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Chapter 3 - Escola Gullort

O trajeto foi longo, durando quase dez horas de carro, a uma velocidade considerável. Acompanhei parte do caminho entre uma soneca e outra, percebendo que atravessávamos algumas cidades através de uma rodovia apertada e perigosa.

Depois de algum tempo, meus pais se revezaram na direção e, mais acordada, comecei a ver a planície rodeada de montanhas se aproximando. Tudo foi se tornando um cenário florestal.

As árvores eram enormes e cercavam toda a estrada pela qual percorríamos. Parecia nos engolir, cercando do chão ao céu. Lentamente, fui identificando os contornos de uma cidade. Um pontinho de claridade que foi crescendo e ganhando a forma de casas. Quase no formato de um medalhão.

Agora a claridade era mais real, ocupando boa parte da minha visão de dentro do carro. Se parecia mesmo com uma cidade.

Minha nova casa próxima a um café, um supermercado, e a praça da cidade. Para acessá-la passamos por uma escola antiga, o único modo de entrar na cidade. Uma estrada estreita que destrinchava da escola para as ruelas das casas.

Os bairros eram pequenos aglomerados de oito casas enfileiradas, que tinham destino direto para a escola e a praça central. Meu bairro era pouco habitado, ao que tudo indica o menos populoso da cidade.

Conforme nosso carro se locomovia lentamente pela rua, as poucas pessoas que caminhavam estavam de cabeça baixa, e quando se deparavam com o veículo, olhavam desconfiadas acompanhando nosso trajeto. Sendo assim, foi possível identificar que a nossa chegada foi percebida pelos vizinhos, e que estes ou saíam na porta de suas casas para nos encarar, ou olhavam pela janela por meio das cortinas, tentando perecer imperceptíveis.

Concluí que não sentiria falta de Dona Nanci, afinal, acabara de me mudar para uma cidade de pessoas como ela.

O carro parou e fui a primeira a descer. Minha curiosidade por saber onde morarei falou mais alto. Meus pais pegaram as malas e me entregaram as chaves da casa, enquanto me posicionei diante da porta apertando as mãos, bastante ansiosa.

Pude de imediato notar que a casa tinha uma fachada amarela, janelas largas com cortinas claras, era espaçosa.

Abri a porta de entrada e caminhei bem devagar.

Entramos direto na sala. Um ambiente com paredes brancas e desenhos bem engraçados de flores roxas, com sofás brancos e uma poltrona marrom na janela. Também notei um rádio e uma televisão em uma raque marrom escura, e alguns porta-retratos vazios espalhados pelo mesmo móvel.

A cozinha era de tom azul-claro com uma faixa bem discreta de peixinhos na parede. Uma de suas paredes era composta por armários embutidos de ponta a ponta, e logo a sua frente estava a mesa de jantar redonda com três cadeiras. No lado oposto estava o fogão, a geladeira e a pia com um pequeno armário embaixo.

Caminhei mais afrente e me deparei com um corredor que separava meu quarto do de meus pais e o banheiro.

Meu quarto era de paredes roxas, relativamente, espaçoso. Nele havia uma cama de solteiro, com concha de retalhos, em paralelo com a janela. Em frente a esta, existia um guarda-roupa branco e uma escrivaninha logo ao lado. Ao lado da porta tinha uma prateleira com alguns porta-retratos, assim como os que estavam na sala, sem imagem alguma.

Retornei minha observação, agora no quarto de meus pais. Cômodo que não consegui observar inteiro, já que o casal estava organizando a mudança e me chamando para ajudar. Só notei ser inteiro branco e com cortinas longas na janela, também mobiliado com uma cama de casal e um guarda-roupa bem largo.

No retorno para a sala percebi o banheiro. Pareceu-me ser esse a única parte da casa que me recordara meu antigo lar, pois havia uma claraboia espaçosa bem ao centro do cômodo.

Exatamente o local que mais me atentei.

Passei os minutos seguintes ali, sem sequer notar o movimento de meus pais à minha volta, enquanto desembarcavam nossas malas e objetos pessoais. Nosso dia se encerrou com uma rápida alimentação, elaborada com o que fora encontrado nas caixas da cozinha. Enfim uma noite de descanso.

No dia seguinte eu e minha mãe fomos a única escola da cidade, numa caminhada que durou quase trinta minutos, conversando sobre a minha matrícula e as minhas expectativas em relação ao Ensino Médio.

Ao entrar questionamos a um homem no portão aonde era a secretaria acadêmica, e em meio a grunhidos ele indicou um corredor, seguindo sua caminhada pela mesma direção que a nossa, mas a passos mais apressados e impacientes.

Ele parecia se equilibrar entre uma perna e outra, mancando pesado com a coluna endurecida. Nós o seguimos apressadamente para acompanhá-lo, nos encarando discretamente em reação ao seu comportamento.

