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Chapter 11 - Velho amigo, novo desconhecido

Cheguei ao imponente portão da escola, e para minha surpresa lá estava Luís, com um olhar simpático conversando com alguns jovens. Ao me notar ele sorriu como se reagisse a minha expressão de surpresa. Devo ter corado por alguns segundos.

Andei apreensivamente em sua direção, mas recuei e entrei na escola. Passei lentamente por ele, e pelo canto do olho percebi que ainda sorria. Suas reações eram de quem sabia o que se passava em minha mente e se divertia.

Continuei andando até o pátio onde aguardei o sinal, depois fui para aula. Permaneci atenta as aulas, reagindo às listas de presença e aos conteúdos apresentados.

A primeira aula foi de Biologia, uma pequena tortura com o infinito falatório da professora e sua foz irritante. Seguida de Filosofia, uma loucura com toda aquela forma de pensar, bem no momento em que eu não podia pensar muito, ou acabaria me distraindo. No terceiro tempo teve uma aula de Física, quando comecei fazer minha contagem regressiva para intervalo. Esta acabou sendo a aula mais longa e sem o menor entretenimento, contida em uma série de textos e um questionário que consegui preencher meu nome, e só.

Em minha mente a imagem de Luís se tornou frequente, minha ansiedade por revê-lo fez com que tudo parecesse um looping infinito.

Quando o som do sino tocou, um arrepio subiu em minha espinha. Num impulso juntei meu material quase derrubando-o no chão, errei alguns bolsos e deixei a alça da bolsa escapar de minha mão umas duas vezes, depois, meio desequilibrada, caminhei para fora da sala, alcançando o corredor em segundos.

Cheguei ao pátio quando ainda estava vazio e vi, um por um, todos os alunos saírem de suas salas. Mais observando seus rostos do que o que faziam.

Eu estava apreensiva e ofegante, cheguei a sentir minhas mãos trêmulas e, mesmo assim, sinto que por fora minha expressão era neutra e cautelosa.

Todo o movimento diminuiu. Verifiquei pessoa por pessoa, sem conseguir encontrar o olhar familiar de Luís, o que me fez concluir que ele não estava na escola.

Comecei a sentir um desanimo surgir em minha mente, com a culpa por tê-lo ignorado quando cheguei para a aula. Tentei não demonstrar meus sentimentos seguindo com a minha rotina escolar.

Caminhei pelo pátio calmamente, até perceber que, de longe, uma pessoa me olhava disfarçadamente. Enfim conclui: "Luís está aqui!".

Numa tentativa de agir com naturalidade, fui para uma mesa próxima ao portão de entrada, onde me sentei e comecei a reparar o movimento a minha volta.

Os alunos andavam de um lado para o outro, todos conversando entre si. Meus professores seguiam em direção à diretoria, para a sala de reuniões.

Acabei me distraindo com algumas plantas próximas à escada onde eu estava sentada, que se moviam suavemente com o toque da leve brisa que nos envolvia. Notei também, os pássaros pousando no jardim, bem próximos uns dos outros, alguns tentando capturar umas migalhas que ficara no chão.

Meus devaneios foram interrompidos com a chegada de Luís. Por alguns minutos, me esqueci de seu retorno e ao nota-lo acabei me assustando. Percebi estar esse tempo todo sendo observada por ele, que me olhava com curiosidade sorrindo discretamente.

Ele se sentou ao meu lado e entrelaçou seu braço ao meu. Começamos a observar tudo ao nosso redor. Devaneamos em silêncio durante todo o intervalo. Não trocamos nenhuma palavra, somente nos olhamos e assistimos tudo ao redor.

Esse momento agradável foi interrompido pelo som do sino, que nos lembrou do retorno às aulas, e nosso afastamento inevitável.

Assim que me levantei, Luís me segurou suavemente e num cochicho disse:

— Tente prestar atenção na aula, pelo menos agora.

Ao me soltar, ele se virou e seguiu para a aula sem aguardar por minha reação.

Como ele sabia que eu não prestara atenção na aula? Ele estava me vigiando? Como?

