Ao amanhecer despertamos animadas para a aula, onde apresentaríamos nosso trabalho elaborado no dia anterior. Seguimos juntas para escola após o café da manhã.
Quando passei pelo pátio me deparei com Luís sorrindo, conversamos rapidamente e combinamos de nos telefonar ainda naquele dia. Segui para aula e passei o dia estudando com minha amiga.
No final dos estudos caminhei para casa. Cheguei a tempo do almoço, ajudei a limpar a louça e caminhei para o meu quarto. Quando estava acabando meu celular tocou:
— Olá Lucy, estava pensando se podemos conversar agora? — disse Luís com a voz falha.
— Podemos sim, eu acabei de terminar minha lição — respondi deixando os cadernos no chão e deitando em minha cama.
— Percebi que você e a Emilly estão bem próximas — continuou ele.
— Estamos mesmo — confirmei sorrindo — Ela tem passado bastante tempo aqui em casa.
— Então agora você está adaptada a nossa cidade — respondeu empolgado.
— Estou sim, ela fez um tratamento de choque.
— O jeito certo para você! — exclamou rindo.
— É mesmo, sempre acaba sendo assim — respondi.
— Ontem você estava empolgada com as atividades no parque, parecia estar elaborando algo muito divertido.
— Gostei muito de elaborar as atividades propostas pelos professores — expliquei suspirando — Os animais e a natureza eram bem legais, tinham comportamentos muito interessantes, cores atraentes. Tornaram o dia chuvoso e nublado em um dia alegre.
— Não pensei por esse lado — ele disse — Acabei me confundindo com algumas tarefas, não me diverti com nada.
— Encontramos você uma hora que parecia bem confuso — respondi rindo.
— Eu estava mesmo — confessou com a voz rouca — Para mim não era o melhor lugar para estudar.
— Depois que nós te ajudamos você ficou mais animado… — concluí.
— Eu me diverti mesmo, você estava diferente, parecia ter um brilho nos olhos — ele suspirou ao comentar.
— Você me observou assim? — indaguei curiosa, com as bochechas avermelhando.
— É… — ele passou alguns segundos em silêncio, depois pigarreou — Observei muitas coisas no parque, estava bem atento — respondeu apressadamente.
— Entendi. Estava atento ao ambiente todo — ironizei.
— Exatamente isso! — respondeu rindo.
— Você conseguiu uma boa nota na tarefa? — indaguei mudando de assunto.
— Sim, os outros alunos do grupo relataram dados muito relevantes, ajudando a melhorar a minha nota — completou empolgado.
— Gostei do nosso trabalho em grupo, pudemos conhecer mais pessoas da nossa escola — afirmei empolgada.
— Na verdade, você pôde conhecer novas pessoas — corrigiu ele.
— É verdade — concordei sorrindo — Meio que todo mundo já se conhece muito bem né? — afirmei envergonhada.
— Sim! — ele disse — Mas foi uma boa ideia para o trabalho em equipe, ajudou muito para que todo mundo completasse a atividade aproveitando o local — afirmou com a voz falha.
— Você está cansado? — questionei.
— Estou, acabei de bocejar — respondeu rindo — Deu para ouvir?
— Sim! — respondi sorrindo também.
— Vou desligar. Estou com sono — concluiu.
— Tudo bem, estou cansada também — respondi bocejando.
Desligamos a ligação logo em sequência.
Finalizei meus ajustes na atividade que seria entregue no dia seguinte, e caminhei para o banheiro me arrumando para dormir. Deitei até meu sono chegar e me despedi de mais um dia.
Após dois dias de estudo e trabalhos desenvolvidos na escola, chegamos ao final de semana. Conforme combinado, segui com minha amiga para a festa secreta na casa de um dos alunos da escola conhecido dela.
O local era três ruas abaixo da minha casa, bem próximo da casa de Emilly. Uma casa de dois andares com um amplo quintal.
Entramos pelos fundos e paramos próximas à piscina, onde estavam algumas poltronas espalhadas:
— Lucy você conhece o Rui? — ela indagou servindo uma bebida em meu copo.
— Não, quem é ele — respondi olhando para o recipiente desinteressadamente.
— Ele é do time de atletismo, o que tem o menos tempo — respondeu sorrindo.
— Não conheço ninguém do time — afirmei ainda observando o copo.
— Claro que conhece, o Luís faz parte do time — disse ela empurrando meu braço.
— Eu não sabia… Não conheço muito bem todos os alunos da escola — disse olhando para ela.
— Esqueci que você não gosta muito de esportes — comentou sorrindo — Ele me procurou na internet, me convidou para vir aqui hoje — completou empolgada.
— Ele é o dono da casa? — indaguei.
— Não! — respondeu encarando meu copo — Estou começando a pensar que ele está interessado em mim — disse.
— Agora eu entendi! — respondi sorrindo.
— Você não vai beber? — questionou gesticulando para o copo.
— Não, estou um pouco sem vontade — expliquei girando o copo.
— Lucy, você nunca bebe nada — ela comentou revirando os olhos.
— Sim! — afirmei sorrindo.
Neste momento um dos atletas da escola passou ao nosso lado cambaleando e caiu na piscina, seguido de outros que estavam aguardando por esse momento. A água começou a voar à nossa volta e nos molhamos.
Minha amiga dava gargalhadas com toda a animação dos outros alunos.
Comecei a notar que, logo à nossa frente, existiam três casais se beijando, um deles bem intensamente. Mais próximo à churrasqueira estavam duas garotas fazendo uma guerra com espaguetes e bebendo no mesmo copo. Próximo à piscina existia um grupo de seis pessoas agachadas no chão jogando Verdade e Desafio, alguns já sem peças de roupa enquanto outros dois se beijavam.
Comecei e sentir que o local estava fora de controle. Todos registravam o momento em seus celulares, o que tornavam a festa secreta bem pública. Emilly começou a perceber meu silêncio e reagiu:
— Vou procurar ele na festa — disse levantando empolgada.
— Emilly, estou desconfortável aqui, é melhor eu ir embora — respondi me levantando também — Acabei de perceber que ver pessoas bêbadas não é nada divertido.
— Tudo bem, eu te perdoo — respondeu empurrando meu braço.
Ela mandou um beijo no ar e saiu caminhando pelo local.
Retornei pelo caminho que entrei. E, ao passar pelo portão, notei Luís se aproximando, acenei e segui em direção à minha casa.
Ao entrar, fiquei alguns minutos na cama me culpando por sair muito cedo da festa. Depois tomei um banho e deitei em minha cama, aguardando meu sono chegar. Ouvi algumas mensagens chegarem no meu celular, mas acabei dormindo sem responder.