A secretaria da escola estava vazia. Não havia sinal da presença de qualquer funcionário além do senhor que nos acompanhou. Ele resmungou novamente mais algumas coisas antes de sair voltando para o portão de entrada.

Permanecemos no espaço por cerca de dez minutos, até que uma mulher rechonchuda com um coque prendendo seus cabelos castanhos de raízes grisalhas, parou diante de nós, e com uma voz sonolenta anasalada indagou:

— O que desejam?

— Gostaria de fazer a matrícula da minha filha, para ela poder estudar aqui — minha mãe respondeu com calma.

— Chamarei o Diretor, aguardem um minuto — ela disse com certa empolgação girando a caneta em sua mão.

Durante o tempo que ela esteve fora, comecei a me sentir ansiosa, acompanhando as batidas do relógio em cima da mesa. Depois fui percebendo que esse sentimento era resultado das ações de minha mãe, que ficara inquieta batendo os pés no chão, em simultâneo que movia os joelhos impacientemente, com os olhos fixos na porta pela qual passou a secretária.

Essa foi interrompida quando a mulher retornou com uma pasta na mão, e sorrindo disse:

— As duas podem entrar. O Diretor Sparks aguarda por vocês!

Caminhamos pelo lugar e passamos pela porta.

Na sala, em frente a uma mesa larga, estava o Diretor que nos recebeu sorrindo. Ele parecia nos conhecer há muito tempo, e nos surpreendeu quando entregou à minha mãe uma pasta parda com várias folhas preenchidas.

Página por página continham nossos dados, os locais por onde havíamos passado, meus históricos escolares, declarações de nossos vizinhos e as cartas de recomendação dos antigos chefes de meus pais. Ficamos ambas sem reação diante do que lemos.

Ele explicou ter tido notícias de nossas mudanças há algumas semanas, quando começaram a mobiliar nossa casa e, por conta disso, agiu conforme as políticas da escola.

Descobrimos ser de hábito da cidade e da instituição, saber sobre seus moradores novos, e que por conta da localização da cidade, esta seria a única escola em que eu poderia me matricular, logo o acervo de informações era necessário. E fora elaborado às pressas.

Mesmo surpresa minha mãe concordou com o que estava escrito e assinou os documentos de minha matrícula, perguntando sobre os horários das aulas e quando seria meu primeiro dia de estudos.

Por fim, o Diretor me questionou se eu queria conhecer a escola. De imediato me recusei, afirmando que haveriam outras oportunidades para tal situação, pois estava procurando maneiras de entender como alguém acharia normal ter um relatório de sua vida pronto para a realização de uma matrícula escolar, e queria me afastar daquele ambiente o mais rápido possível, sem demonstrar minhas preocupações.

Minha mãe percebeu que algo me incomodava, agradecendo ao Diretor pela recepção e me conduzindo para fora. Juntas comentamos sobre o que ocorrera até chegar em nossa casa:

— O que você achou do documento? — indagou minha mãe, num cochicho.

— Eu estava pensando que só eu havia estranhado isso. Como podem saber tanto da nossa vida? — resmunguei também.

— Mal nos mudamos e já sabem tudo… — ela comentou — Imagino que não terei dificuldades em fazer amigos, já me conhecem melhor que eu mesma! — ironizou sorrindo.

— Isso é fato — afirmei sorrindo — Se eu não tiver que ficar me apresentando será ótimo também.

— Eles devem saber até a decoração da nossa casa — ela disse baixinho, enquanto acenava para a secretaria da escola — Comprarei móveis novos para desembarcar algumas caixas na porta de casa e deixa-los curiosos… Quanto tempo você acha que alguns dos nossos vizinhos vão esperar para se convidarem a um café em nossa casa? — me cutucou sorrindo.

— Se forem como Dona Nanci, não vão se convidar — ponderei imaginando sua afirmação — Pois já vão conhecer o entregador e saber o que está nas caixas.

— Verdade, nem terá graça então — ela concordou animada — Melhor permanecermos como a família previsível.

— Sim! — concluí revirando os olhos — Continuaremos nos comentários da cidade por algumas semanas, depois procuramos uma maneira de causar.

— Boa ideia filha! Uma geniazinha como a mamãe — me elogiou apertando minha bochecha e abrindo o portão da entrada de nossa casa.

— Vou contar ao papai todos os detalhes! — exclamei entrando.

— A parte do porteiro carismático pode deixar que eu conto! — ela concordou gargalhando.

— A parte da secretária e do dossiê à meu respeito, eu conto — acrescentei abrindo a porta da sala.

— Combinado! — ela disse ao entrar caminhando para a cozinha.

Passamos o dia desempacotando as caixas que faltavam de nossa viagem. Embalagens com objetos da cozinha e da sala, que pareciam não terminar mais.