Tentei não pensar em algo inexplicável para tal comportamento, mas teorias complexas e fictícias dominaram minha mente.

Retornei às aulas, um pouco entorpecida pela reflexão do que ocorrera, mas consegui me concentrar nas explicações dos professores.

Em alguns momentos me vinha a recordação dos comportamentos misteriosos de Luís, quando parecia saber meus pensamentos ou observar minhas ações.

Fui ficando intrigada com tantos mistérios.

Em partes, me incomodava viver em meio a tantos segredos e ter como amigo uma pessoa que esconde boa parte de sua rotina, e parece saber cada segundo da minha. O pior é considerar que somos muito próximos um do outro e, ainda assim, ele me é uma enorme incógnita.

Como pode uma pessoa ser um conhecido tão desconhecido?

Prestei atenção nas aulas, mas queria entender o que o Luís poderia esconder de tão sério, algo que fosse relacionada a todos esses seus comportamentos estranhos, mesmo prometendo que faria o contrário.

Me percebi em um embate, entre uma promessa que eu não queria cumprir, as aulas que eu precisava prestar atenção e algumas ideias do que poderia fazer para saber mais sobre Luís. Chegando a conclusão que precisava esperar o termino de minhas aulas, e que não poderia seguir cumprindo minha promessa.

Decidi investigar o Luís, evitando ser descoberta por ele.

Assim que minhas aulas acabaram saí da escola sem dar atenção aos que estavam à minha volta. Passei no Café para avisar que aceitaria a minha folga e, apressadamente, fui para casa. Em meu quarto pensei em várias maneiras de fazer minha investigação sem ser percebida.

Quando começava anoitecer, me recordei de uma memória que quase me fez voltar imediatamente para a escola, mesmo sendo tarde. Lembrei-me do dia em que me matriculei nessa escola foi o que me despertou para meu plano.

Neste dia, minha mãe e eu fomos até a diretoria onde entregaram ao diretor todo meu histórico escolar, porém, as mesmas informações já estavam presentes em uma pasta com meu nome que fora apresentada pelo Diretor Sparks.

Os documentos compunham um relatório com informações sobre os lugares onde morei, meus vizinhos, e toda a minha fixa médica. Na hora nos assustamos com toda essa pesquisa.

Se isso aconteceu comigo, provavelmente poderia ter acontecido com os demais alunos da escola, ou seja, o Luís também teria um dossiê com informações de sua vida que me ajudariam a entender alguns de seus mistérios, e um caminho para conhecê-lo melhor.

Em meio a essas memórias acabei dormindo.

No dia seguinte, assim que amanheceu levantei ansiosa para colocar meu plano em prática.

Fui uma das primeiras a chegar para a aula. Ao entrar, corri para a diretoria, e encontrei uma das secretárias do Diretor Sparks.

Era, por sorte, a que mais tinha contato comigo.

Enquanto passava meus finais de semana ajudando na secretaria da escola, tive tempo para fazer amizades na diretoria e saber como era a rotina da sala do diretor.

Por isso, eu sabia os horários dos funcionários como, por exemplo, que essa secretária permanecia em sua mesa até o horário do almoço, quando ocorre uma troca de funcionárias.

Ao conversar com ela, confirmei discretamente esse horário e segui para a aula. Depois saí alguns minutos mais cedo, quando não havia aluno algum por perto e parei próxima à mesa da secretária.

Assim que o intervalo começou, observei a funcionária sair de sua mesa distraída, e retirei uma chave reserva da sala do Diretor, que ficava em sua mesa. Aguardei a passagem dos professores, entre eles o Diretor Sparks e caminhei para a sala dele.

Passei pela porta e logo identifiquei as gavetas onde estavam todos os arquivos escolares. Tentei abri-las, e concluí que todas estavam trancadas. Utilizei as chaves do molho em minha mão, mas não obtive sucesso.

O intervalo estava próximo do fim quando decidi sair dali para não ser pega em meu plano. Retornei discretamente ao pátio e agi como se estivesse interessada em retornar para a aula. Não identifiquei Luís em meu caminho.