Acordei com meu celular tocando. Com os olhos embaçados fui notando um nome na tela, mas perdi a segunda ligação. Ao sentar na cama notei que já amanhecera, e que meu celular tinha uma série de mensagens da Emilly e do Luís.
Depois da segunda ligação perdida ele tentou uma terceira:
— Oi — respondi ao atender.
— Oi Lucy, estava tentando ligar já faz uns dez minutos — disse ele preocupado.
— Bom dia, tudo bem? — indaguei irônica.
— Desculpa — respondeu tímido — Bom Dia, estou bem e você? — continuou mais calma.
— Estou bem, dormi com uma pluma — afirmei empolgada.
— Agora você pode dizer para onde foi? Eu e a Emilly estamos preocupados… — indagou tímido.
— Estou em casa, no meu quarto — respondi confusa — Eu avisei ela que estava indo embora.
— Eu falei que vi você indo para casa! — exclamou mais distante do telefone — Lucy, ela insistiu que você sumiu na festa e não respondia às mensagens dela, passamos a noite toda tentando falar com você — explicou.
— Vocês passaram a noite me procurando na festa? — perguntei confusa.
— A Emilly ficou lá, eu saí meia hora após entrar. Estava um pouco agitado demais por lá — respondeu resmungando.
— Eu também não gostei muito da festa, as pessoas estavam muito bêbadas, achei demais para mim — afirmei me levantando da cama.
— Você não gosta muito de festas? — questionou rindo.
— Não. Eu gosto de festas menores, com pessoas mais normais — afirmei ironizando.
— Eu não gosto quando as festas ficam lotadas, me deixa bem… incomodado — disse ponderando algo, como quem calcula suas palavras.
— Incomodado? — ressaltei tentando entender sua precaução.
— Eu não sei explicar — comentou respirando fundo — É complexo demais.
— Sua voz mudou — destaquei sorrindo — Não precisa se preocupar, somos amigos lembra.
— Estou lendo um livro, deve ter sido isso — respondeu apressado.
— Tudo bem — afirmei suspirando.
— E você, o que tem planejado para o domingo? — disse rindo.
— Ainda não sei, acabei de acordar — respondi sorrindo.
— Verdade, eu acordei a Bela Adormecida — continuou, ainda rindo.
— Grande amigo esse meu, me acorda e depois fica de brincadeirinhas — concluí sorrindo.
— O que você acha da gente sair depois da aula na segunda? — perguntou receoso.
— Pode ser outro dia, vou sair com a Emilly, ela quer fazer algumas compras na cidade vizinha — respondi desanimada.
— Não parece ser o tipo de coisa que você gosta — disse ele.
— Não é, mas eu prometi que iria — afirmei.
— Então tem que ir mesmo — disse em um tom de voz mais baixo — Combinaremos de sair outro dia — terminou suspirando.
— Vamos combinar mesmo — completei animada.
Nossa ligação foi encerrada alguns minutos depois. Em seguida respondi às mensagens de minha amiga, explicando que voltei para minha casa e depois de muita conversa ela se recordou da noite anterior e se acalmou.
Passei o domingo ajudando os meus pais com as tarefas de casa.
Os dias foram passando sem muitas surpresas. Minha amizade com Emilly se tornou mais forte, nos víamos diariamente, sempre com algo para fazer. Luís me ligou outras vezes, começava perguntando sobre as tarefas da escola, e depois acabava perguntando sobre meu dia, minha rotina, meus planos para os dias seguintes. Acabei não conseguindo combinar de sair com ele, mas passamos a conversa nos intervalos das aulas, quando ele e minha amiga se juntavam na mesma mesa.
Não demorou muito para a notícia de que ele estava solteiro se espalhar, e nossa aproximação se tornar mais difícil já que muitas garotas passaram a persegui-lo.
Depois de um mês, a nossa rotina começou a mudar. Gradualmente fomos nos afastando naturalmente. Em alguns dias eu passava mais tempo em casa com meus pais, e depois Luís parou de me ligar.
Por uma semana Emilly faltou, e fiquei sozinha na escola, eu tinha intervalos mais longos que o normal, pelo menos era o que parecia.
Distanciei-me de meus amigos cada vez mais. Eu notava algumas vezes que Luís estava entediado com as garotas que tagarelavam o tempo todo. Em outros o pegava me olhando, distraído, logo ele se virava meio sem jeito.
Quando estava em casa tinha muito tempo para pensar, passava horas tentando entender o que havia acontecido na mata e por onde andava Wilson, a polícia nunca chegou a encontra-lo. Tive pesadelos horríveis, em que ele me perseguia, e acordava gritando sem fôlego. Cheguei a faltar na escola e parei de atender aos telefonemas de Luís, sempre me assustavam ou estava muito distraída para atender.
Agir por rotina, algumas vezes nem sabia o que acontecia a minha volta, simplesmente andava da escola à minha casa e de casa para a escola.
Passaram-se alguns dias e nem notei a volta de Emilly. Na verdade, parecia que ela nem havia voltado, nós mal nos falávamos, às vezes nem ficávamos próximas no intervalo.
Junho chegou com o final do ano letivo e meus pais decidiram viajar para conhecer algumas regiões, eu fiquei. Não tinha muita vontade de sair pelas cidades. Fiquei mais horas em casa, saia somente para comprar comida quando acabava.
Li quase todos os livros de casa e a arrumei três ou quatro vezes em um mesmo dia. Existiram dias em que passei deitada no tapete da sala como uma assombração, local onde dava para ver o teto, a decoração, e cada movimento de cortina tanto da sala como da cozinha, dormi mais que o normal.
Certo dia a campainha em minha porta tocou, me levantei quase sem forças e atendi, era um velho conhecido que parecia surpreso e do mesmo modo que assustado em me ver naquele estado.
Luís abriu o portão e entrou, me virei e voltei a sala, deitei no chão onde estava e dali o vi entrar e sentar a minha frente:
— O que você tem Lucy?
— Nada, por quê?
— Você não sai dessa casa, não atende ao celular, não responde os e-mails de Emilly, parece um zumbi andando pela cidade.
— Estou bem aqui, sabia? — respondi, me levantando e tentando parecer mais animada.
— Agora me parece uma novidade, pois a alguns minutos atrás você não parecia nem estar viva! — ele disse com o sorriso mais lindo que já vi.
— Eu vou melhorar, é que… Eu me distraí.
— Com o quê?
— Eu me preocupei com as pessoas dessa cidade, e com o Wilson que ainda está solto por aí e parece que ninguém se preocupa.
— Quem é Wilson? — Luís indagou confuso.
