Na segunda-feira acordei animada e bastante disposta. Levantei-me ansiosa, arrumando apressadamente meu material e, segui para a escola.
Durante o caminho fui imaginando o que poderia dizer ao Luís quando fosse devolver seu material de estudo, que me fora emprestado, ou qual seria a melhor desculpa para evitar qualquer conversa, já que eu estava envergonhada por tê-lo deixado falando sozinho quando me visitou dias atrás.
Minha dúvida consumiu minha mente até os portões de entrada da escola, quando me deparei com ele e alguns amigos. Caminhei em sua direção parando ao lado de dois de seus amigos, retirei os cadernos de minha bolsa e sorrindo agradeci:
— Obrigada Luís! Ajudou muito nos meus estudos.
Ele assentiu com a cabeça, e antes que algo fosse dito, saí de perto e passei pelos portões da entrada da escola sem olhar para trás. Infelizmente, mal cheguei ao pátio e comecei a ficar insegura, pois, todos ao meu redor me olhavam como se eu fosse alguma assombração.
Comecei a procurar pelo rosto amigo de Emilly, até encontrar ela próxima à sala de aula. Ela também me notou, seguindo para a minha direção sorrindo ao me observar:
— Que roupa é essa Lucy? Quer que eu te empreste minha maquiagem para disfarçar essas olheiras? — disse ela mexendo na bolsa.
— Quero… — afirmei constrangida — O que tem de errado com minha roupa? — questionei olhando meu corpo atentamente.
— Nada… Sua roupa está muito clara e você acabou ficando um pouco pálida — respondeu observando-me e colocando a mão em meus braços — Mas ninguém falará nada, principalmente após você ter desmaiado no meio dos corredores. Todos estavam preocupados.
— Obrigada, sua sinceridade é muito gratificante! — agradeci sorrindo — Estou pensando em ir para casa e voltar amanhã quando estiver com uma aparência mais aceitável — ironizei amigavelmente ao cobrir meu rosto com as mãos.
— Não seria uma má ideia! — ela exclamou, também sorrindo, e indicando para o banheiro no final do corredor que caminhávamos — Vamos! Eu te ajudo a se arrumar!
Continuamos a nossa conversa no banheiro, e depois andando em direção à nossa sala de aula.
Pude explicar-lhe o que aconteceu na última vez que estive na escola.
Contei sobre o modo que meus pais agiram, super protetores, me impedindo de sair de casa nos dias que se passaram, e conclui falando sobre como me senti quanto aos efeitos dos medicamentos que consumi.
Dentre os assuntos que coloquei minha amiga à par, evitei falar da visita de Luís, que recebi no final de semana, para não ter que explicar algo que nem eu havia entendido muito bem.
Para minha sorte, começou uma confusão no meio do pátio da escola e todos os alunos se aglomeraram em uma roda barulhenta.
A mulher rechonchuda da secretaria estava diante do painel de notícias acrescentando um novo recorte, com uma manchete discreta:
"Corpo do jovem desaparecido é encontrado próximo ao córrego".
Todos ali pareciam surpresos com o desfecho da história que havia se espalhado pela cidade nos últimos quatro dias, noticiada no jornal regional e agora no jornal impresso da cidade.
Alguns boatos sobre o desaparecimento do jovem eram discutidos discretamente pelos cantos da cidade, mas ninguém sabia ao certo se era mais um caso dos fatídicos assassinatos, ou uma fuga dele que fora muita bem planejada.
A confirmação das suspeitas de todos, causou um abalo simultâneo, e silenciosamente um a um, os alunos caminharam em direção a sala de aula.
A manhã foi lenta e repleta de quietude. Os professores apresentaram seus conteúdos com um olhar de tristeza e a voz embargada, o mesmo de todos na escola e da cidade.
Duas semanas se passaram e, calmamente, a cidade foi recuperando o seu ritmo.
Os moradores voltaram a caminhar e conversar discretamente entre si. As aulas recuperaram o empenho do início do ano.
Em alguns dias, era possível encontrar um aluno ou outro olhando o painel de notícias, ou comentando sobre o recente assassinato. Contudo, nada se estendia por mais de cinco minutos.
Começaram as inscrições para o grêmio estudantil e, convencida por Emilly, aceitei fazer parte do grupo estudantil, encarregada de funções administrativas na secretaria da escola, por consequência, comecei a permanecer no local também no período da tarde, organizando eventos, planilhas, e, principalmente, conversando com os professores e o Diretor Sparks.
Meus pais começaram a trabalhar intensamente, fazendo horas extras, e me deixando bilhetes, por não conseguirmos nos encontrar com tanta frequência. Com exceção dos domingos, o único dia da semana em que o nosso jantar em família acontecia, na maioria das vezes fora de casa.
Uma nova semana iniciou, e me preparei desde cedo para ficar em casa sozinha, como me habituei. Assim aconteceu até o final de semana, quando surpreendentemente, Emilly apareceu sem avisar, me chamando para sair.