Quando anoiteceu dormi na cama desarrumada, já que estava muito cansada.

Sem me preocupar com a minha parte da mudança que ainda se encontrava nas caixas ao lado da porta de entrada para o cômodo.

Assim que outro dia amanheceu, fui encarregada de fazer as compras para preparar o jantar, seguindo a um supermercado com a lista na mão.

Ao caminhar pelas prateleiras de alimentos me percebi observando uma jovem loira de cabelos lisos que andava saltitante pelos corredores, cantarolando uma música que tocava em seu fone de ouvido. Ela estava distraída, movendo alguns produtos de uma prateleira para outra, sem colocar nada na cesta que carregava em seu braço.

Percebi, também, que eu era a outra pessoa observada ali, afinal, todos os moradores que estavam fazendo compras, pareciam acompanhar meus movimentos, se esforçando para identificar os produtos que eu pegava ou caminhando pelos mesmos corredores que eu, acompanhando meus passos lentamente.

Saí do local com algumas sacolas na mão, e bastante irritada.

No caminho de volta encontrei uma lan house, me recordando da promessa que havia feito de me comunicar com meus amigos diariamente. Decidida a matar minhas saudades, entrei e enviei alguns e-mails contando sobre a viagem e as novidades da cidade inóspita para qual me mudei, relatando sobre o dia de minha matrícula e o estranho comportamento dos moradores nos perseguindo pelas ruelas da cidade.

Os dias que se seguiram foram monótonos e entediantes.

Passaram desanimadamente, mal dando ânimo para desfazer minhas malas ou desempacotar os objetos de uso cotidiano. As caixas permaneceram empilhadas em frente a minha cama até o final de semana, quando percebi ser chegada a hora de aceitar a mudança de uma vez por toda.

Nos reunidos para o jantar e, conversando sobre a mudança, deixei minhas inseguranças quanto a cidade e a viagem transparecerem:

— Imagino que para você deva estar sendo muito difícil filha — meu pai ponderou esticando a mão sob a minha.

— Estou tentando me adaptar — confessei com a cabeça baixa.

— Hoje você começou a arrumar suas caixas da mudança, suponho que está aceitando melhor — minha mãe concluiu sorrindo ao garfar o alimento em seu prato.

— Em alguns dias poderá conhecer os jovens dessa cidade — ele disse animado.

— Vou começar meus estudos na escola que parece um cemitério — ironizei sorrindo, enquanto movia os alimentos de meu prato.

— Quer que eu faça uma estaca customizada para decorar aquele jardim? — minha mãe resmungou balançando a cabeça.

— Melhor não. Vai que aquilo é alguma espécie de maldição! — continuei apoiando a cabeça nas mãos.

— Você vai se adaptar — meu pai respondeu sorrindo — E logo terá mais alguns amigos para conversar.

— Já pensou quando trouxer Andy e Eigue para um jantar e eles conhecerem mais alguns amigos daqui? — minha mãe imaginou — Vão ficar enciumados, e depois vão sair contando segredos uns por outros como faziam em nossa antiga casa — afirmou olhando para meu pai.

— Vão mesmo — ele concordou sorrindo.

— Vamos ver! — conclui respirando fundo.

Durante o jantar pude, pela primeira vez, entender meus pais, e sentir que eles me compreendiam. Foi como se a nossa sintonia voltasse a existir, como se não houvesse sido abalada com essa mudança.

Agora, aqui era meu lar, e eu precisava agir de acordo, mais receptiva às novidades que a vida poderia me trazer.

Foi uma noite muito gratificante. Por conta disso, acabei dormindo assim que apoiei minha cabeça no travesseiro.

Meu primeiro dia de aula chegou e, num lapso de memória, acabei me esquecendo.

Ao despertar caminhei em direção ao banheiro, onde tomei banho demorado, me arrumei com o moletom que eu estava habituada a colocar e, posteriormente, segui em direção a cozinha para tomar meu café da manhã.

Somente quando estava lá e me deparei com meus pais sentados me observando empolgados, consegui lembrar que esse era o dia em questão.

Apressadamente, me troquei novamente, agora escolhendo algo que combinasse com o uniforme. Juntei meu material e caminhei a pé até a escola. Despedindo-me deles com um sorriso forçado nos lábios, que desapareceu assim que ultrapassei a porta de saída.

No percurso comecei a observar a escola, dando-lhe a oportunidade de me agradar.

Era uma construção com um portão antigo e enferrujado, em conformidade com a fachada de estética do ano de 1.800. Conforme me aproximei, consegui identificar o nome "Escola Gullort" esculpido no muro de entrada.

O jardim de entrada era um tanto atraente, com um gramado verde chamativo, num tom bem atraente que, seria agradável, se não existissem várias estacas de madeira pontudas espalhadas pelo espaço, compondo um cenário amedrontador de tal modo que chegavam a me dar arrepios. Parecia um cemitério.