— Quando procurávamos por Bel, eu conversei com Suelly para saber por onde procurar e ela me contou sobre o Wilson, o homem que matou suas duas irmãs e a abandonou na mata.
— Ele não vai se aproximar daqui, a polícia foi longe demais, ele não deve querer ser vigiado novamente — afirmou Luís com um olhar sombrio e distante.
— Como assim? — indaguei assustada com a sua reação.
— Se ele foge da polícia por que viria até aqui novamente? Só para chamar a atenção? — continuou, ainda distante.
— Verdade… Pela forma como agiu, não deve ser tão impulsivo a ponto de chamar a atenção da polícia voltando aqui — respondi ainda o observando.
— Foi uma pena ter acontecido tudo isso com Suelly e suas irmãs — disse olhando pela janela da sala, parecendo se recordar de algo.
— Ela estava tão feliz com a vida que tinha e com a história de vocês — falei enquanto concluía tais informações.
— Nossa história não era tão real assim… — ele começou a me olhar atentamente enquanto dizia — Eu e Suelly éramos mais amigos que namorados, e não próximos. Alguns dias nem conversávamos, só passávamos alguns minutos juntos.
— No dia da festa de recepção dos novatos, vocês pareciam muito apaixonados, era um casal bem intimo… — ironizei levantando e seguindo para a cozinha onde peguei um copo de água.
— Brigamos naquele dia, ela queria ficar mais perto de mim que o normal para que ninguém percebesse — ele completou, parando diante de mim, e me impedindo de fugir novamente.
— Enganou bem! — respondi ironicamente, desviando o olhar para o chão, rimos juntos.
— E você, por que foi embora da festa tão cedo? — indagou com um sorriso tímido nos lábios.
— Eu estava com… dor de cabeça! — lembrei a primeira desculpa que dei, já que a verdade foi meu ciúme por observar os dois juntos.
Consegui escapar da presença de Luís, caminhando para a sala e colocando uma playlist para tocar. Começou a tocar "Salvation", e o clima intenso na sala só aumentou com essa trilha sonora, não deu para continuar evitando os olhares cada vez mais recíprocos.
Luís foi se aproximando de mim e me encarando com um desejo explícito, eu fui me percebendo envolvida cada vez mais pela trilha romântica e a presença dele. Aos poucos, fomos ficando tímidos pela situação. Até que ele interrompeu o silêncio:
— Não parecia. Naquela noite você estava muito linda, estava bem feliz quando apareceu — disse ele com um sorriso irresistível no canto da boca, aumentando o clima no ambiente.
— Obrigado você também estava muito lindo naquela noite — não resisti e acabei me entregando.
— Então… Quando as aulas voltarem de verdade, você tem parceiro para os trabalhos? — ele afirmou desviando os olhos e se afastando de mim.
— Não, a Emilly não tem mais conversado comigo, acho que ela fará o trabalho com outro amigo.
— Ela me avisou estar tentando conversar com você, chegou a enviar alguns e-mails — continuou ele, revirando os olhos.
— Só você veio até aqui me ver — respondi procurando por uma reação dele.
— Ótimo! Você fará os trabalhos comigo então!?! — afirmou ele, agora mais animado, e ainda assim, escondendo algo em seu olhar.
— Eu faço… mas agora você tem que ir embora Luís, preciso me trocar e terminar de arrumar a casa! — esse momento passou a me deixar tensa demais, sem saber até que ponto chegaremos com todo esse romantismo.
— Agente se fala… sobre… o trabalho! — disse ele se levantando e caminhando até a porta, um pouco frustrado.
— Claro — respondi.
O dia continuou como de costume, com uma pequena diferença à noite, sonhei com a marca que havia observado no ombro da Emilly e no pescoço de Suelly há alguns dias. Eu também estava no sonho, era um lugar escuro, uma floresta perto de um lago muito estranho. Estava sozinha e, de repente, era puxada para bem longe, quando olhava para trás, Emilly estava sendo mordida por um homem de capa preta, que a deixava no chão, vinha em minha direção, e com um sopro apagava toda aquela cena de minha memória.
Claro que o sonho foi cortado ao meio, pela claridade que invadia meu quarto me fazendo pular da cama.
O mês passou, levando com ele meu desânimo. Saí mais de casa e vi quase diariamente os moradores à minha volta.
Acompanhei a casa de Suelly ser vendida e os novos moradores se mudarem, o jardim ao centro da cidade ser revitalizado e uma nova lanchonete se abrir no caminho da escola.
Com esse tempo que se passou as aulas voltaram.
No reinício do ano letivo saí de casa no horário das aulas, e no caminho até a escola andei devagar, sem conseguir prestar atenção no meu bairro. O tempo todo pensei no sonho que, a esse ponto já se tornara recorrente em minhas noites, o mesmo em que Emilly era mordida e o homem de capa preta vinha em minha direção.
Quando cheguei, a escola estava vazia, provavelmente, por acabar de abrir.
Andei lentamente pelo pátio onde reparei, pela primeira vez, todos seus detalhes. As paredes altas o salão era imenso, por onde passei todos esses dias e nem notei. As paredes tinham umas faixas bege que as dividiam ao meio, entre branco e um tom meio rosado, um pouco mais escuro. Todas elas eram cheias de anúncios e cartazes de diferentes tamanhos, bastantes coloridos e alguns feitos á mão.
Em seguida me sentei e comecei a prestar atenção nas pessoas que iam de um lado para o outro, e a cada minuto se duplicavam, aumentando mais ainda todo aquele movimento.
Até que o sino bateu e tudo parou. Agora cada um seguia para sua sala de aula. Em pouco tempo o pátio estava novamente vazio e silencioso.
Minhas aulas demoraram a acabar, e no intervalo, não achei Emilly.
Durante as primeiras aulas eu havia planejado contar-lhe sobre o meu sonho, e resolver minhas dúvidas sobre a marca em seu pescoço. Permaneci nas aulas finais planejando como esclareceria essa minha dúvida.
Assim que saí da escola resolvi ir à cidade para a casa de minha amiga. Quando estava quase chegando, encontrei Luís saindo de lá.
Mesmo assim segui, chamei por ela e ninguém atendeu.
Parecia que sua casa estava vazia, o que aumentou as suspeitas que surgiram quando o vi saindo do local calmamente.
No dia seguinte, Emilly foi à escola e ficou me esperando em frente ao meu armário:
— Você foi até minha casa ontem?
— Fui — respondi grosseiramente.
— Eu havia saído. Tive que ir ao supermercado — completou fingindo não notar minha grosseria.
— A é? Que pena — continuei ironizando.
— O que você queria? — ela parecia fingir curiosidade, quase forçando uma continuação da conversa, sem a menor vontade de continuar o assunto.
