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O Guardião dos Paradoxos

🇧🇷Sete_Noites
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Synopsis
Quando eu era mortal, meu talento era incomparável e ninguém podia se opor à minha vontade. No entanto, como transcendente, fui considerado medíocre. Mesmo assim, fiz meu caminho até o topo, utilizando os corpos daqueles considerados gênios. Mas para quê? Assim como qualquer outro mortal, minha única companhia eram os meus arrependimentos. Portanto, busquei algo que nem o mais louco ousaria tentar. E no momento em que pensei ter conquistado a eternidade, falhei. Justamente no instante em que não poderia haver espaço para erros, perdi tudo. No entanto, em meio ao desespero, surgiu uma faísca de esperança. Ou será que isso é apenas um castigo pelos pecados que cometi durante minha jornada em busca de realizar meus desejos?
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Chapter 1 - Prólogo

Dentro de uma mansão luxuosa, havia um quarto que se destacava dos demais. Era pequeno, abafado e sem janelas, fazendo o mofo nas paredes exalar um cheiro nauseante. Uma cama de solteiro com lençóis manchados estava encostada em um canto. Ao lado, uma escrivaninha posicionada cuidadosamente, com alguns livros empilhados sobre ela e uma lamparina apagada.

Trancado neste quarto, sentado na cama e curvado sobre a escrivaninha, estava um jovem de cabelos dourados curtos e desgrenhados. Seu rosto infantil e oval contrastava com um nível de concentração que desmentia sua idade. Olhos prateados, emoldurados por olheiras profundas, indicavam que fazia um tempo relativamente longo desde que ele descansará.

Seu corpo tremia enquanto ele murmurava palavras em uma língua desconhecida. Suas mãos deslizavam de forma frenética, segurando uma caneta tinteira com força e escrevendo nos papéis espalhados por toda parte. A tinta preta formava símbolos intrincados e desesperados, como se cada linha fosse uma luta contra o tempo e o espaço.

De tempos em tempos, ele colocava as mãos sobre a cabeça e gemia de dor. Seus olhos se arregalaram, cheios de confusão, enquanto olhava ao redor como se estivesse tentando lembrar onde estava. Então, com um suspiro cansado, voltava a murmurar coisas estranhas e pegava uma nova folha de papel, recomeçando o ciclo frenético de escrita.

Contudo, o que o jovem não percebeu era que, devido à força que aplicava na caneta, os papéis estavam sendo rasgados, e as palavras estavam sendo entalhadas na escrivaninha.

Não se sabia há quanto tempo esse ciclo de loucura se repetia, até que finalmente aconteceu uma mudança quando a porta se abriu.

O jovem teve sua atenção desviada e, com a quebra de sua concentração, o cansaço acumulado o atingiu de uma só vez, fazendo com que sua cabeça caísse sobre a escrivaninha, inconsciente.

"Merda..." Uma voz grave foi ouvida quando o homem que abriu a porta viu a situação dentro da sala. "Porra... quem diria que esse pirralho de merda não conseguiria lidar com um único fracasso e já estaria à beira da morte em menos de três dias."

Por um momento, passou pela cabeça do homem simplesmente ignorar a situação e fingir que não sabia de nada. Porém, as consequências seriam ainda piores do que assumir a responsabilidade por ignorar o bem-estar do filho de um nobre, mesmo que este nobre não desse a mínima para aquela criança.

Logo, os gritos do homem foram ouvidos pelos corredores da mansão.

As servas entraram em ação rapidamente, vieram buscar o jovem para levá-lo até um médico. Seus corpos pequenos carregaram o rapaz para fora do quarto minúsculo. Somente quando o haviam banhado, substituído as suas vestes por tecidos de melhor qualidade e o colocado em um quarto maior, arejado e mobiliado com móveis de luxo, foram buscar o doutor para examiná-lo.

Enquanto isso, outras criadas jogaram fora os papéis com rabiscos e limparam o quarto, eliminando qualquer evidência do que havia acontecido recentemente. Em poucos minutos, até o cheiro horrível do mofo desapareceu.