Chego a ter a sensação que todas às vezes que caminhar por essa entrada vou me deparar com essa conclusão. Estar diante de um assombroso cemitério.

Ao entrar na escola, passei por um corredor bastante colorido e largo, percurso diferente do que fiz com minha mãe no dia de minha matrícula. Que me fez considerar a possibilidade de a construção ser feia por fora e bonita por dentro, mas não durou muito tempo.

Desta vez havia mais o que se ver, era um espaço amplo e com muitas portas, todas pretas, com exceção as dos banheiros que eram vermelhas.

Em uma das paredes do corredor, pelo qual eu caminhava, havia um painel largo que ocupava quase que a extensão da parede por inteiro. Nele continha alguns nomes recortados e fotografias de muitos jovens, alunos da escola, acompanhados de manchetes de jornal. Isso me lembrou da teoria sobre o cemitério, pois era muito mórbido.

A maioria das notícias era de páginas policiais com textos como:

 

"Um ônibus escolar é encontrado na mata com 19 corpos de estudantes, todos secos, parecem estar sem nenhum líquido no organismo"

"Foram encontrados na estrada de terra da divisa da cidade os trigêmeos Sparks, dois deles parecem bastante desidratados e o terceiro estava em estado de choque"

"Mulher é encontrada na estrada de terra da mata densa, seus dois irmãos mortos pareciam estar desidratados"

"Dois viajantes foram encontrados próximos à nascente, aparentemente, morreram desidratados. A esposa de um deles conseguiu sobreviver, mesmo que debilitada".

 

Existiam muitas outras notícias pelo grande mural, mas essas foram as que me chamaram atenção. Eram as que estavam no meu alcance visual, umas mais envelhecidas e outras de semanas atrás.

Todas as mortes pareciam ser do mesmo modo, algo que se assemelhava a desidratação. Como se os corpos fossem encontrados sem fluido algum.

Isso me intrigou, afinal o que notei nesses dias em que me mudei, foi que a cidade possui muitos dias nublados e poucos dias de Sol, tendo um clima frio e sombrio, além, é claro, de ser cercado por uma mata densa e inóspita.

As notícias se mostraram muito violentas e seus casos eram todos relatados como sem solução ou suspeitos, datados desde 1808, mesmo ano da inauguração da escola. Sem contar que a escola parecia um cemitério.

Foi fácil concluir que eu vivenciava na pele o cenário de um filme de terror.

Outra curiosidade que me cercou foi o nome de uma das vítimas que sobreviveram, na verdade, o sobrenome "Sparks". Coincidentemente o mesmo do Diretor que nos recebeu no dia da minha matrícula. Atentei-me a esta notícia e pela fotografia do jovem encontrado pude concluir serem a mesma pessoa. O que me deixou surpresa, mas achei melhor continuar a caminhar pela escola enquanto refletia sobre tal mistério.

Assim que o sino tocou, uma voz se reportou nos microfones espalhados pela escola, convocando os alunos para uma pequena recepção de Boas-vindas.

Foi nessa hora que descobri algo sobre o Diretor.

Seu poder fascinante de falar por mais de uma hora, fazendo com que todos prestem atenção somente no seu "Bom dia!", quando iniciou o discurso, e no "Sejam bem-vindos e tenham um ótimo ano", quando o encerrou.

Durante esse primeiro dia de aula, consegui identificar que os alunos pareciam temer ou ter receio de algo, escondendo-se uns dos outros. Eles mal se olhavam, e quando o faziam era por uma fração de segundos. Tanto que, quando fui observada, os alunos se mostravam ariscos, acompanhando meus passos com olhos estreitos, às vezes pelo canto do olho.

Desconfio que a onda de assassinatos envolvendo alunos seja o menor dos problemas por aqui, mas o afastamento entre todos, trouxe indícios de algo mais rondar essa cidade. Para além dos muros desta escola.

Foi um dia bem silencioso e frio. Exceto um momento, em que ao caminhar pelos corredores, fui cercada por alguns garotos, que me intimidaram com questionamentos sobre minha mudança e as razões que me trouxeram à cidade, o que me deixou acuada. Pareciam ser amigos e praticar alguma atividade física, a considerar suas roupas e porte físico.

Essa situação desconfortável perdurou até um garoto, de olhos azuis intensos, se aproximar.

Um jovem alto e magro, com um peitoral definido naturalmente. Poderia dizer ser membro do tal grupo esportivo, talvez o líder deles. Ele tinha a pele branca e cabelo castanho-claro, usando uma mochila marrom com manchas de tinta. Sua voz era grossa e intimidadora quando interrompeu os outros, que falavam algo que não consegui me atentar, até ele se posicionar entre mim e o grupo.

