Miguel acordou com um gemido, cada movimento trazendo uma nova onda de dor que reverbera em seus músculos. Praticar todas as onze posturas da Técnica de Sublimação Corporal ontem foi equivalente a uma rodada inteira de treinamento corporal intenso para um Mortal comum. As coisas não tinham sido tão ruins anteriormente, mas agora, levando a prática a sério e forçando seus limites.
Ao se alongar após sair da cama, Miguel sorriu. As sete cores distintas das milhares que compõem o seu Mundo Espiritual brilhavam em seu Espaço Mental, cada uma pulsando com uma nova intensidade: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, índigo e violeta.
Mesmo com dor e fadiga, Miguel mordeu o lábio para conter um gemido, mas deu um passo à frente e iniciou seu treinamento diário da Técnica de Sublimação Corporal. Tudo dentro da categoria de Cultivo Físico exige um esforço constante. Se o usuário ficar alguns dias sem praticar, seu progresso será perdido.
Essa é a maior barreira do Cultivo Físico: enquanto o Cultivo Espiritual depende de epifanias e sorte, o Cultivo Físico requer trabalho árduo constante e uma força de vontade inabalável.
Na teoria, é o caminho mais fácil para o poder: treine seu corpo até a exaustão, alimente-se bem e descanse, depois repita. Na prática, é raro encontrar uma pessoa que sempre dá o seu máximo em busca de superar seus limites.
No quesito força de vontade ninguém poderia se comparar com Miguel. Ele passou a maior parte da vida lutando contra pessoas e organizações mais poderosas do que ele e ainda dominou uma Lei capaz de levar a mais sábia das criaturas à loucura. Por outro lado, os humanos buscam sempre a satisfação e a recompensa. Até Miguel, com todas as suas qualidades, não deu muita relevância para a Técnica de Sublimação Corporal no início. Se não fosse um instinto arraigado em seu corpo, provavelmente não teria começado a praticar nesta nova vida.
Depois de alguns minutos deitado no chão, ofegante e embebido em suor, Miguel observou que todas as posturas alcançaram no mínimo 1% de conclusão, exceto pela postura do Polvo devido à sua complexidade por envolver o órgão mais importante do corpo para um Mortal: o cérebro.
Era o terceiro dia de prática para Miguel. Se alguém entrasse agora e visse seu corpo, não notaria nenhuma diferença. E essa é a verdade: houve progresso no Cultivo Físico de Miguel, mas pode ser considerado desprezível. Se ele quiser atingir o limite do primeiro reino do Cultivo Físico, o reino do Fortalecimento, serão necessários anos de investimento e, no mínimo, um mês para ver algum resultado.
O único motivo para Miguel ter um caminho mais suave é a nutrição gerada pela Técnica de Sublimação Corporal, convertida das suas impurezas. Mesmo assim, o tempo será reduzido para duas a três semanas no máximo.
Hoje era um dia especial em que os nobres realizavam festividades, então não haveria aulas de pintura. A melhor parte para Miguel era que o balneário dos servos estaria em serviço, e ele finalmente poderia tomar um bom banho. A redução de impurezas circulando o seu corpo por meio da Técnica de Sublimação Corporal diminuiu levemente o seu odor corporal, mas nada se compara a um bom banho para se sentir limpo e refrescado.
Com um suspiro, Miguel recolheu suas roupas usadas e sujas, junto com os lençóis da cama, e se dirigiu na direção oposta ao refeitório. No caminho, parou em uma sala e deixou as coisas que carregava dentro de um cesto antes de continuar pelos corredores até o balneário.
Sem se importar com a nudez de todos os presentes, encontrou um lugar vazio na grande piscina e mergulhou na água gelada, esfregando a sujeira do corpo. Os servos e criadas o observavam com raiva e inveja; mesmo sendo tratado pior do que alguns dos filhos bastardos do seu pai, sua vida ainda era muito melhor do que a dos plebeus neste mundo.
Depois de se limpar, Miguel se secou com uma toalha velha e manchada. Vestiu um novo conjunto de roupas e se dirigiu ao refeitório, onde, por ser um dia especial, pôde comer um ovo duro por ser cozido demais, um pouco de arroz, a boa e velha sopa aguada, e seu pão duro habitual.
Empolgado para retornar à sua leitura, Miguel foi parado no meio do corredor por Giovanni. "O Lorde deseja vê-lo." Miguel, absorto no mundo da arte, havia esquecido que já fazia uma semana desde que falhou na cerimônia do despertar da linhagem. Embora soubesse o que aconteceria a seguir, acenou com a cabeça e seguiu em silêncio atrás de Giovanni.
Conforme avançavam mais profundamente na mansão, os corredores ficavam mais largos e bem iluminados. As tochas eram substituídas por esferas luminosas que preenchiam cada canto da passagem, e quadros e decorações luxuosas, como lustres e castiçais, começavam a surgir na sua visão.
Logo, Miguel se aproximou do seu destino, ficando de frente para uma porta de carvalho envelhecido. Observando com atenção, notou a semelhança entre esta porta e aquela presente no centro do seu Espaço Mental. Esse é o peso e a influência que seu pai teve durante sua vida. A maior parte dos seus encontros ocorreram neste escritório, que ficou marcado na sua mente como um lugar de poder, autoridade e respeito.