Durante a limpeza do quarto, o médico chegou e usou diversos aparelhos estranhos para fazer todos os tipos de medições e determinar a condição do jovem. O diagnóstico foi uma crise de ansiedade causada por estresse, pois, além das leves lacerações nas mãos devido à força usada para segurar a caneta, não foi detectada nenhuma anormalidade física ou mental.

Depois de ser medicado com alguns sedativos leves para garantir o descanso, o jovem foi colocado em sua cama agora com lençóis limpos.

A única evidência de que algo anormal aconteceu são os entalhes na escrivaninha.

Algumas horas depois, o efeito dos analgésicos passou e o jovem acordou sozinho em seu quarto mais uma vez. Com os olhos nublados e ainda cansado, ele fez um esforço para se sentar na cama. Observando suas mãos, ele notou algumas ataduras na mão direita, mas não se importou e as levou lentamente à cabeça, que pulsava devido à dor.

O ranger discreto da madeira da cama e das tábuas do assoalho ao se mover foi suficiente para chamar a atenção do homem de guarda do lado de fora. Antes que o garoto no quarto fizesse algo imprudente novamente, ele entrou abruptamente, empurrando a porta com força e causando um estrondo.

"Miguel, o que você estava pensando? Só porque falhou na cerimônia do despertar de linhagem, você já está desistindo? Tem ideia de como o Lorde ficou preocupado? Você..."

Imediatamente após entrar no quarto, o homem começou um discurso para repreender Miguel. Toda vez que via o olhar confuso nele, com os olhos vagando pelo quarto e fixando-se nas paredes ou no teto, ele ficava mais irritado e continuava falando mais e mais alto, sua saliva espirrando e as veias do pescoço tornando-se salientes.

Por outro lado, Miguel, que tinha acabado de acordar, olhava para o homem de meia-idade com cabelos grisalhos, vestindo um smoking preto e luvas brancas, pensando:

'Não importa o mundo, todos os mordomos parecem ser forjados do mesmo molde, que estranho...'

Quanto à palestra diante dele, Miguel estava tendo dificuldade para entender o idioma; afinal, a última vez que ouviu algo parecido foi há milhões de anos.

Para dificultar ainda mais, a linguagem corporal do mordomo e suas expressões eram o oposto das palavras que pronunciavam.

Na maior parte do tempo, o mordomo exalava desprezo, apesar de falar sobre sua preocupação com a segurança de Miguel. No restante do tempo, ao descrever os deveres de um nobre, sua voz carregava uma mistura de inveja e descaso.

Miguel passava por um dos momentos mais confusos de sua existência: de lutar contra Deuses e Demônios, para de repente acordar e ser gritado por um mordomo numa língua do seu passado que nunca pensou em ouvir novamente.

Com o tempo, algumas de suas memórias da juventude foram retornando, memórias de um passado distante que Miguel pensou nunca mais revisitar. Seu corpo também parou de tentar usar poderes e sentidos comuns para uma Existência Superior, mas que não faziam mais parte de sua constituição.

Tudo isso aconteceu como uma tentativa inconsciente de manter-se vivo.

"... as aulas contratadas para você já começaram dois dias atrás, e aqui está você, trancado no seu quarto, fazendo sabe-se lá o quê..."

Aos poucos, seu corpo foi se ajustando, e a dor e o desconforto diminuíram, até que finalmente Miguel pronunciou as primeiras palavras coesas em dias.

"CALA A PORRA DA SUA BOCA!" Sua voz estava fraca, rouca e mal podia ser ouvida pelo mordomo, mas carregava uma autoridade inquestionável, igual à de um imperador.

Com um olhar atordoado, o mordomo o encarou em silêncio enquanto dava um passo para trás, assustado. Após um segundo processando o que acabara de ouvir, preparou-se para defender sua dignidade.

Miguel não deu oportunidade para o mordomo continuar.

"Por que você não aproveita que está livre o suficiente para encher a minha paciência e vai preparar o café da manhã?"

Sem dar chance para o mordomo responder, Miguel se levantou com dificuldade e caminhou para fora do quarto. Passou pelo mordomo, que o encarava surpreso e sem saber como reagir ao surto do filho do seu Senhor.