Passei certo tempo presa em seu olhar, que me pareceu bastante familiar.

Ele era incrivelmente atraente, como se puxasse meu fôlego sem nem precisar se aproximar muito. Os ruídos das vozes deles foi desaparecendo em um zunido, enquanto eu permanecia vidrada em sua presença diante dos meus olhos.

Consegui recobrar meus sentidos quando ele se afastou, empurrando alguns amigos pelo ombro.

Sem olhar para trás.

Notei ainda, que todos na escola o chamavam Luís e, pareciam o respeitar.

Outra descoberta foi a presença de três irmãs populares na escola. Uma delas a namorada de Luís, Suelly.

O trio não parecia gostar de nenhum dos alunos da escola. Caminhavam pelos corredores exibidamente, sem se atentar à ninguém, parecendo participar de um desfile que as entediasse.

O que era dito pelos alunos durante as trocas de aulas, eram queixas e fofocas de todos os tipos, sempre envolvendo o nome delas. Relatando o que elas diziam ou faziam, ou pretendiam fazer. Sempre em torno dessas três.

Suelly era uma jovem loira de olhos verdes, com um sorriso irônico e um visual detalhista. Suas roupas eram chamativas com cores chamativas, combinando das joias aos sapatos. Ela seguia acompanhada de suas irmãs, Rita, com cabelo avermelhado e cacheado, suas roupas eram formais — calça social e camisa polo — e um olhar mais sério, menos amigável. Por fim Bel, uma jovem morena de cabelos na altura do ombro, olhos claros e um visual gótico, quase uma patricinha de preto.

As três juntas passavam a sensação de intimidação, contudo era algo forçado, andavam como se fossem donas da escola e de todos ali dentro. Resmungando quando incomodadas e afrontando qualquer um que cruzasse seus caminhos.

Sobre as aulas, posso relatar que a mais divertida foi a de filosofia. Quando revi Emilly, a jovem loira que encontrei no supermercado dias atrás. Desta vez fomos apresentadas formalmente, assim pude saber que ela era outra novata na escola. E apresentava um comportamento um tanto sem noção, também, na sala de aula, pois ela enrolou uma tira da folha de seu caderno e, ironizando o conteúdo da disciplina, simulou estar fumando. Além de repetir algumas falas do professor, com a foz mais grossa e lenta, divertindo-se com a turma.

Ela me lembrou da personalidade de minha amiga Andy.

Ao conversarmos descobri que, como eu, ela acabara de se mudar. Antes morava em uma cidade bem próxima dali, mas nunca havia ouvido notícias sobre esta cidade. Revelou-me, também, que não chegou a ter amigos de infância, e perdera seus pais aos seis anos, desde então morava com o avô materno, seu único parente vivo.

Assim que ele faleceu ela juntou suas economias e mudou-se para evitar um lar de acolhimento, pois faltavam poucos meses para completar dezoito anos. Acrescentou ainda, que chegou a ficar dois anos fora da escola por iniciativa de sua mãe, que considerava importante apresentar o mundo antes dos estudos.

Envolvi-me com sua história, e fiz desse momento o início de nossa amizade, afinal, assim como ela, estou em uma cidade nova e sem amigo algum por perto.

Por sinal, fui obrigada a me apresentar aos alunos da escola, em quase todas as aulas, meus professores chamavam meu nome inteiro e me faziam levantar no início de cada aula para repetir o nome e narrar rapidamente minhas experiências escolares. Quase todos tinham um bilhete com o resumo dessas experiências, provavelmente, retirado do dossiê à meu respeito.

Nenhum conteúdo foi iniciado, pois, os professores se ocuparam de explicar as mesmas regras: nossos horários, os locais que deveríamos procurar para questões burocráticas ou de necessidades pessoais e acadêmicas, e os telefones que deveríamos ter em mãos. Que, à pedido do prefeito, era um procedimento obrigatório em qualquer instituição ou estabelecimento comercial.

No intervalo, caminhei por quase toda a escola. Conheci melhor a diretoria.

Aparentemente, um local com um ar frio e calculista, presente desde as grades que fechavam os fundos da escola, até o modo como os funcionários se tratavam, com suspeita e pouca conversa. Grades como as de uma cadeia, enferrujadas e com grandes cadeados.

Seguindo pela lateral da secretaria encontrei um jardim que não era possível de acessar por ser cercado de mais grades em metade de sua extensão. A outra metade tinha contato com uma mata fechada de árvores altas e bem próximas umas das outras.

No jardim havia três fontes, duas mais próximas ao portão que fiquei parada, e uma última quebrada, logo ao fundo, mais próxima da floresta.

Aliás, a escola toda se encontrava em meio a uma floresta com uma única saída para cidade, todas as outras direções davam em uma das estradas para mata. Pelo que notei era no formato de um círculo perfeito.

