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Chapter 15 - Conflito

Miguel passou a mão suavemente pelas fitas que mantinham seu presente embrulhado, seus dedos movendo-se com delicadeza enquanto removia as amarras e tirava a seda que envolvia o livro. Como havia imaginado, não havia título na capa, apenas couro azul com páginas grossas de pele, ao invés de papel.

O livro tinha poucas páginas, mas devido ao material, era muito grosso. Na primeira página havia a imagem de um cavalo com oito patas; na segunda, um diagrama do corpo humano com setas indicando o fluxo sanguíneo, respiratório e energético. Nas demais os padrões se repetiam com algumas poucas variações.

Miguel estava familiarizado com as imagens, mas percorreu cada uma delas com calma. Com todo o seu conhecimento acumulado, ele sabia que essa técnica era a pior que já havia visto em toda a sua vida, mas também foi o primeiro passo que deu no seu caminho de cultivo. E agora ela estava mais uma vez em suas mãos.

"Eu consegui isso especialmente para você. Eu sei que você ficou muito chateado quando falhou na cerimônia do despertar de linhagem, mas o que você está segurando agora é a técnica que eles usam para treinar seus descendentes. Não precisa se preocupar, eu fiz questão de verificar e sei que é legítima."

Maximus deve ter pensado que Miguel ainda não havia entendido a importância do que segurava nas mãos e continuou a falar.

"Agora você pode voltar para a mansão e não terá que ir treinar na fronteira do império como um cavaleiro qualquer. Quem seu pai pensa que é para mandar meu neto para um lugar daqueles?"

Miguel permaneceu em silêncio, não devido ao choque ou qualquer outro pensamento que seu avô pudesse imaginar, mas porque algumas coisas estavam entrando em perspectiva. No entanto, ele não podia se aprofundar nessas questões agora. Precisava formular uma resposta rápida, felizmente ele teve duas semanas de viagem para se preparar para este momento.

"Senhor, eu não posso aceitar isso. É muito valioso e provavelmente não poderei treinar com ela já que falhei no meu despertar. Além disso, pode te colocar em problemas com os nobres se descobrirem que me entregou algo tão precioso." Miguel não tentou criar uma frase ou discurso elaborado. O verdadeiro problema era controlar suas expressões faciais e linguagem corporal, para não expor suas verdadeiras emoções na frente de um comerciante veterano.

Sim, Miguel viveu milhões de anos e conheceu pessoas e seres com diversas personalidades e crenças diferentes, mas a maior parte da sua vida passou lutando, não lidando com política e comércio. Miguel não era um completo amador, mas comparado com pessoas que passavam todos os dias interagindo com outros sempre procurando benefício próprio, não havia muita diferença entre o Miguel de 13 anos e aquele com milhões de anos de idade.

Por exemplo, neste momento, Miguel tinha certeza de que seu avô estava mentindo porque possuía sentidos que Maximus nem sabia que existiam, junto com um conjunto de memórias dos eventos futuros. Se não fosse por isso, assim como na sua vida passada, Miguel teria aceitado e treinado nessa técnica maldita com um sorriso no rosto.

"Do que você está falando, Miguel? Fico feliz que esteja preocupado comigo, mas seu lugar é naquela mansão. Seu pai pode ser um pouco cabeça-dura e desajeitado para demonstrar sentimentos, mas eu sei que ele só quer o melhor para você. O fato de eu conseguir essa técnica é a prova disso..."

"Senhor..."

"Miguel, você não quer a chance de provar que seu pai está errado? O despertar da linhagem não é tão importante quanto você pensa; ele serve mais para estimular o poder que dorme dentro de você. Com a técnica em mãos, você pode começar a treinar. Pode ser um pouco doloroso no começo, mas em breve você assumirá seu lugar de direito na fileira dos nobres do Império Skyla."

Miguel não poderia estar mais frustrado. Ele teve que engolir seu orgulho e passar por diversos avanços no seu estado mental para ignorar a ideia de vingança e sair daquela mansão, cortar todos os laços com aquela família, e seu avô estava arruinando todos os seus planos ao empurrá-lo de volta para toda aquela situação mais uma vez.

Não importa a hora e o lugar, sentir que outro estava no controle do seu destino nunca foi agradável.

Talvez percebendo os ânimos exaltados dentro do quarto, Fábio entrou no escritório.

"O que aconteceu, pessoal? Miguel, qual foi o presente que seu avô preparou para você? Aposto que foi algo incrível..." Fábio parou no meio da fala ao perceber o item nas mãos de Miguel. "Por que você está com essa porcaria nas mãos? Max, o que significa isso?"

"Fábio, não se meta nos assuntos da minha família."

"Não me envolver? Se você não me queria envolvido nos assuntos da sua família, não deveria ter me contratado, não é mesmo? Miguel, solte essa porcaria."

Aproveitando a deixa e atendendo ao pedido do seu professor, Miguel colocou o livro em cima da mesa do escritório.

"Miguel, não escute ele. Eu sou seu avô e sei o que é melhor para você. Sem poder, você nunca conseguirá nada neste mundo."

"Lá vem você com esse discurso de merda mais uma vez. Não basta Nora, você quer sacrificar o filho dela também, Max? Vale a pena vender aqueles que você ama para conseguir algum lucro?"