O mordomo só se moveu quando Miguel não estava mais à vista.

"Lixo arrogante..." murmurou, mas logo olhou ao redor com medo que alguém pudesse ouvi-lo. Um servo não deve amaldiçoar seus mestres sob nenhuma circunstância.

Com o rosto repleto de raiva e menosprezo, ele deu uma olhada no quarto minúsculo, enfatizando os rabiscos cravados na madeira da escrivaninha. Sentiu-se atraído por eles, como se uma força magnética o puxasse para aquelas gravuras e suas linhas tortas contasse um segredo profano.

Por algum motivo estranho, decidiu entregar a escrivaninha para seu mestre. Talvez ele pudesse encontrar uma utilidade para aquilo e assim evitar a punição por sua negligência.

Depois de balançar a cabeça, o mordomo saiu do quarto para cumprir os pedidos do filho do seu mestre. Não importa o que ele pense, se algo acontecer com o pequeno bastardo, as consequências seriam sérias, e até a permanência de sua cabeça colada ao pescoço não seria garantida.

Miguel se arrastava pelos corredores desolados da mansão, cambaleando em direção ao refeitório. Sua expressão contorcida denunciava a turbulência interior pela qual estava passando. Memórias de um passado distante ou de um futuro próximo flutuavam pela sua mente, confundindo seus pensamentos e deixando-o em um estado de agitação constante.

Ele seguia as últimas recordações antes de acordar no quarto de sua infância, lembrando-se da caçada constante e dos inimigos infinitos que se aglomeravam em sua direção. Ele não sabia o resultado, mas devido à situação atual decidiu acreditar que falhou, que perdera a batalha e que, provavelmente, estava preso dentro de uma ilusão ou talvez outra armadilha mental criada por seus inimigos para quebrar sua mente e roubar os segredos de sua ascensão.

É uma possibilidade intrigante.

A ideia de uma técnica tão poderosa capaz de impactar não apenas seu corpo, mas também sua mente, é fascinante e assustadora. Isso poderia explicar as lacunas em sua memória, a confusão que experimentou desde que acordou e o sentimento constante de ser observado que vem de todas as direções possíveis.

Existem inúmeros problemas com essa linha de pensamento, mas ainda é a melhor explicação para tudo o que está acontecendo.

Embora as chances de um ser quebrar as Leis de um dos Dao Tabu sejam nulas, Miguel não pode deixar de cogitar a ideia de retornar ao passado. Afinal, esse foi seu maior objetivo ao longo da vida.

Porém, Miguel, mais do que ninguém, conhece a impossibilidade desse ato. Se fosse para fazer um paralelo, ele sente que acabou de aprender pessoalmente como se sentiam os viciados em jogos frequentadores de cassinos, pessoas que tanto desprezava.

Os cassinos são construídos para ganhar dinheiro, a casa nunca perde, e mesmo assim existem aqueles tolos que acreditam ser especiais, que a sorte os favorece, e que só precisam de mais uma aposta para ganhar uma fortuna.

Só mais uma vez, e todos os seus sonhos e desejos serão realizados, fama e sucesso a um passo de distância.

Igualmente, mesmo contra sua vontade, Miguel se vê fantasiando sobre ser sortudo o suficiente para ser agraciado com uma segunda chance depois de tudo o que suportou ao longo de eras.

Para um homem com tantos arrependimentos, a esperança de corrigir essas falhas não é uma bênção, mas um veneno potente que pode acabar por destruí-lo.

Portanto, Miguel optou por adotar uma abordagem prudente, avançando com cautela em direção ao desconhecido.

Embora a inatividade vá de encontro à sua natureza, ele reconhece a necessidade de parar, refletir e reunir informações antes de agir.

Afinal, compreender sua situação atual e identificar os fios que regem seu destino são passos essenciais antes de tomar qualquer decisão. Para Miguel, neste momento, o medo não reside na morte, mas sim na possibilidade de agir precipitadamente e enfrentar consequências desconhecidas.

Mais do que qualquer outro na longa história do universo, Miguel conhece as repercussões de tomar decisões erradas, e existem muitos finais onde a morte seria um prazer a ser abraçado em comparação com as opções alternativas.