Poucos alunos se aproximavam das saídas, a maioria permanecia no pátio ou nas salas. Pelos boatos que ouvi, alguns dos desaparecimentos ocorreram na entrada da escola, durante o entardecer. Por isso, também, nenhum aluno quis estudar à noite, por insegurança. O horário das aulas era até às 15 horas, para dar tempo de todos retornarem às suas casas antes de anoitecer.

Por sinal, o medo que rondava a cidade era tamanho que todos se recolhiam a partir das 20 horas, quando começava a anoitecer. Isso começou a me ajudar a entender a razão por trás desse clima de desconfiança que os moradores demonstravam desde minha chegada.

As ondas de crime e a falta de comunicação entre as pessoas gerou na cidade um clima de preocupação, acompanhado da necessidade de proteção que fez com que encontrassem, por conta própria, uma forma de se preservarem.

Diante de todas as novidades, não muito boas, retornei para casa logo após a aula, e ao chegar, notei que não havia ninguém me esperando. Decidi terminar de desfazer minhas malas e organizar meu quarto, permanecendo nesta atividade por horas, até cair o anoitecer, quando terminei.

Caminhei até o banheiro, para retirar a canseira do dia com um banho quente, e retornei ao meu quarto, onde deitei em minha cama.

Olhando para o céu estrelado e acabei pegando no sono.

Acordei pouco antes do nascer do Sol e, de imediato, comecei a me arrumar. Ao sair do quarto me deparei com meus pais já prontos para trabalhar, caminhando em direção à saída de casa. Apressadamente os beijei.

Segui em direção à cozinha onde me alimentei e, como no dia anterior, andei até a escola atravessando a praça central e alguns comércios locais.

Na escola, refiz minhas observações mais atentamente.

Olhei o mural, entrei em minha sala, revi os alunos e os professores. Tudo parecia se repetir do mesmo jeito que o dia anterior. Com uma exceção.

Na aula de matemática fui obrigada a formar dupla com Suelly, que parecia não entender nada do que era para fazer. Deixou-me concluir a maior parte dos cálculos sozinha, enquanto se ocupava de falar sobre si. Ela se exibia para todos na sala, falava de roupas, sua agenda, os amigos de seu pai, e mesmo assim, sem fazer nada, todos os alunos a tratavam como alguém importante, perguntando sua opinião para tudo, inclusive o exercício que ela não se dava ao trabalho de fazer.

Após tagarelar por um tempo, Suelly notou que eu não lhe dava muito importância e começou a me fazer perguntas:

— Então você se mudou faz pouco tempo? — indagou em tom de ironia.

— Sim! — respondi olhando para meu caderno.

— Por quê? — disse enquanto cruzava os braços.

— Meus pais receberam uma proposta de emprego — respondi ainda observando o caderno, e batucando o lápis no papel quase completamente preenchido.

— Qual emprego? — ela continuou, dando a entender ser uma afronta.

— Você quer responder a última questão do exercício, para entregarmos antes do sino tocar? — interrompi passando-lhe a folha de cálculos — Ele foi contratado pela fábrica de papel — respondi apontando para a questão que faltava ser preenchida.

Ela revirou os olhos, fez o exercício sem muita atenção, colocou a folha na mesa da professora e saiu da sala. Terminei de guardar meu material e saí do local também.

Ao sair, me deparei com ela no corredor ao lado de Luís. Pareciam discutir diante do meu armário.

Não os observei por muito tempo, segui caminhando em direção ao banheiro e passei um pouco de água na minha nunca. Ouvir todo aquele "blá-blá-blá" me deixou enjoada e cansada. Tinha tanta informação na minha mente que eu precisava respirar em silêncio.

Assim que o intervalo acabou, iniciou-se a aula de química, onde novamente foram elaborados trabalhos em duplas, mas desta vez minha dupla foi o Luís. O único aluno que se sentou ao meu lado assim que o professor explicou o exercício.

Entretanto, não parecia muito interessado em interagir. Passamos um ou dois minutos escrevemos em nossas folhas sem olhar muito para os lados. Os demais alunos da sala estavam vidrados em nossa direção, acompanhando cada novo movimento e resmungando boatos.

Ele parecia tão desconfortável quanto eu, mesmo assim, interrompeu essa situação se apresentando:

— Oi — disse amigavelmente.

— Oi — respondi observando minha folha.

— Você se mudou recentemente, não é? — indagou da mesma maneira que Suelly fizera mais cedo.

— Sim! — respondi imaginando como essa conversa continuaria.

— O que acha daqui? — ele insistiu, me olhando curiosamente.

— Faz três semanas e parece uma eternidade… — respondi disfarçando um sorriso, interessada em sua curiosidade.

— Não gostou da cidade? — questionou, agora sorrindo.