No final de minhas aulas voltei para a diretoria determinada a encontrar os documentos. Ainda sem ter certeza de meu plano prático, entrei na sala do Diretor Sparks:

— Diretor, tem um minuto? — perguntei planejando minha desculpa para acessar os documentos.

— Claro! — afirmou indicando uma cadeira à frente de sua mesa.

— Eu não sei como explicar isso, mas sinto falta de meus pais — comecei a falar com calma, encarnando sua mesa, ainda planejando minha desculpa.

— Posso imaginar que são tempos difíceis — respondeu confuso.

— Eu gostaria de saber se posso olhar o relatório feito sobre a minha vida — ao me ouvir ele franziu a testa, continuei — Sinto saudades deles, ler sobre alguns momentos que passamos juntos vai me ajudar a sentir menos a falta deles — afirmei suspirando.

— Esse documento faz parte de um acervo da escola… — respondeu ainda sério.

— Gostaria de reler sobre esses momentos, pode ser aqui na sua sala mesmo — insisti forçando um sorriso para disfarçar meu desespero.

Ele demorou alguns segundos para responder aos meus pedidos, mas me autorizou. Imaginei uma estratégia para distraí-lo enquanto abria a gaveta de arquivos, mas fui interrompida.

No mesmo momento, os pais de um dos alunos apareceram querendo conversar com ele. Eles não estavam agendados, o que rendeu alguns minutos de cochichos entre a secretária e o Diretor, seguido de sua saída da sala, dando-me um tempo para a investigação.

Abri a gaveta de arquivos e procurei pelo nome de Luís, cheguei a ver as fichas de alguns alunos conhecidos, como a Suelly e suas irmãs, e até a Emilly, que estavam separadas das dos alunos regulares da escola.

O arquivo delas estava com o de matriculados que apareciam em notícias criminosas no painel do pátio, numa pasta nomeada "Arquivo D2657". Todos os outros alunos apareciam agrupados por turmas e, para a minha sorte, havia um único arquivo com o nome Luís, na turma em que ele está matriculado.

Apressadamente, peguei o arquivo e coloquei em minha bolsa. Poucos minutos depois o Diretor Sparks retornou à sala e entregou-me meu arquivo, me avisando precisar receber os pais ali. Saí da sala sem enrolar.

Caminhei da escola para o Café e me deparei com dois rostos curiosos diante de mim, ao chegar:

— Olha quem apareceu, vó — comentou Dandara ironizando.

— Olá mocinha! Quer um café? — brincou a idosa.

— Ou uma bebida mais forte… — completou a jovem sorrindo.

— Menina maldosa! — interrompeu a idosa estapeando o ar ao tentar alcançar a neta — Esqueça o que essa garota disse.

— Então, como foi seu dia ontem? — indagou Dandara maliciosamente.

— Acabei não notando as horas passarem… — respondi discretamente.

— Muitos afazeres em casa? — interrogou Dona Rosa mexendo em uma das mesas do local.

— Sim, passei o dia todo fazendo limpeza — afirmei forçando um sorriso.

— E o moço, não ficou com ele o dia todo? — perguntou Dandara, encarando-me curiosa com os olhos arregalados.

— Você não aprendeu nada do que eu disse? — esbravejou Dona Rosa, torcendo o braço da neta.

— Calma vovó, eu só perguntei o que nós duas estamos pensando! — triunfou a jovem enquanto tentava soltar o braço da avó.

— Mas tem que ser mais discreta — sussurrou a idosa disfarçando com um sorriso amarelo pegando um pano para limpar as mesas.

— Não tive muito tempo, acabei ficando com algumas matérias acumuladas por conta da minha falta no dia anterior — expliquei ignorando a conversa das duas.

— E… e ele? Continuará na cidade? — resmungou Dona Rosa passando o pano na mesa.

— Vovó, seja menos curiosa! — Dandara ironizou em tom de brincadeira.

— Ele é um grande amigo — comecei a explicar enquanto as duas me encaravam boquiabertas — Mas como ele acabou de voltar, achei melhor dar espaço para se adaptar a rotina de estudos e os compromissos na cidade.