De imediato, pensei em dizer não, porém, meu cansaço da solidão falou mais alto, me fazendo aceitar caminhar com ela pela cidade. Fomos, inicialmente, para o shopping, onde almoçamos conversando por algumas horas. Na saída do local, reparei que ela tinha uma marca muito estranha no ombro, que parecia ser recente.
Era uma cicatriz bastante esquisita.
Duas perfurações avermelhadas, um pouco inchadas e profundas, eu diria que pelo modo como estavam, deveria ser dolorido ou incômodo. Entretanto, ela parecia mal notar o ferimento.
Fiquei tão intrigada com a marca que deixei de prestar atenção no que ela dizia:
— Lucy o que foi? Você está bem? — ela interrompeu com um olhar curioso.
— Estou! Eu vi… — parei de falar por alguns segundos ponderando como evitar essa situação constrangedora — Vamos embora! Estou um pouco cansada — desconversei.
— Mas já? — me indagou abrindo um sorriso e observando o relógio dourado em seu punho esquerdo — Eu ainda quero te mostrar um lugar… — afirmou balançando a cabeça.
— Que lugar? — perguntei despretensiosamente, mexendo no alimento em meu prato.
— Surpresa! — respondeu empolgada pedindo a conta para o garçom.
— Tudo bem, vamos para o tal lugar então! — respondi sorridente, pegando minha bolsa na lateral da cadeira.
— Não, Lucy. Eu só posso te mostrar esse lugar á noite — me interrompeu cruzando os dedos acima da mesa — E até lá nós ainda faremos algumas coisinhas — completou indicando a porta de saída do shopping e balançando os ombros.
— Tudo bem! — respondi retribuindo seu movimento de ombros, desviando o olhar enquanto pensava em uma desculpa para escapar dessa aventura inesperada.
Caminhei ao seu lado, indagando-me qual poderia ser a surpresa. Se existia algo que havíamos combinado e não me recordara.
Nada me veio à mente.
Contudo, segui o planejamento dela, mesmo que, ainda cogitando a possibilidade de inventar uma desculpa e retornar para o meu lar, para poder aproveitar o final do dia na tranquilidade de meu sofá.
Fomos a um salão de beleza, que era um local bem grande, cheio de cadeiras, espelhos, vasos floridos e produtos de beleza. O maior salão que já vi em minha vida.
Um local bem iluminado e perfumado. Tinha quatro funcionários para atender nós duas. Um me deitou na cadeira e começou a molhar meus cabelos, o outro molhou minhas mãos e lixou minhas unhas, e ainda, um terceiro, passou creme em meu rosto dizendo que eu precisava relaxar.
Antes de fechar os olhos, notei que minha amiga estava na cadeira ao meu lado, fazendo os cabelos com um dos funcionários, com o qual conversava baixinho, quase aos sussurros, escondendo algo que tinha em mente e olhando pelo canto do olho para a minha direção.
Passou cerca de uma hora e meia até terminarmos o processo de embelezamento, e admirarmos o resultado nos reflexos dos espelhos.
Ao sair de lá, caminhamos por uma ruela na cidade até um restaurante vegetariano. Emilly entrou sem muita cerimônia, caminhou na direção de uma mesa lateral e, sentada, disse estar faminta. Eram umas 16 horas, e o nosso dia havia sido longo, demorado e pouco produtivo. Sem contar que no salão abordamos vários assuntos e, o último era justamente sobre comida, o que intensificou ainda mais nossa fome.
Sentamos uma frente à outra, e de imediato ela começou a questionar:
— Lucy, será que eu posso fazer uma pergunta pessoal para você? — disse com receio ao indicar no cardápio o prato de sua escolha ao garçom.
— Claro que pode — respondi curiosa, lendo as opções de refeições.
— É que eu não sei como dizer isso… — explicou ela suspirando e batendo os dedos na mesa.
— Dizer o quê? — questionei observando-a calmamente.
— Então… — ela parou por alguns segundos, demonstrando escolher suas palavras — Há quanto tempo você e o Luís se conhecem?
— Desde os primeiros dias de aula. Nós nos víamos na sala, quando ele foi meu parceiro num trabalho — respondi despreocupadamente gesticulando com a mão — Depois começamos a conversar no intervalo, e nos tornamos amigos.
— Mas vocês só conversaram? — ela continuou, com um olhar bem curioso.
— É… Conversamos — respondi franzindo a testa, procurando entender a curiosidade dela — Por que você quer saber isso Emilly? — indaguei olhando-a fixamente.
— Só por curiosidade… — disse ela desviando o olhar e respirando fundo — Ouvi outro dia uns comentários que o Luís e a Suelly haviam terminado, e queria saber se você saberia se é verdade ou se ele comentara o porquê — explicou sorrindo ao cogitar a possibilidade, demonstrando interesse em conhecer melhor a história.