— Gostei — afirmei descontraidamente — É só que… Parece que estou em um filme de terror, e que a qualquer momento aparecerá alguém com uma faca ou serra elétrica correndo atrás de mim — desabafei ironizando ao sorrir.

— Essa cidade é mesmo um pouco estranha! — ele concordou retribuindo o meu olhar.

— Você mora aqui faz tempo? — questionei curiosa.

— Não, me mudei há dois anos… No começo era eu e minha mãe, mas hoje moro sozinho — disse desinteressadamente indicando ter concluído as tarefas enquanto eu deixara estas de lado.

— A escola sempre teve os portões fechados no jardim dos fundos? — eu disse, tentando mudar o assunto — Achei aquele lugar tão lindo, gostaria de poder me aproximar mais, creio que me facilitaria a achar essa escola menos parecida com um cemitério.

— Que jardim? — indagou-me, tentando se recordar de algo, ainda assim, confuso.

— Perto da secretaria. Seguindo pelo corredor tem um jardim, com portões altos e enferrujados que impedem a passagem dos alunos — descrevi ao mesmo tempo, em que ele me observava intrigado.

— Não me lembro de nada além da secretaria, nunca fui para aquela direção! — exclamou sorrindo descontraidamente — E você já fez amigos pela escola? — continuou.

— Sim, conheci a Emilly, que também se mudou a pouco tempo, e nos entendemos muito bem — afirmei movendo o lápis em minha mão.

— Ela parece ser divertida… — comentou com um sorriso tímido — Ontem Suelly comentou sobre o que sua amiga fez na aula de filosofia e quase conversamos com ela.

— Ela adorará ter novas amizades, você devia conversar com ela também — respondi sorrindo dissimulando sua fala.

— Também? — questionou franzindo a testa.

— Como você está fazendo comigo agora — completei olhando-o fixamente, não mais sorrindo.

— Ah sim! Posso tentar — concordou, ainda com um olhar de curiosidade — Suelly me disse que você era muito desagradável, mas começo a pensar ser implicância dela — continuou sorrindo timidamente — Você é bem divertida.

— Você namora a Suelly? — questionei disfarçando minha timidez diante de sua fala.

— Sim, à quase um ano! — ele começou a ficar um pouco sério — Desde que me mudei ela já se tornou minha namorada — afirmou, voltando a sorrir — Não tive muito tempo para conhecer outras pessoas.

— Ela tem jeito de ser controladora, como uma pessoa que tem tudo sob controle — deduzi endireitando meu lápis na mesa.

— E é! — afirmou ele movendo meu lápis para outra direção — Suelly sempre tem tudo pronto e não gosta muito de surpresas… — completou cochichando.

— Você deve gostar muito dela, para gostar de sempre ter tudo planejado e pronto — afirmei cochichando também, enquanto retornava minha atenção para o exercício.

— Como assim? — indagou-me confuso, colocando a mão sob meu exercício.

— Vocês não formam um casal desses que sai andando sem saber uma direção certa ou para qualquer lugar. Parecem ter uma agenda diária com horários planejados! — ponderei apoiando a cabeça nas mãos e depois gesticulando ao suspirar. Diante de meu comportamento Luís sorriu surpreso.

— Suelly tem uma agenda mesmo, mas eu não cumpro todos os horários, gosto de sair da rotina às vezes — afirmou ele coçando a ponta do nariz e abrindo um sorriso ainda maior.

— Eu sabia! — exclamei sorrindo também.

— Para você eu e Suelly não formamos um casal de verdade não é? — ele disse, me olhando intensamente.

— Acho que vocês formam um casal sim, só que meio previsíveis! — expliquei dando de ombros.

— Às vezes isso é bem chato… — ele resmungou demonstrando-se um pouco desanimado ao falar sobre seu namoro — E você gostou da casa nova? — continuou, mudando de assunto.

— Gostei! — respondi fingindo não perceber sua atitude — Ela já era mobilhada quando me mudei, mas é bem confortável. Nada comparada com a casa que morei durante a minha vida toda, ainda estou me acostumando com tudo por aqui — ponderei perdida em pensamentos.

— Você mora em frente à praça não é? — ele questionou aproximando-se de meu rosto, ao indicar a folha de atividades em minha mesa.

— Moro sim — afirmei retornando minha atenção para o papel — Você mora ali perto?

— Não, eu moro em uma cabana na floresta, na saída principal, um pouco mais para frente — disse mostrando a resposta correta do exercício, com um olhar sério.

— Você mora nessa floresta escura e sombria? — indaguei num sussurro, espantada — Que coragem!

— Você tem medo da floresta? — indagou-me parecendo se divertir com meu medo, ainda que seu olhar fosse de surpresa.

— Na verdade, eu não chegaria nem perto da entrada da floresta, eu mal consigo andar pela cidade, tudo aqui é meio sombrio — confessei.