"VOCÊ NÃO SABE DO QUE ESTÁ FALANDO, ENTÃO CALA A BOCA, FÁBIO!"

"OU O QUÊ? EU SABIA QUE NÃO DEVIA TER ACEITADO TRABALHAR COM VOCÊ MAIS UMA VEZ! VOCÊ NÃO MUDOU NADA!"

Os dois já estavam gritando um com o outro, encarando-se com rostos retorcidos de raiva. Fábio com os punhos cerrados e Maximus segurando uma luminária como se estivesse pronto para arremessá-la.

Miguel estava pronto para intervir, mas não foi necessário. Maximus suspirou e disse:

"Miguel, pegue a técnica. Em três dias, haverá um novo comboio para a Cidade Rugido do Leão Soberano. Espero boas notícias até lá."

Depois de falar, Maximus virou as costas, encerrando a conversa.

Miguel pegou a técnica e saiu em silêncio da sala, esperando por Fábio lá fora.

"Depois de tudo que eu te contei sobre como seu neto vivia naquela mansão, você ainda quer mandá-lo de volta para aquele inferno... Às vezes, eu não tenho certeza se você é melhor ou pior do que aqueles nobres de merda..."

Sem obter uma resposta de Maximus, Fábio saiu da sala e se encontrou com Miguel. Os dois estavam prontos para sair da casa quando uma criada veio e disse que iria guiá-los para os seus quartos. Fábio tentou recusar, mas acabou sendo persuadido por sua insistência, e eles a seguiram para os quartos de hóspedes.

Sozinho no seu quarto temporário, Miguel olhou casualmente ao redor. Para terceiros, parecia que estava admirando a decoração luxuosa, mas na verdade, estava procurando por qualquer tipo de dispositivo de monitoramento. Após garantir a sua privacidade, Miguel jogou o livro com a técnica de lado como se fosse lixo.

Miguel removeu a parte superior da sua vestimenta. Já faz quase um mês que retorna ao passado e começa sua segunda vida. Seu físico teve grandes avanços; não foi tempo suficiente para transformá-lo completamente, mas era possível ver pequenos contornos de seus músculos, e Miguel já não parecia mais uma criança desnutrida.

Começando com os mesmos exercícios básicos de cada dia, Miguel iniciou com flexões. O motivo para estar se exercitando agora era algo que Miguel aprendera nesta vida: durante o treinamento intenso, ele não tinha escolha a não ser focar no exercício e dispersar os pensamentos inúteis.

E no momento, isso era o que inundava sua mente: pensamentos inúteis.

Durante sua primeira vida no Mundo Inferior, a maior fraqueza de Miguel era sua ingenuidade. Ele foi facilmente lido e manipulado por aqueles com mais sabedoria e experiência. Estava cego e, em alguns momentos, se recusava a enxergar a verdade óbvia à sua frente. Infelizmente, esse vício não estava erradicado como Miguel gostaria de acreditar.

Muitas vezes, ao pensar no seu passado, via seu avô como um homem inocente que foi pego no meio das tramas do Duque e acabou sendo descartado quando perdeu a serventia. Miguel estava mais uma vez se fazendo de cego para uma verdade óbvia.

Ninguém acumula tanta riqueza e poder como seu avô a ponto de negociar o que deveria ser o maior segredo da nobreza sem sujar as mãos. É fácil atribuir papéis às pessoas como heróis ou vilões, mas a vida não é tão simples assim.

As coisas que viu e ouviu hoje fizeram Miguel pensar em eventos do passado que o enchiam de tristeza. Por hábito, tentou evitar ou suprimir essas emoções, mas felizmente se deu conta de que não poderia. Então, parou com os exercícios e sentou de pernas cruzadas no chão.

Miguel se esticou para alcançar sua bagagem e pegou seu caderno de desenhos. Assim como fez quando chegou à cidade, começou a folhear cada uma das suas ilustrações: o guarda preocupado que se despedia da sua família, o mercador entusiasmado com o possível lucro, a flor que crescia na sombra de uma árvore apesar da pouca luz solar que recebia, e muitos outros até parar na cópia que fez do retrato da sua mãe.

O que chamou sua atenção ao ver a pintura foi o sorriso que Nora carregava no rosto. Fez Miguel pensar nos momentos felizes que viveram juntos, mas também o fez perceber a tristeza oculta por trás dos seus gestos. Lembrou-se das noites de sua infância em que acordava e via lágrimas nos olhos sonolentos de sua mãe antes que ela o tranquilizasse e o colocasse para dormir novamente.

Levando em conta as coisas que Fábio disse e a situação de seu avô, Miguel começou a questionar o que seu avô teve que sacrificar para se tornar tão influente. Quem disse que sua mãe estava disposta a casar com um nobre para que seu avô pudesse expandir sua influência por todo o Império?

Foi neste momento que as peças se juntaram, e Miguel percebeu o que estava impedindo seu progresso no Cultivo Espiritual. As revelações e reflexões sobre sua mãe e seu avô trouxeram clareza. O gargalo que o limitava desmoronou junto com os últimos fragmentos da porta que havia no centro do seu Espaço Mental.