— Entendi… — resmunguei encostando-me no assento da cadeira — Você falou de um jeito que me pareceu uma investigação criminal — respondi sorrindo.
— Acho que estou gostando dele… — desabafou num sussurro, escondendo um sorriso tímido.
— Foi o que pareceu — comentei, enquanto desviava o olhar escondendo minha surpresa com sua confissão.
Em compensação, Emilly me olhou atentamente, parecia tentar confirmar uma suspeita, e sorriu ao, aparentemente, identificar o que procurava. Movendo-se para mais perto de mim, ela indagou triunfando:
— Você também gosta dele não é?
— Não! — respondi de imediato arregalando os olhos e contraindo meus braços — Quer dizer… Eu mal o conheço — continuei respirando calmamente e disfarçando minha reação de espanto.
— Mas ele é lindo, não acha? — questionou ela, ainda atenta.
— Creio que sim — respondi com naturalidade piscando rapidamente para esconder meu sorriso.
— Você gosta dele! — exclamou com a voz alterada, me assustando, e indicando com os dedos para a minha direção.
— Sim! — confessei envergonhada, desviando meu olhar para a mesa.
— Até que enfim! — triunfou novamente — Gostamos do mesmo garoto, isso é divertido não acha? — declarou empolgada.
— Divertido? — repeti confusa.
— Sim, podemos conversar sobre os nossos sentimentos por ele… Sempre quis poder fazer isso com uma amiga — explicou ainda empolgada, enquanto balançava os ombros.
— Nunca passei por isso antes — contei-lhe constrangida — Não me lembro de ter gostado do mesmo garoto que uma amiga minha gostasse.
— Então, melhor ainda! — concluiu garfando o alimento de seu prato — Podemos conversar sobre os nossos sentimentos e manter a nossa amizade.
— Verdade. Pode ser divertido! — afirmei confusa com tal possibilidade, mas procurando não deixa-la desapontada.
— Mas, você acha que eles estão juntos? — ela continuou.
— Imagino que sim — respondi movendo os alimentos em meu prato, para me alimentar — Os vi juntos ontem à tarde na saída da escola — completei encolhendo os ombros e forçando um sorriso discreto.
— Ele fala sobre ela para você? — inquiriu desapontada.
— Não muito. Tem algumas semanas que já não converso mais com ele — expliquei ao me alimentar.
— Faz sentido… — disse pensativa — Começaram a falar pela escola que vocês estavam tendo um caso, mas aí ele parou de conversar com você para não chamar muita atenção… — completou, também se alimentando.
— Eu não sei não. Nós não conversamos tanto assim — relatei incomodada com os boatos que ela relatou.
— Desculpa, mas vocês parecem bem próximos sim. O Luís se diverte mais com você do que com a namorada! — exclamou sorrindo e pescando um buquê de couve-flor no meu prato.
— Ele não parece ser muito comunicativo, então quando conversa com uma pessoa já pensam que existe algo. Isso é fofoca! — resmunguei incomodada, balançando negativamente minha cabeça.
— Desculpa a insistência, acho que você está dizendo a verdade. É que ele é tão encantador, eu iria amar conversar com ele. E você age como se fosse algo normal — concluiu.
— Mas é. Ele conversa sobre assuntos normais como: as matérias da escola, família, rotina, algumas preocupações… Não sobre sentimentos, cantadas ou namoro. É por causa disso que gosto dele — expliquei admirando meu prato, desatenta às reações dela.
Sorrindo Emilly se desculpou novamente, mantendo certo silêncio enquanto nos alimentávamos.
Ao terminarmos nosso jantar, fomos embora.
Ela me lembrou haver muito a ser feito ainda, e seguimos para sua casa que era um lugar com paredes coloridas e decoração moderna, bastante alegre.
Em seu quarto haviam alguns pôsteres de cantores de rock, vários porta-retratos nas prateleiras amarelas em sua parede e uma cama de casal onde estavam nossas roupas, como ela me explicou empolgada.
O vestido dela era de cetim verde escuro. Um tomara que caia, com pedras esverdeadas bordadas no busto e um laço logo abaixo, dividindo-o em duas partes, a parte de cima e a saia. A continuação do vestido era uma saia modelo sereia longo, com babados do quadril até os pés, algumas pregas do laço à cintura baixa.
O meu, assim como o dela era de cetim, contudo em cor branca. Com algumas pregas largas no busto, um bordado de lantejoulas prateadas abaixo das pregas e nos ombros, que formavam uma manga discreta. A saia tinha uma fenda do lado esquerdo, era longa e com o lado fosco do tecido, num caimento em roda.
O vestido era delicado demais para usar, do mesmo modo que era encantador demais para ficar em um cabide.
Ficamos vestidas e prontas em meia hora, e demoramos mais alguns minutos para encontrar nossos sapatos e sair.
Saímos da casa conversando e sorrindo. Emilly e eu, caminhamos lado-a-lado pela cidade, sem ela me contar para onde estávamos indo em momento algum.