— Nada muito importante — respondi, sem ser muito convincente — Só fui chamar você para sair.
— Não ia dar certo — disse ela, escondendo algo.
— Sei — tentei não demonstrar o que havia notado quando cheguei em sua casa ontem.
— Lucy, não posso mais ver você depois da escola — continuou ela desviando o olhar.
— A que pena! — disfarcei para ela não perceber que eu já sabia o por quê.
— Vou começar a trabalhar.
— Que legal! Só isso? — indaguei sendo mais enfática.
— O que mais seria? — questionou aparentemente incomodada.
— Nada, curiosidade minha — afirmei demonstrando calma.
— Tem algo mais, e você não quer me contar — me encarando friamente ela continuou.
— Tem mesmo, mas não falarei aqui. Agente pode conversar depois das aulas?
— Hoje? Não vai ser possível Lucy, é melhor você falar agora, não vou permanecer na escola para as últimas aulas.
Com um pouco de receio conclui que já que tinha de ser dito algo sobre o dia anterior, e para esclarecer minhas dúvidas, melhor que fosse ali mesmo.
— Você tem algo com o Luís? — indaguei começando o assunto.
— Não! — afirmou bem séria e impaciente.
— Então o que ele fez na sua casa? — indaguei triunfante.
— Ele nunca foi a minha casa — disse ela brava e um pouco receosa.
— Ótimo, agora estou louca? É isso mesmo?
— Não. Lucy é verdade, ele foi à minha casa… Mas não tenho nada com o Luís! — disse ela com desinteresse.
— Alguma coisa aconteceu ontem! — afirmei incomodada.
— Aconteceu mesmo… — ela parecia pensar calmamente antes de falar — Ele foi… Me ajudar com um trabalho.
— Então você falta à escola e, de repente, ele esqueceu que é meu parceiro em todos os trabalhos — respondi revirando os olhos ironicamente.
— Lucy, chega! Eu não posso falar nada. Não tem trabalho nenhum e não tenho nada com o Luís! — ela continuou sem paciência.
— Então o que ele foi fazer na sua casa ontem? — insisti.
— Tenho que ir embora — ela interrompeu caminhando em direção a saída da escola.
— Como assim, você não quer conversar comigo? — indaguei seguindo-a.
— Não. Essa é a sua conclusão.
— E qual é a verdade? Fala!
— Já chega! Não tenho mais tempo, conclua o que quiser. Se você quer tanto saber, pergunte ao Luís — ela rapidamente me abraçou com força e se afastando finalizou — Adeus Lucy.
Ela se virou e foi embora.
A essa hora as aulas já haviam terminado, passamos muito tempo ali conversando. Mesmo assim, permaneci no jardim da escola que já estava fechada, pensando em cada palavra de Emilly, principalmente nos últimos momentos com ela, em que fui abraçada inesperadamente, e mal pude reagir, seguido de um "Adeus Lucy" com passos apressados pelas ruas da cidade.
De repente percebi que não estava mais sozinha e um pouco insegura olhei para trás. Luís estava me observando.
Fiquei séria e me levantei, ele também. Ele se aproximou lentamente, encarando-me com um desejo muito nítido nos olhos. Quando estava a centímetros de mim, encostou a mão em meu rosto e começou a sorrir timidamente, provavelmente ao perceber que eu também o desejava.
Engoli a seco ao notar que cada movimento meu, era observado. Ele não desgrudava os olhos de mim, me deixando a cada segundo mais louca para beijá-lo. Movi em sua direção, pelo pouco espaço que restava entre nós, e ele desviou o olhar numa forma de recuar.
Juntei minhas forças e andei em direção ao portão da escola como se estivesse sozinha ali. Ele foi mais rápido me segurou pelo braço e, sem nenhuma explicação, me abraçou muito forte. Eu poderia até dizer que ouvi seus batimentos cardíacos, o que estranhamente não aconteceu. Contudo, naquele momento isso era o menos importante.
Depois do abraço Luís me olhou e sorrindo interrompeu nosso silêncio:
— O que você tem hoje?
— E você. Qual é o seu problema comigo? — me lembrei de toda aquela história com a Emilly que ficara mal explicada, e falei de um jeito que o afastasse de mim.
Entretanto, essa não foi a reação dele. Contra minha vontade ele me abraçou novamente, dessa vez ele fora mais rápido. Como se não houvessem ocorrido as primeiras perguntas, ele me olhou carinhosamente e recomeçou:
— Como assim?
— O que você tem Luís? Um dia conversa, no outro nem olha para mim, e de repente me abraça e age como se fossemos grandes amigos.
— Digo o mesmo sobre você — completou confuso.
— Como assim? Não inverta o jogo para o seu lado.
— Ah! Isso é um jogo? — indagou, agora brincando com as palavras.
— Luís chega disso. Fale a verdade! — o interrompi incomodada — Não aguento mais essas conversas sem explicações. Vocês só sabem me enrolar com mentiras.
Afastei dele antes que pudesse falar qualquer coisa que me fizesse parar de caminhar, e acreditar em qualquer explicação que me desse. Fui apressadamente até minha casa, sem notar nada à minha volta, perdida em frustrações.
Escondi-me no meu quarto, como fazia quando pequena, para pensar sem ninguém por perto. Quando criança, meu refúgio era embaixo da minha cama, claro que era outra cama em outra casa e em outra cidade, mas nesse momento o novo esconderijo era útil.
Pensei em tudo que aconteceu e acabei pegando no sono. Acordei no meio da noite com sensação de que alguém me observava. Com medo me levantei, fui até a janela e a fechei, ainda sentindo a presença de alguém.
Andei pela casa conferindo se todas as portas e janelas estavam bem fechadas, sempre sentindo estar sendo acompanhada. Tomei um banho rápido e voltei para a minha cama, com os cabelos ainda molhados, e em poucos minutos peguei novamente no sono.
Acordei sentindo alguns poucos raios de sol passando pela minha janela, que estava aberta. Assustada, percebi precisar ir para a aula.
Cheguei na escola atrasada e não consegui prestar atenção em nada. Fiquei tentando relembrar se havia esquecido a janela do meu quarto aberto, ou se a sensação de estar sendo vigiada era um aviso do meu corpo de que havia mais alguém em casa.
Será que Wilson voltou para me matar, terminar com qualquer ponta solta de sua história com Suelly e suas irmãs? Será que ele sabe da conversa em que ela me contou tudo o que aconteceu na história deles?
Essas dúvidas me deixaram distraída até o intervalo, quando constatei que o "adeus" de Emilly era verdadeiro. Ela não estava no pátio, nem fora para a aula.
