Quando voltei à consciência, estava um pouco enjoada e zonza. Deitada em uma sala muito clara e com cinco pessoas me olhando assustadas. Não consegui, de imediato, distinguir ao certo quem eram as cinco pessoas. Enxerguei alguns vultos que foram ganhando forma.
Na pressa me sentei na maca.
Como resultado tudo a minha volta girou bem rápido, mas pude ver meus pais apavorados bem na minha frente, e acabei me deitando novamente. Foram necessários alguns minutos até a tontura diminuir.
Senti uma dor no meu estômago e no meu corpo todo, parecia que eu havia apanhado muito. Uma surra bem dada.
Recordo-me de sentir meu pai me carregar da enfermaria até um carro e depois, até meu quarto, onde dormi novamente. Assim que acordei recebi toda a atenção dele e de minha mãe, que permaneceram o dia inteiro em casa.
No dia seguinte permaneci enjoada e, por insistência de minha mãe, fui a um médico. Este, confirmou minha pequena suspeita. Eu estava com princípio de infecção alimentar.
Não me surpreendi, afinal, ultimamente eu estava com muita pressa e havia me esquecido de me alimentar adequadamente ou no local ideal. Como consequência, o médico me indicou alguns remédios, e repouso também, para uma recuperação melhor.
O que foi um alívio, já que o efeito dos medicamentos era uma maior sonolência.
Meus pais preocupados me impediram de seguir a rotina que me habituei a ter depois da mudança. Forçando-me a ficar o resto da semana em casa, especificamente, no meu quarto.
Tive tempo suficiente para observar o passar dos dias pela janela ao lado de minha cama. Do mesmo modo que, em virtude da medicação consegui juntar pouco ânimo para me levantar da cama tomar banho, passando alguns minutos zonza e enjoada.
Permaneci assim nos dias que se seguiram até o final de semana.
Assim que amanheceu, no sábado, acordei mais disposta. Tomei o café matinal ao lado de meus pais na cozinha, e, após a refeição, me sentei na sala para assistir ao noticiário. Logo após, retornei ao meu quarto e, na cama, comecei a ler um livro que ficara em minha cabeceira por alguns dias.
A leitura foi interrompida quando ouvi uma conversa que vinha do início do corredor próximo à cozinha. Notei que minha mãe estava falando com alguém, e minhas suspeitas se concretizaram quando esta voz chegou à minha porta.
Era Luís, que conduzido pela minha mãe, entrou no meu quarto sorridente, com alguns cadernos na mão:
— Oi Lucy, tudo bem? — ele disse caminhando em minha direção.
— Oi, estou bem… — respondi envergonhada escondendo-me embaixo da coberta até os ombros — E você? — completei.
— Melhor agora! — afirmou sentando-se ao meu lado — Nós… Temos o trabalho de literatura para terminar. Posso entregar ainda hoje, se concluirmos o último tema — completou abrindo um dos cadernos.
— Eu já estava esquecendo este trabalho, nem percebi que os dias passaram tão rápido — ironizei movendo a mão para indicar a minha cama, e nós rimos.
— Como têm sido esses dias de descanso? — questionou, me olhando fixamente.
— Chatos! — respondi sorrindo — Me cansei de ficar nesta cama, e para piorar, eu mal consigo me levantar por alguns minutos e o enjoo reaparece.
— A medicação não está ajudando? — indagou surpreso entregando o caderno em minha mão e procurando um estojo em sua bolsa.
— Está sim, comecei a sentir fome ontem, só preciso de mais alguns dias para ficar boa de verdade… — respondi respirando fundo para me concentrar no trabalho.
— Você sabe por que desmaiou? — ele continuou, ainda sem me olhar.
— Infecção Alimentar — respondi revirando os olhos, pouco depois ele sorriu.
— Você me deu um grande susto desmaiando na escola… — ele explicou balançando a cabeça — Ficou quase uma hora desacordada, e quando acordou ainda quis ir levantando da maca como se nada tivesse acontecido — concluiu sorrindo com a mão na cintura.
Por um segundo senti um frio caminhar pela minha espinha dorsal, especialmente após concluir que ele estava na enfermaria quando acordei, e era um dos cinco vultos que me cercavam, ao lado de meus pais. O mais embaraçoso: ele me viu desmaiada e se preocupou.
Tentando seguir com a conversa e disfarçando para não ser flagrada em minha surpresa, segui falando:
— É, isso foi uma loucura! Ainda me sinto zonza quando me lembro deste dia — respondi enquanto ele parecia se divertir com a recordação.
— Eu também estava lá, mas tive que sair antes de você acordar… — ele interrompeu entregando uma caneta.
— Você me viu desmaiada? — questionei arregalando os olhos.
— Claro! — ele exclamou — Fui quem levou você para enfermaria. Rita ficou assustada e correu chamando por alguma ajuda, eu estava passando pelo corredor e… — completou movendo os ombros com um sorriso tímido.
— Ninguém me contou isso — afirmei séria balançando a cabeça com a boca entreaberta — Imaginei que fosse algum professor que passava por perto na hora.
— Era eu. O aluno que estava por perto na hora — ele me corrigiu estufando o peito ao gesticular para si com a mão.
Desviando o olhar mantive uma expressão serena, enquanto minha mente vagava em muitos pensamentos vergonhosos, sobre meu peso e a dificuldade que deve ter sido para ele me levantar, e os alunos no corredor que viram essa cena e devem estar comentando até hoje. Contudo, recuperando a concentração na conversa, segui agradecendo:
— Obrigada! — agradeci sorrindo timidamente — Mas você me carregou sozinho? Não precisou de mais uns três homens? — questionei-o e, ao mesmo tempo, ele riu alto divertindo-se com minhas perguntas.
— Você não é tão pesada quanto pensa. Achei bem leve, na verdade, mesmo desmaiada — afirmou ao me olhar com sinceridade.
Assim que concluiu sua fala, Luís notou meu cansaço e voltou sua atenção para o caderno. Passamos alguns minutos conversando sobre o trabalho, antes dos efeitos da minha medicação surgirem.
No início comecei a bocejar, depois passei a não lembrar algumas palavras, o ápice se deu quando fechei os olhos por mais de um minuto e acordei assustada com o balançar de minha cabeça. Foi então que Luís sorrindo se levantou, afirmando ter o suficiente para a entrega do trabalho, deixando em meu colo alguns dos seus cadernos, para eu poder repor o conteúdo que perdi nos dias que me ausentei da escola. Por fim, ele se despediu caminhando em direção à porta, por onde saiu rapidamente.
Minha sonolência aumentou pouco tempo depois. Ajeitei meu corpo na cama e sem muito esforço dormi profundamente. Lembro-me de ter um primeiro sonho com o lindo sorriso de Luís e uma névoa que foi apagando-o em minha consciência.
Acordei um pouco mais tarde, refletindo sobre ele novamente, que sempre se mostrou muito simpático e educado, o oposto de sua namorada, que fez questão de sempre esnobar as pessoas a sua volta. Passei alguns minutos pensando nos dois, mas logo voltei a sonhar, desta vez foi com os meus antigos amigos e a saudade que sentia deles, e de poder contar sobre minhas novas experiências na cidade inóspita que acabei de me mudar. Minha noite foi longa, com sonhos ora nostálgicos, ora entusiasmados com o que poderia acontecer nos próximos dias.