Eu prometo! — disse Eigue apertando nossas mãos e fechando os olhos.

— Eu prometo! — afirmei repetindo os gestos dele.

— Eu prometo! — ela finalizou movendo nossas mãos para cima e para baixo, antes de se soltar rompendo a corrente.

Comprometemo-nos a conversar diariamente por e-mail, ou em qualquer outra forma de comunicação, impedindo que se passasse uma semana sem sabermos notícias uns dos outros.

Ao entrar em casa contei aos meus pais como foram nossos dias de aventuras, destacando como foi difícil entender que esse seria nosso último momento, juntos.

Eles pareciam empolgados a cada novo comentário meu, ansiando por compartilhar uma notícia na hora mais oportuna:

— Lucy, nós pensamos melhor e… — disse minha mãe Raíssa.

— Não vamos mais viajar? — interrompi abrindo um largo sorriso.

— Vamos sim, filha! — ela completou franzindo a testa — Mas decidimos ficar na cidade por mais uma semana. Assim você poderá se despedir com mais calma, agora que está aceitando melhor a viagem.

— Não queremos que você fique triste, e seus amigos têm ajudado bastante — meu pai ponderou condolente.

— Nós entendemos o quanto eles são importantes — disse minha mãe, abraçando-me — E vão poder nos visitar quando quiserem. Mas a viagem vai acontecer em uma semana.

— Tudo bem, já consegui entender essa parte — afirmei forçando um sorriso.

Abri a mala no meu quarto e arremessei algumas peças de roupa, caindo de joelhos pouco antes de começar a chorar.

Dessa vez me conformei com mais facilidade, deixando a bagunça no chão para me deitar na cama e dormir.

Nesses dias que se passaram, Andy e Eigue começaram a se afastar, o que funcionou como um aquecimento para a mudança. Não nos observávamos o dia todo, somente algumas horas durante à noite, que eram as mais divertidas dos meus dias.

O mais especial foi o meu último dia antes da viagem, quando fizemos novamente uma festa. Esta um pouco mais simples.

Na verdade, somente um jantar com meus pais, meus melhores amigos e seus pais. Passei a maior parte do tempo sem prestar a atenção em nada, e no meio da noite fui ao meu quarto montar minhas malas ao lado de Andy, que dobrou as peças enquanto eu as organizava para caberem ali.

Dessa vez não chorei. Fiquei confiante que seria uma pequena fase da minha vida longe de meus amigos, mas logo poderei retornar.

Na mesma noite entramos no carro e seguimos com a nossa partida.

Pela janela do veículo vi o pequeno grupo se afastar acenando e esticando-se na ponta do pé, até desaparecer de vez.