Luís se aproximou de mim, parou em minha frente, falou algo que não pude entender e me puxou em direção a secretaria que estava vazia. Como se estivesse sozinho, ele pegou na mesa da secretária um molho de chaves, seguiu para o portão do jardim no fundo da escola, e o abriu.
Permaneci perplexa ao notar ser o mesmo local que descobri nos primeiros dias de aula, e ele havia demonstrado desconhecer. Passei pelo portão, caminho que ele já havia feito, e próximo a uma fonte de pedras permaneceu parado me esperando.
Segui em sua direção.
Quando me aproximei, ele ansioso me abraçou e começou a sorrir de um jeito muito encantador.
Eu não resisti fiquei observando ele como se mais nada estivesse acontecendo.
Para minha surpresa ele se aproximou lentamente, colocou a mão em meu rosto e quase me beijou, parecia esperar a minha reação. Senti o calor de seu rosto se aproximando do meu, e senti minha pele ansiando pelo toque dele. Infelizmente o sinal tocou, e o nosso momento fora da realidade acabou.
Em um impulso segui em direção ao pátio, onde nos afastamos.
Permaneci nas aulas tentando me envolver nos conteúdos que eram passados, mas hora me lembrava de ter um invasor na minha casa, ora me recordava do quase beijo em Luís, das aulas pouco pude anotar ou entender, estava submersa em uma realidade muito paralela e envolvente em minha mente.
Na saída da escola reparei enquanto caminhava pelo pátio, que Luís estava em frente ao portão e parecia procurar por alguém, ele mexia os olhos de um rosto para o outro preocupado e concentrado. Quando me notou, ele começou a sorrir, acompanhou meus passos até eu chegar ao seu lado.
Fingi não nota-lo, passei direto por ele, até ser puxada pelo braço direito, me fazendo parar, consegui me soltar sem muito esforço, e ele indagou com um tom de voz alto:
— Lucy o que você quer que eu faça? Às vezes parece… que você não quer… ser minha… amiga, sempre foge de mim — ele recuou em sua afirmação, tentando calcular calmamente suas palavras enquanto alguns moradores caminhavam à nossa volta curiosos.
— Responda minhas perguntas! — triunfei em minha afirmação, agora olhando intensamente em seus olhos curiosos.
— Tudo bem! Respondo, mas antes você esclarecerá algumas das minhas curiosidades — fiquei surpresa ao perceber que ele havia mudada a situação negociando informações comigo.
— O que quer que eu fale? — indaguei ainda surpresa.
— Por que você não age normal quando está perto de mim? Fica fugindo como se tivesse medo de mim! Inventando desculpas o tempo todo? Sai correndo bem na hora em que a conversa começa… — ele começou a falar aparentemente confuso, depois demonstrou triunfar quase sorriu enquanto perguntava.
— Eu só reajo a você. Nem sempre parece que me nota, tem horas que sinto que não quer me ver. Às vezes passa direto por mim sem nem olhar na minha direção. Eu nunca sei quando posso falar ou quando é melhor deixar quieto. Acho melhor não me aproximar, não gosto de passar dos limites — desviei meu olhar em quanto falava, ele começou a se aproximar, me deixando sem ar.
Não consegui olhar em seus olhos por muito tempo, eu sabia que não resistiria ao meu impulso se permanecesse ali por muito mais tempo, e comecei e me recordar haver muitas coisas sobre ele que me deixam confusa.
Confusa demais para lidar antes de qualquer desejo ser realizado. Eu não queria falar que parte do meu estado era por ter o visto saindo da casa de Emilly, por sentir ciúme de um amigo.
— Vou dar uma dica — interrompeu ele, me olhando profundamente nos olhos — às vezes eu gosto que as pessoas passem dos limites.
— Entendi — respondi em um cochicho tímido.
Agora havia chegado em minha casa, entramos juntos pela porta e paramos no meio da sala. Ao lado dele permaneci olhando timidamente, até sentir um respiro de coragem e retomei a conversa me aproximando dele.
Pouco antes de dizer minhas primeiras palavras, me recordei da conversa com Emilly e em um recuo comecei outro assunto que me incomodara:
— Agora é minha vez… — sem saber ao certo como começar insisti — O que você estava fazendo na casa da Emilly no outro dia?
— O que ela disse a você? — indagou com um olhar distante.
— Nada. Ela disse que não podia me contar que estava com pressa e que era para eu perguntar a você. Coisas assim, por quê? — demonstrei estar despreocupada, mas mantive meu olhar atento a ele, que a essa altura estava sentado no meu sofá se atentando para o chão, com alguma memória em mente.
— Também não posso falar nada — disse ele com a voz falhando, ainda atento ao chão — Desculpe Lucy mais se quiser saber algo precisará descobrir sozinha.
— Vocês estão juntos? — indaguei interrompendo-o, desviando meu olhar para não notar sua reação.
— Você gosta de mim? — indagou-me, ignorando minha pergunta, tão sério como se já soubesse a resposta e não gostasse.
— Na… não… — tentei olhar para ele mais gaguejei, voltei a minha atenção para o chão — Claro que não! — Luís teve uma reação bastante estranha.
Ele ficou confiante após minha resposta, se sentou no chão a minha frente, mesmo local que eu encarava envergonhada. Parecia já saber minha verdadeira resposta e lentamente foi se divertindo com a situação. Mesmo assim, fingiu acreditar em mim.
— Então, porque todo esse seu interesse em saber se estou namorando a Emilly? — questionou me olhando com a cabeça inclinada, ainda se divertindo comigo.
— Vocês são meus amigos… Entre amigos não existem segredos — acabei percebendo minha mentira antes de acabar a frase e com a voz falhando insisti.
— Nem sempre Lucy! — respondeu começando a sorrir, demonstrando ter percebido minha reação — Entre nós, existem muitos segredos não só de minha parte, mais existem muitos segredos que você esconde também. Então, não insiste nessa história e acredita que Emilly e eu somos bons amigos. Não contarei mais nada.
— Mesmo não sendo verdade! — afirmei levantando-me do sofá.
Caminhei em direção à cozinha para preparar uma refeição, mas Luís parou em minha frente e me segurou nos braços, insistindo em concluir a conversa.
— Lucy, não insista nesse assunto, ou vai se decepcionar ainda mais — ele percebeu minha expressão de tristeza e continuou contrariado — Agora é melhor eu ir embora… Está tarde já — com um olhar disperso ele caminhou até a porta de saída falando — E antes que você me questione, amanhã eu não vou para a escola — ele seguiu rapidamente para a rua, desaparecendo em alguns segundos.