Giovanni entrou no escritório e, depois de um tempo, retornou. "O Lorde vai recebê-lo agora." Miguel entrou no escritório e notou que estava exatamente igual ao que se lembrava. O chão tinha um carpete vinho extremamente macio, a parede da esquerda possuía uma estante repleta de livros, enquanto a da direita tinha um mapa completo do Continente de Prari com a divisão territorial de cada nobre. No fundo, havia um vitral enorme com a imagem de um leão que, conforme o sol nascia, iluminava a sala em um tom de dourado exuberante.
Atrás da mesa de mogno no centro da sala estava um homem alto, de pelo menos 1,90 metro de altura, com cabelos longos e dourados. Ele possuía um rosto fino e elegante, com as sobrancelhas cuidadosamente aparadas e olhos da mesma cor de seus cabelos. Vestido com roupas de seda pura, uma camiseta branca e uma calça preta, sapatos de couro e uma túnica vermelha com um enorme brasão de leão nas costas, estava Octávio Eklere, Duque da casa Eklere e pai de Miguel.
No momento, Octávio estava totalmente focado em uma pedra e não se dignou a virar a cabeça para encarar Miguel. Giovanni logo correu para assumir sua posição atrás de Octávio. "Meu Lorde, a criança está presente." Olhando brevemente para cima, Octávio passou os olhos por Miguel antes de falar: "Este é Davi, e ele será o responsável pelo seu treinamento de cavaleiro. Você parte com ele em uma semana."
Octávio acenou com a mão para expulsar todos da sala. De uma poltrona que estava de costas para a porta do escritório, levantou-se um homem baixo e careca, usando uma armadura de ferro escuro de segunda mão. Davi e Miguel curvaram-se levemente na direção de Octávio e disseram: "Que seja feita a vontade do Duque." Logo, ambos saíram do escritório, enquanto Octávio permanecia focado na pedra sobre sua mesa.
Desde o dia em que perdeu o controle das emoções ao vislumbrar a silhueta de Evelynn, Miguel pensava em como seria reencontrar seu pai e se seria capaz de controlar seus sentimentos. Contudo, agora que o enfrentou, percebeu o quão patético e miserável era aquele homem, o principal motivo para Miguel desprezar viciados em jogos de azar.
Do ponto de vista de Miguel, este era um homem condenado a fracassar na vida. Sem o seu apoio, nunca seria capaz de realizar nada de relevante. Aquela pedra na sua mesa era só um dos muitos métodos que encontrou para desperdiçar a fortuna dos ancestrais. Era uma maneira popular de aposta entre os nobres: comprar uma pedra, parti-la ao meio e rezar para encontrar um pedaço de jade.
O encontro foi breve e muito menos emocionante do que Miguel esperava. Se houve alguma emoção envolvida, foi a vergonha ao lembrar de como, no passado, ao receber a notícia de que teria que se tornar um cavaleiro, chorou e implorou para não ser jogado fora. E talvez um pouco de culpa, pois Davi era um dos filhos bastardos do seu avô, meio-irmão de seu pai e irmão de sangue do tio que viria a ser assassinado por Miguel.
Já fora do escritório, Miguel se virou para Davi e se curvou enquanto o cumprimentava:
"Boa tarde, senhor. Meu nome é Miguel e estarei sob os seus cuidados no futuro."
Davi riu alto.
"Hahahaha, até os bastardos choram e reclamam quando são colocados para fora de casa, mas você, o primeiro filho de um casamento legítimo que foi expulso, não está fazendo um espetáculo… muito interessante."
Davi analisou Miguel de cima a baixo. "Uma pena. Os outros vão estar na vantagem por causa do trabalho braçal que foram ensinados desde pequenos. Você não tem um grama de músculo nesse corpo magricelo. Espero que não acabe morto depois de um dia de treinamento."
"Não se preocupe, senhor. Vou fazer o meu melhor para resistir até o fim."
"Um bom falador, mas isso não vai te ajudar em nada no futuro."
Davi sacudiu a mão e virou as costas para Miguel, planejando voltar para onde veio, mas Miguel o interrompeu.
"Desculpe o incômodo, senhor, mas poderia lhe fazer uma pergunta?"
"E eu aqui pensando que não haveria choro… o que você quer agora, garoto?"
"Não é sobre isso, senhor. Meu avô contratou um professor de pintura e música e eu gostaria de saber se vou poder continuar com as minhas aulas?"
"Ah! É sobre isso. Você não tem com o que se preocupar. Para excluídos como nós, restam dois caminhos: aprender a lutar para nos tornarmos bucha de canhão na briga mesquinha entre os filhos legítimos ou virar servos que os ajudam a manter o território, como Giovanni. É por isso que você ainda vai poder ter as suas aulas. Quem sabe um dos seus meio-irmãos o contrate como mordomo no futuro para vender as suas pinturas como se fossem dele. Assim, você não vai precisar lutar nas linhas de frente. Hahahaha."
Com uma gargalhada, Davi foi embora, enquanto Miguel soltava um suspiro aliviado, sentindo a tensão diminuir em seus ombros.