— Sério? Imaginei que você gostasse depois que… — ele parou de falar, revirando os olhos como quem deixa escapar algo sem pensar, e procurando disfarçar continuou — Imaginei que após se mudar para uma cidade no meio da floresta, gostasse desse clima — completou sorrindo e começando a guardar seu material.

Foi então que notei que a aula havia terminado à alguns minutos, e havíamos ficados somente nós dois na sala. Apressadamente guardei meu material e saí do local, caminhando em direção a outra sala de aula, para a qual eu estava atrasada. Junto comigo ele seguiu conversando:

— Falei sobre a Suelly… e você? — ele questionou pausadamente — Você tem um namorado?

— Quem? Eu? Não! — respondi constrangida, gaguejando ao me surpreender com sua pergunto.

— Quem? Eu? — ele imitou sorrindo — Foi uma resposta interessante.

— Eu não esperava responder tão cedo essa categoria de pergunta, nem cheguei na escola direito — confessei ironizando e sorrindo.

— Desculpe o constrangimento — resmungou sorrindo ao parar diante do meu armário no corredor das salas.

— Não tem problema — afirmei gesticulando com a mão ao abrir a porta do armário.

— Bom, tenha uma ótima aula — ele disse, após olhar o relógio em seu pulso — Tenho que seguir para o treino.

— Obrigada, tenha um bom treino — comentei sorrindo amigavelmente.

— Obrigado! — ele sorriu, antes de seguir caminhando pelo corredor.

Retirei meu material e continuei a rotina seguindo para a aula, onde permaneci até o final do período.

Depois da escola fui direto para casa, passando primeiro pela praça central. Onde identifiquei que alguns idosos tocavam instrumentos musicais cantarolando uma canção. Não havia mais nenhum morador observando-os, por conta disso, optei por continuar meu caminho, deixando-os para trás.

No meu quarto encontrei um livro de meu pai, que comecei a ler até pegar no sono. Recordo-me de ouvir minha mãe questionar se havia jantado e com a mão ter efetuado um sinal positivo. Voltando a dormir logo em sequência.

Com o amanhecer seguinte, me arrumei e caminhei até a escola, como era de costume.

Passei pelos portões e cumprimentei Luís, que estava parado ao lado de Suelly e suas irmãs. Ele retribuiu meu gesto, e logo voltou a prestar atenção no que falavam.

Afastei-me seguindo em direção à minha sala de aula. O conteúdo do ensino foi surgindo com o passar das horas, culminando em uma manhã muito rápida.

Quando o primeiro intervalo iniciou, caminhei pelo pátio e notei que Luís seguia pela direção da secretaria. De imediato, recordei-me de ter comentado sobre o jardim no final daquele caminho. Imagino que ele ficara curioso sobre o local nos fundos da escola e estivesse procurando conhece-lo.

Passei meu tempo conhecendo um pouco melhor minha nova amiga, Emilly, descobrindo sobre seu habito, um pouco estranho, de misturar bolacha recheada com ketchup e suco de limão.

Após o intervalo as aulas demoraram a passar. Primeiro o professor de biologia explicou todo o mecanismo do sistema respiratório, nos mínimos detalhes. Em seguida a professora de matemática explicou novamente o Teorema de Thales passo-a-passo, o que foi demorado e completamente cansativo, e quase ninguém na sala conseguiu entender, incluindo eu que comecei a desenhar abelhas na lateral da minha página do caderno. Geografia, então, foi uma completa perda de tempo, o professor mostrou um gráfico que fez questão de explicar umas vinte vezes, até a última mosca da sala não ter força para levantar sua minúscula patinha. Não era parte do conteúdo programado, ele só havia achado interessante abordar o assunto com a classe.

Quando caminhei em direção da última aula do dia, Bel e Rita me impediram de seguir meu trajeto. Elas começaram a fazer algumas perguntas sobre o Luís e a conversa que tivemos ontem, afirmando que seria melhor eu me afastar dele. Que a irmã delas não havia gostado dessa amizade, e que eu havia sido muito ousada em conversar com ele por tanto tempo.

Elas falaram tanto e sem parar, que foi como se minha cabeça girasse e sem perceber, tive a sensação de que a distância entre mim e o chão diminuía em câmera lenta. Quando, na verdade, foi bem rápido.

Elas falavam algo que foi ficando abafado em meu ouvido, e desaparecendo. Ao mesmo tempo, meus pés pareciam flutuar no chão, enquanto minha cabeça adquiria um peso muito maior do que me familiarizei, e ia cada vez mais em direção ao chão. Minhas pernas amoleceram e a visão que me era perfeita, se tornou um embaço com nenhuma nitidez.

Só me lembro de ver os pés de Rita e sentir uma dor em minha nuca.

Tudo escureceu.