Passei as horas seguintes me culpando por não ter levado a conversa para um beijo agradável ao invés da discussão sobre a visita dele à Emilly. Percebi que a tensão em meu corpo só aumentara com toda a minha culpa e caminhei em direção ao banheiro, onde tomei um banho.
Caminhei para o meu quarto e sentada na cama dediquei um tempo muito extenso para pentear meu cabelo.
Parecia não notar os movimentos se repetindo e o sono começando a me consumir. Alguns minutos em silêncio e parecia que a nossa conversa estava se repetindo tão alto em minha mente que eu podia ouvir nossas vozes como uma telespectadora no quarto. Imaginei como seria se eu o beijasse antes de qualquer desentendimento, como teria me segurando enquanto moveria seus lábios sobre os meus.
Continuei a imaginar como seria se ele afirmasse estar com a Emilly e toda a tristeza que me consumiria ao notar que todos os sentimentos foram alimentados somente da minha parte, enquanto para ele era uma amizade igual as outras. Senti meu corpo amolecer sobre a cama e o pente escorregar dos meus dedos caindo em um estalo seco no chão num ruído quebrando o silêncio do ambiente.
Fechei meus olhos cedendo ao ardor que surgiu com os pensamentos, em meio a lágrimas senti que esse dia terminaria em meio a uma cólera de incertezas e receios por uma história incompleta, sem meios ou fins.
Dormi.
Senti um cansaço em meu corpo e durante o sono acabei percebendo algo sobre meu corpo, me aquecendo e se afastando. Tão pouca energia me impediu de dar atenção ao que pareceu um abraço carinhoso, em um ambiente onde ninguém mais poderia estar presente, além de mim mesma.
Permaneci dormindo.
No dia acordei com energia, preparei meu café da manhã e me arrumei para a aula. Caminhei o mesmo trajeto diário, notando uma brisa caminhando pelo meu rosto, me recordando do sonho que me lembrara de um abraço na noite anterior.
Cheguei na escola com quase todos os alunos já presentes no local, e passei as primeiras horas compreendendo melhor os conteúdos de ensino. No intervalo notei que Luís não estava mesmo presente ali.
Sem Emilly e sem ele, descobri que não havia mais nenhum conhecido na escola, passei o tempo todo sozinha, sem uma voz ou um rosto familiar. No retorno à aula, passei por uma prova surpresa e não sabia a maioria das respostas, passei muito tempo dispersa na escola, sem prestar atenção nas aulas ou no que era importante para meu desempenho escolar.
Sempre me preocupei com outras histórias, menos com a minha.
Dessa vez tentei me concentrar nos estudos e participar das aulas seguintes, fazendo questionamentos e surpreendendo meus professores com meu interesse no conteúdo.
No retorno para casa, me lembrei de cada palavra de Luís, era como se tudo ao redor não se movesse, apenas o meu corpo em câmera lenta. Senti o ar faltando e congelei em frente a um Café. O local era muito convidativo, rapidamente caminhei para dentro envolvida pela decoração e o cheiro apetitoso, diante do balcão fui questionada:
— A mocinha vai fazer um pedido? — indagou uma idosa sorridente.
— Eu nunca estive aqui, não conheço nenhum dos itens do cardápio, tem alguma indicação? — questionei me atentando aos muitos sabores de café e lanches no menu.
— Eu nunca a vi por aqui mesmo… — afirmou ela olhando curiosamente para mim — A moça se mudou com os pais e acabou ficando sozinha nos últimos meses. Eles ficaram com medo das meninas mortas?
— Não, eles se mudaram a trabalho e foram transferidos novamente para a cede anterior — respondi calmamente.
— O café Luv é o que você gostará mais. Passa tanto tempo sozinha pela cidade que ele pode ser o conforto que você precisa — afirmou enquanto estava preparando a bebida.
— Vou comer um misto quente também — completei animada.
— Minha neta vai levar o café para você, sente naquela mesa perto da janela, é um lugar onde você conseguirá observar a cidade toda — disse ela indicando para uma mesa solitária.
— Tudo bem.
Caminhei pelo Café, até chegar à mesa. Fui acompanhada pelos olhares de quatro clientes sentados no local. Sentei-me à mesa e constrangida com os olhares, tentei acompanhar o movimento da cidade, sentir o ar externo me tocando no rosto.
Fechei os olhos e senti meu corpo reagir ao ar gelado, respirei profundamente e reabri os olhos quando uma jovem indagou:
— Minha avó pediu para colocar um pedaço da torta de framboesa por conta da casa, ela acha que você gostará — disse a jovem colocando a bebida e os alimentos em minha mesa.
— Obrigada, parece ser apetitosa — respondi me surpreendendo com a moça sentando em minha mesa.
— Não se incomode com essas pessoas, eles pensam que você é esquisita, pela forma como você anda pela cidade, tem dias que parece uma assombração… — ela interrompeu sua observação, um pouco envergonhada — Quer dizer… Em alguns dias você fica desatenta. É o que eles comentam.
— Eu sei! Tem alguns dias que nem percebo que saí da cama — afirmei sorrindo e levando um pedaço de torta para a boca.
— O que achou do doce? — indagou apontando para o meu prato.
— Muito bom! Um dos melhores que eu já comi.
— Minha avó nunca erra! — afirmou empolgada — Ela disse que seríamos grandes amigas, que você precisa de uma.
— Ela é bem observadora né? — comentei sorrindo.
— Sim, ela sente as pessoas só de olhar. Sempre me disse que você carrega uma tristeza nos olhos e que é por falta de uma amizade verdadeira — esclareceu ela.
— Podemos ser amigas? Eu iria gostar de conhecer melhor vocês duas.
— Já somos, eu não converso com estranhos — ela afirmou sorrindo.
— Como você se chama? — indaguei curiosa.
— Meu nome é Dandara — respondeu animada e estendendo a mão.
— Meu nome é Lucy — retribui o gesto.
— Nós já sabemos o seu nome, apareceu no jornal quando você ficou desaparecida — ela parecia se recordar de algo — Mas na mesma época sua mãe explicou que você havia ido visitar alguns parentes.
— Ela não queria que pensassem algo ruim à meu respeito, mas eu estava na floresta ajudando nas buscas pelas irmãs desaparecidas.
— Todos na cidade imaginaram que fosse isso… — ela começou a falar mais baixo — Minha avó contou que viu um homem seguir você pela mata no dia do seu desaparecimento, e começaram a dizer que a Dona Rosa estava ficando louca também.
— Dona Rosa é sua avó? — indaguei.
— Sim, esse é o nome dela.
— Ela estava certa, eu fui para a mata, mas não sabia que alguém me seguia.