— Fez bem! Os homens se afastam muito rapidamente quando a mulher fica em cima. Tem que deixar espaço, assim ele sentirá falta e procurará você… Logo, logo, você vai ver — afirmou Dona Rosa ao segurar uma de minhas mãos.

— Mas não foi você que disse que, se deixar um homem solto, outra mulher vai lá e pega? Não entendi a diferença! — Dandara exclamou confusa.

— Esse homem é diferente, tem um olhar que… Bom, acho melhor dar bastante espaço — a idosa começou a explicar — Todo mundo na cidade sabe que ele é esnobe, não gosta de gente em cima…

— Verdade, olha no que deu a história com a outra namorada… — comentou Dandara.

— Suelly? — indaguei interrompendo a diálogo entre as duas, que espantadas notaram minha presença no ambiente.

— É! Ela perdeu as irmãs, e ele nem teve compaixão. Foi lá e terminou tudo rapidinho — comentou a jovem, ainda assustada.

— Bom, que os dois não eram bem um casal, todo mundo já sabia. Ainda assim, foi estranho como acabou — cochichou Dona Rosa dando de ombros.

— Ele ajudou nas buscas, eu estava lá quando tudo aconteceu — o defendi.

— Essa é outra coisa que ninguém entendeu. As famílias nem se conheciam… Quer dizer, seus pais nem conheciam a família das moças, e ajudaram nas buscas — comentou Dandara franzindo a testa.

— Ficamos preocupados — afirmei enquanto me recordava do desaparecimento das três irmãs — Acabei tentando encontra-las e me perdi na mata com o Luís. Quando retornamos, meu pai se sentiu obrigado a ajudar, pois, sabia como era ter uma filha desaparecida, ou algo assim.

— Se fosse com você eu faria o mesmo! — afirmou a idosa ao olhar carinhosamente para a neta — Pela família somos capazes de fazer qualquer coisa! — completou.

Eu não entraria naquela floresta! Ela me dá calafrios só de olhar — comentou minha amiga contraindo os ombros.

— No começo parecia ser assustadora mesmo, mas depois foi me parecendo um lugar familiar — respondi sorrindo.

— De familiar ali só tem as árvores, que são todas iguais. Depois de um tempo ali no meio, deve parecer um buraco com espelhos… Assustador… — afirmou, ainda se contraindo.

— Na mata existiram alguns momentos em que me senti bem. Teve um dia que a luminosidade do Sol passou pelos galhos e formou desenhos lindos pelo caminho que fiz — comentei sorrindo com a memória de minha caminhada com Luís.

— Você passou dias por lá? — questionou Dona Rosa.

— Foram. Vários dias, mas não me senti sozinha — afirmei reflexiva — Sempre estava com alguém, ou o Luís, ou a Suelly, ambos me acompanharam.

— Ela era tão mimada, deve ter se apavorado naquele lugar… — comentou Dandara.

— Na verdade, ela estava familiarizada com o local, provavelmente, por estar determinada a encontrar as irmãs — concluí.

— Ainda assim a mata me causa arrepios, nada me tira da cabeça que é um lugar horripilante e assombroso — afirmou Dandara fazendo caretas.

— Achei mais assustador quando comecei a encontrar os corpos desaparecidos — respondi perdida em minhas memórias da floresta.

— Você chegou a encontrar as mortas? — indagou a jovem assustada.

— Minha Nossa Senhora! — comentou a idosa representando um crucifixo em seu rosto.

— Esse lugar é mais assustador do que eu imaginei! — comentou Dandara fazendo o mesmo gesto que a avó.

— Ainda bem que acabou tudo bem! — comentou Dona Rosa — Ou quase bem, se não considerarmos as duas mortas. Pelo menos você e a outra jovem, voltaram vivas, podiam ter sido quatro mortes — ela corrigiu.

— Cinco, o Luís também estava lá — completei.

— Mas ele não se perderia naquela mata assombrada! — afirmou Dandara.

— Por que você acha isso? — indaguei instigada pela certeza em sua afirmação.

— Seria difícil não chegar nessa conclusão… — resmungou a idosa.