Ao fazer tal afirmação, comecei a imaginar quem poderia ter me seguido. Eu sabia que Suelly entrara na mata atrás de mim, mas não havia homem algum quando a encontrei. Ela também não comentou ter percebido outra pessoa no caminho, nos deparamos com o Luís dias depois e, ainda assim, ele entrou na mata ao lado de meu pai, onde permaneceu o tempo todo.
Lentamente fui sentindo calafrios ao constatar que mais alguém me seguiu, e poderia ser Wilson, o sequestrador assassino que tirou a vida das irmãs de Suelly.
E se ele seguiu meu rastro após meu retorno da floresta? Se, permaneceu me observando todo esse tempo? Seria ele o invasor da minha casa que me assombrou por algumas noites?
Perdida em minhas dúvidas, não notei que Dandara seguia ao meu lado, encarando minhas reações. Ela tentou me trazer a consciência indagando:
— Você sabe que minha avó só contou essa história para te proteger?
— Sim, imagino que foi assim que meu pai começou a me procurar pela floresta — conclui ainda imersa em minhas memórias.
— Ela quer te fazer uma proposta, venha comigo — afirmou ela caminhando empolgada para o balcão, onde a idosa nos aguardava.
— A moça… — disse ela com uma voz suave.
— Lucy — interrompeu Dandara.
— Lucy, você quer trabalhar aqui conosco? Temos um salário humilde para oferecer, mas a nossa companhia pode fazer bem para você — explicou a senhora.
— Eu gostaria muito, poderei passar algum tempo com minhas novas amigas — respondi empolgada.
— Sim, e não vai mais ficar sozinha — concluiu a jovem.
— Ajudará com essa tristeza que você carrega. Tenho certeza que ficará boa logo — disse Dona Rosa, segurando em minha mão com um sorrido discreto no rosto.
— Muito obrigada pelo carinho - agradeci.
— O prazer é todo nosso — afirmou a idosa, agora abraçando a neta carinhosamente.
— Precisamos fechar o Café, já está tarde — interrompeu a jovem.
— Não percebi a hora passar, tenho que voltar para casa — disse me arrumando para sair.
— Se o tempo passou rápido é sinal que foi bem aproveitado. Tome cuidado ao andar por essas ruas à uma hora dessas — concluiu Dona Rosa.
— Tomarei cuidado sim! — afirmei empolgada — Até amanhã! Mais uma vez, obrigada pela companhia.
— Volte amanhã logo após a sua aula, sim? — indagou Dandara.
— Estarei aqui — afirmei saindo do local.
Caminhei até minha casa, imaginando como poderia trabalhar naquele local. Foram tantas as possibilidades que acabei caindo no sono rapidamente em meu quarto.
No dia seguinte fui à escola determinada a manter minha concentração nos estudos, e animada para passar meu dia no Café, com minhas novas amizades.
Meus dias passaram rapidamente. Ajudei a atender os moradores da cidade que passavam por lá. Aprendi os pedidos habituais e, aos poucos, fui conhecendo a história de cada um.
Dona Rosa comentava silenciosamente uma memória ou outra de cada família da cidade, destacando partes da vida de cada morador. Ela me explicava os pedidos e a forma de prepara-los, contanto como foi que descobriu ou inventou suas receitas.
Eram os momentos do dia em que mais me divertia, ao lado de minhas novas amizades.
Com o passar do tempo elas foram se tornando parte da minha família. Uma avó e uma prima, como se referiam a nós. Começamos a agir dessa forma. Almoçando, jantando e trabalhando juntas.
Separava-me delas, na hora de ir para casa, e retornava assim que as aulas acabavam.
Minhas notas melhoraram na escola, me dedicando aos estudos, concentrada em todas as tarefas que eram desenvolvidas. Descobri que no dia da minha folga a escola ficava aberta, e comecei a frequentar o local aos sábados.
Criei uma rotina em que só parava em casa para dormir, o único momento em que não estava fazendo nada.
Passaram-se quatro semanas, um mês completo, até eu me recordar que Luís não voltara mais, nem para a cidade e nem para a escola. Após mais três dias, senti uma nostalgia pela história que vivi em meus primeiros dias na cidade, e pareciam bem diferentes de minha realidade atual.
Nessas noites sonhei com Luís, acordei algumas vezes sentindo sua presença. Voltava a dormir logo na sequência. Mas mantive minha rotina com normalidade, sem revelar a ninguém o que sentia.
Emilly me enviou uma carta contando sentir minha falta, descreveu uma viagem que fez com os tios e afirmou que não voltaria mais a cidade.
O texto me lembrou a nossa despedida e só fez aumentar meu sentimento de culpa por seu sumiço súbito. Passou um filme em minha cabeça, me recordei de nossa amizade com um sentimento de luto, como se minha amiga não fosse mais retornar.
Relembrei de nossas conversas, os dias em que ficávamos juntas, as aulas em que nos divertíamos e as aulas que quase dormíamos na mesa. Lembrei-me de como tudo mudou depois do sumiço de Suelly e como brigamos depois que tudo se resolveu.
Meus pesadelos voltaram a ser frequentes, assim como a sensação de estar sendo acompanhada por alguém dentro de minha casa, e pelas ruas da cidade. Na maioria das vezes eu revia aquele cara de capa preta atacando Emilly, e logo depois se tornava Wilson, a imagem que construí desse homem em minha mente.
Em outras noites o vulto na capa era Luís com aquele olhar todo irresistível que de repente me atacava. O mais aterrorizante era dor que eu sentia em meu corpo como se realmente acontecesse comigo tudo que acontecia no sonho, e acordava com a sensação de estar sendo abraçada.
O resultado foi que, todos os dias eu acordava muito assustada e ansiosa para ver o Luís, chegava na escola cansada, e me decepcionava ao não vê-lo. Passava meu dia no Café com minhas amigas e retornava para casa onde tinha novos pesadelos.
Um dia, depois da escola, resolvi mudar minha rotina e caminhar pela cidade.
Fui andando sem olhar para trás, nem prestar atenção para onde estava indo. Parei e me sentei em um gramado, no meio da floresta, onde fiquei o resto do dia, na verdade, acabei dormindo ali.
Foram muitas noites mal dormidas e aquele local me passou uma calma tão grande que foi fácil fechar os olhos e dormir. Senti a brisa fria passar em meu corpo, e a grama-rasteira raspar em meus braços.
Trazendo em minha mente a recordação de Luís, e seu sorriso, aquele olhar hipnotizante, aquele jeito todo sério de andar, suas aparições súbitas e todo aquele romantismo da última vez que nos vimos, quando quase nos beijamos em minha casa. Arrependi-me de ter perguntado por Emilly, e não ter tentado tornar real meu desejo por beijá-lo.
Um barulho me acordou.
Percebi estar perdida na floresta, sem fazer ideia de como cheguei até ali. Meio sem saber para aonde ir, caminhei buscando alguma luz ou sinal de estar próxima da cidade. Consegui chegar até o Café, e percebi minhas amigas aflitas com minha ausência. Tranquilizei ambas afirmando ter tirado um dia para descansar, e retornei para minha casa.
Fiquei em meu lar no dia seguinte, não quis ir à escola, já sabia que meus dias seriam sempre os mesmos, e quem eu mais queria ver não apareceria para a aula. Fiquei quieta no sofá observando o movimento da cidade pela janela.
Dandara foi me ver, afirmando estar preocupada com meus comportamentos, me lembrando que eu não estava mais sozinha, que podia contar com ela e sua avó.
Convenci-me a não pensar mais no Luís, ele não iria voltar.
Estava cansada de sofrer por isso.
Voltei a frequentar a escola e diariamente depois das aulas, seguia para o Café retomando minha rotina.
Logo me dei conta que três meses haviam se passado. Com os meus dias agitados, sem muito tempo para sequer sentar em meu sofá ou dedicar minutos para meu cabelo, passei dias com um coque e um batom que me deixava quase sem cor nos lábios.
Percebi que nesse corre-corre diário não reparei quais roupas havia colocado.
Olhei-me no espelho, algo que ultimamente não tive tempo de fazer ou não me deixei fazer. Notei que minha calça estava suja e meu uniforme amassado, então me dei conta de ter ido às pressas para as aulas sem ver como estava, passando o dia todo com a mesma roupa e a imagem de descuido.
Como dessa vez eu tinha tempo, me vesti como queria. Coloquei uma playlist para tocar e ao som de "Rocking Chair", me troquei umas quatro vezes. Por fim encontrei uma saia, jeans com pregas, uma blusa rosa e minha boina branca, que estava jogada no chão do meu quarto desde a mudança.
Pela primeira vez em semanas saí de casa com bastante tempo. Observei todo o caminho até a escola.
A casa dos meus vizinhos que variavam entre azul, amarelo, branco e vermelho, e também seguiam uma sequência de um e dois andares com jardins maravilhosos e todos com portões baixos e coloridos.
Fui acompanhando os cachorros, que já cedo saiam de suas casas para passear na praça redonda e com um palco no centro. O Café de Dona Rosa abrindo às portas, com janelas de vidro e algumas pessoas conversando ao entrar, totalmente desatentas do mundo aqui fora.
Enfim, me aproximei do portão da escola, e como num ato involuntário, virei em direção a uma estrada velha e escura que nunca havia visto antes.
Parei, olhei para trás e cheguei a uma conclusão um tanto surpreendente: minha escola era distante da cidade e o único acesso a ela era pela misteriosa estrada que passava pela cidade e seguia em direção a uma floresta fechada a mesma estrada por onde em outro ponto caminhei com Luís a procura de Suelly e suas irmãs. Caminho semelhante ao descrito por Suelly quando me contou sobre o dia em que se encontrou com Wilson após a festa de recepção dos alunos.
Nesses segundos que fiquei parada meu coração disparou e, em outro impulso, dei novamente um passo em direção a uma trilha quase imperceptível na floresta, mas recuei e com pressa entrei na escola.
Antes de chegar ao pátio voltei a andar calmamente, recuperei meu fôlego e entrei. Assim que parei em frente a minha sala, me virei para trás e todos ao meu redor me olhavam atentos. Ao mudar minhas roupas, mudei também a rotina dos alunos que se deparavam comigo no corredor da escola, sempre do mesmo jeito.
As aulas foram bem divertidas, a maioria dos meus professores disseram que eu estava cada vez melhor nos estudos. No intervalo fui ao jardim onde conversei uma vez com Luís, e fiquei sentada olhando para o céu, comecei a notar o movimento das nuvens dançando com os ventos, e sombras em meu rosto.
Voltei para a sala onde tive outras aulas tão interessantes quanto as primeiras. Ao término dos estudos, segui para o Café, surpreendendo minhas amigas com meu visual mais escolhido atentamente.
Quando cheguei em casa, já era noite. Recebi a ligação de meus pais, contando sobre a decisão de permanecer em minha cidade. Eles explicaram sobre o novo empreendimento que decidiram abrir, e a reação de meus antigos amigos ao saber do retorno da família. Senti muita saudade deles, e fiz alguns planos para meu retorno ao final do Ensino Médio. Assim que a ligação acabou, deitei em minha cama e dormi.
Por duas semanas não me atrasei e mantive me arrumando diariamente, me olhando com calma no espelho.
Foi como se só agora o ano começasse de fato.
Nos dois meses finais do ano me mantive morando na cidade e me familiarizando com todos seus moradores, conhecendo ainda mais pessoas. Decorei o nome e os pedidos que quase não variavam de uma pessoa para outra, em alguns dias fazia entregas à domicílio, o que me ajudou a saber o endereço de todos na cidade.
Minhas aulas pareciam passar mais rápidas, trazendo o fim de mais um ano letivo.
Em minhas férias fui à casa de meus pais em minha cidade natal, onde reencontrei quase todos do meu bairro, com exceção de Andy e Eigue, que foram ao encontro da avó de minha amiga, já em seus últimos dias de vida.
Para minha surpresa, meus pais tinham novidades sobre a cidade toda. Dona Nanci havia se mudado para o centro da cidade, numa casa que possibilitava ver ainda mais coisas que a anterior, e seguia patrulhando as informações da vida de todos.
Seus netos estavam morando na mesma casa, mas agora não tinham a presença de um adulto, e realizavam festas, dia sim e dia não, causando incômodo aos vizinhos e se envolvendo em algumas confusões. O mercadinho abriu espaço a um shopping, que continuava sendo o mesmo comércio de sempre, contudo agora vendia tapetes e objetos de decoração.
O mais surpreendente foi quando descobri que meus melhores amigos, agora estavam namorando, e pareciam um casal bem apaixonado indo para todos os cantos juntos, na verdade, segundo meus pais, eles estavam ainda mais inseparáveis que antes.
Matei as saudades de meus pais, contei sobre minha nova rotina e os amigos que fiz nos meses que se passaram. Omitindo um pouco sobre o desparecimento de Luís e a viagem de Emilly que se tornou uma mudança em definitivo.
Em partes, essas eram recordações difíceis e doloridas, em outras, eram também complicadas para explicar sem demonstrar meus sentimentos. Essa viagem era minha maneira de fugir dos meus sentimentos e pensamentos.
Retornei para casa assim que as férias acabaram.