— Ele mora na floresta — completou Dandara, arrumando uma bandeja.

— Mora? — indaguei ao me recordar de uma conversa que tive com ele na época dos desaparecimentos — Verdade! Ele mora na floresta — afirmei animada com meu recente achado.

Ele mora em um lugar misterioso, isso é fato!

Pode existir um endereço no dossiê da escola, que me ajude a descobrir mais sobre sua família, ou alguma história que tenha ligação com os mistérios da mata.

Deve existir uma maneira de saber algo sobre ele. Só assim poderei descobrir o que tanto ele esconde, e do que parece querer me proteger.

Talvez uma possível ligação com o Wilson, ou algo que me deixe perto de entender meus pesadelos com ambos. Afinal meus instintos me indicam que um pode ser tão semelhante ao outro a ponto de produzir sonhos em que mal consigo diferenciá-los, me assombram da mesma maneira.

Será que eles são parentes?

Se são parentes fica mais fácil entender de onde vem essa sensação que os dois são muito parecidos. Fecho os olhos e consigo rever a figura em meus sonhos que é assustadora e misteriosa, da mesma maneira que eu descreveria Luís à qualquer um que me perguntasse suas características.

Ele é um grande mistério para mim, e sem dúvidas tem atitudes que são assustadoras.

Claro que com a diferença de um ser assassino, e o outro um jovem que desapareceu por alguns meses, mas nunca agrediu ninguém na minha frente. O que me assusta nele é seu olhar intenso e a facilidade que tem em evitar minhas perguntas, estando presente nas situações mais comprometedoras.

Na verdade, Luís parece carregar um autocontrole que Wilson não demonstra ter, quase como identidades de um extremo oposto, impossibilitando que pensar que são identidades de uma mesma pessoa.

Será que essa é a intensão? Esconder quem de fato ele é, ou eles são!

Em meio as minhas conclusões, não percebi o Café abrir.

Passei o meu expediente todo distraída com a criação de teorias cada vez mais irracionais. Quando meu horário de saída se aproximou, me despedi de minhas amigas e segui para casa ainda distraída.

Após tomar um banho e preparar o jantar, me sentei na sala e comecei a segurar a pasta com o nome de Luís. Fiquei dividida entre a sensação de culpa por romper com minha promessa, a curiosidade sobre o que poderia descobrir, e o medo de ler informações assustadoras, como ele me mesmo me alertou em nossa última conversa sobre esse assunto.

Acabei ficando imóvel por alguns minutos, até conseguir juntar coragem e abrir o documento. Folhei algumas páginas que pareciam um inquérito sobre incêndios, até encontrar algo que me chamou a atenção: 

[...]

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CÓDIGO DO ALUNO: 168045-DX IDENTIFICAÇÃO

 ALUNO(A): Luís Hungrett NASCIMENTO: 18/09/2004 NATURALIDADE: ——

SEXO: Masculino

 

DADOS PESSOAIS 

PAI: —— PROFISSÃO: —— FORMAÇÃO: ——

MÃE: Samantha Hungrett PROFISSÃO: Florista FORMAÇÃO: Bióloga

RESPONSÁVEL: Leopold Swall Hungrett PARENTESCO: Tio materno

 Obs.: O pai desapareceu há mais de quinze anos. A mãe é ausente em assuntos escolares, nunca compareceu em reuniões ou convocações de diretores anteriores.

O jovem morou por alguns anos com um tio, responsável pela matrícula na instituição, mas não constam dados do mesmo para contato (informações oferecidas são inválidas no sistema).

 ENDEREÇO

 Residência: Especificações Desconhecidas. Casa é localizada na mata densa.

Obs.: Já morou em Groningue, Suriname; Bakixanov, Azerbaidjão; Varsóvia, Polônia; Jelgava, Letônia; Tokmak, Quirguistão; Detroit, Michigan; e atualmente Brasil.

 DADOS ESCOLARES

 Histórico: Dados não foram encontrados. A primeira parcial do arquivo foi queimada em incêndio considerado inconclusivo. O laudo divulgado segue em paginações à frente.

Modalidade/Etapa Atual: Ensino Médio

 COMPLEMENTO

 Parte dos arquivos sobre os avós e os demais parentes consanguíneos foram queimados dias antes dessa investigação.

Luís Hungrett e Samantha Hungrett se mudam tão rápido que os vizinhos não se recordam deles, ou relatam que a casa em que viviam era abandonada. Em nenhum dos locais onde moraram ficaram mais de um ano, ou participaram de eventos comunitários. Nem sequer foram vistos na casa ou nas áreas externas.

Vivem de maneira muito solitária, não interagiam com moradores próximos nem conhecidos. Luís nunca teve amigos em nenhum dos locais onde morou ou estudou, e Samantha nenhum amigo na vizinhança. Em todos os lugares que passaram foram muitos os misteriosos como se não morassem por lá, como se não quisessem ser reconhecidos por alguém.

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[...]

Após ler todas as páginas e me confundir com os termos complexos do laudo, cheguei a sua última página que, estranhamente, estava rasgada.

Acabei não dando muita atenção para isso, e sim para todas as outras informações vagas que existiam naquele documento.

Luís havia se mudado muitas vezes e para vários países, sem ter um endereço fixo para apresentar na matrícula.

O relato de não ter nenhum envolvimento com os familiares, somente sua mãe, que era ausente nas relações escolares, o colocaram como alguém muito solitário, tendo um tio como responsável legal que também não se faz presente. Somando às informações inexistentes para a escola, o que não combinava com sua explicação de ter passado todo esse tempo viajando com os parentes.

Fizeram-me repensar em como uma pesquisa tão minuciosa poderia ser tão resumida em um arquivo de menos de uma página e com informações que não foram encontradas, aumentando a minha sensação de que a vida de Luís é um mistério ainda maior do que imaginei.

Como ele pôde esconder tantas informações mesmo com a investigação meticulosa do Reitor, sem deixar rastros?

Ao menos consegui saber seu nome completo, se for mesmo esse.

Com essa suspeita, abri meu computador e digitei o nome completo de Luís, na tentativa de encontrar alguma rede social ou notícias do incêndio que apagou parte dos registros escolares dele.

Como esperado, não encontrei nada.

Insistindo em minha teimosia, digitei o nome da mãe dele, e me deparei com alguns links de acesso para notícias informando sobre o desaparecimento de um homem cuja esposa tinha o mesmo nome dela.

Desconsiderar a notícia assim que me atentei para a data de sua publicação, 1894. Ambos os sites noticiavam uma página de jornal digitalizada com o relato de uma esposa apavorada por conta da ausência do marido, desaparecido há mais de um mês, na época da publicação. Situação que seria impossível de se relacionar com Luís, afinal seus pais teriam que existir há mais de 126 anos.

Intrigada com a ausência de informações sobre Luís e a notícia do desaparecimento centenário de um homem, acabei pegando no sono.

Sonhei com o casal da notícia, seus rostos amorosos, como foram apresentados na página de jornal, e identifiquei semelhanças com meu amigo. No mesmo sonho me recordei dos mistérios que cercaram a minha história com ele, e seus desaparecimentos.

Imaginei que uma história tão fragmentada, com familiares ausentes e tantas mudanças poderiam ser explicadas com uma vida longa. Longa o suficiente para envolver seus óbitos necessitando de estratégias sutis para escondê-los, como incêndios e desaparecimentos.

Envolta em tais suspeitas, me lembrei dos sonhos que se tornavam pesadelos, em que Luís me atacava após avançar em Emilly. Recordação que me deixou assustada pelo grande realismo.

Pela primeira vez, tive quase certeza de ser possível de acontecer, afinal, um vampiro poderia ter tantos mistérios e também o poder de apagar o próprio passado.

Assim ele poderia ter os pais com a mesma idade da notícia e permanecer com a aparência de um jovem de 16 anos. Morando discretamente em uma cidade sem que seus vizinhos o notassem.

Surpresa com minhas suspeitas dormi profundamente, deixando o cansaço do dia silenciar minha mente.