"Esse foi o seu plano brilhante, pequeno Max? Envolver um Reux? Acha mesmo que eles se envolveriam nos nossos problemas?"
"O que vocês querem agora?"
"Que isso, pequeno Max, somos família. Não precisamos desconfiar uns dos outros. Eu só queria conhecer o seu netinho. Não é todo dia que alguém pode ver um mestiço entre Zekle e Eklere. Eu pensei que era impossível devido à incompatibilidade das nossas linhagens, mas parece que precisamos rever os tipos de acordos que podemos formar com eles. Quem sabe não precisaremos gastar tanto com guerra e poderemos devorá-los como fizemos com os Frai."
Miguel, ouvindo a conversa através do seu Sentido Divino, ficou surpreso com a nova revelação. Não pelo fato de um Ducado ter causado a queda de outro, mas pela breve fala do seu avô. Ele não disse "você", mas "vocês", indicando que Paulo não estava sozinho. Isso explicava por que Paulo tinha tempo livre para vir até a casa de outra pessoa só para irritá-lo.
Essa foi a única informação útil que Miguel conseguiu da conversa entre Paulo e Maximus. O resto do tempo, Paulo fazia comentários sobre Nora ou Elena, tentando irritar Maximus, que era forçado a segurar sua raiva e aguentar tudo calado.
Ficou evidente que ambos tinham uma história no passado, justificando alguém perder tanto tempo provocando outra pessoa.
Quando Miguel estava se aproximando dos quartos de hóspedes, Paulo estava perto da borda do seu Sentido Divino. Se ele se afastasse mais alguns metros, Miguel perderia a noção da sua posição. Portanto, Miguel começou a usar uma habilidade de sua vida passada para canalizar seu Sentido Divino.
Sempre que Miguel libera seu Sentido Divino, ele surge como uma esfera com um raio de 20,7 metros, desperdiçando metade ao tentar ver abaixo do solo. Como as paredes já causam interferência devido à sua densidade, é comum moldá-lo em outros formatos. Por exemplo, um hemisfério (meia-esfera). Essa modificação simples aumentou o raio de alcance do seu Sentido Divino para 26 metros.
Caso Paulo saísse da mansão, Miguel poderia formar um feixe circular comprimido em um raio de 2 metros, permitindo ver a uma distância máxima de quase 3000 metros. Isso pode dar a impressão de que Miguel consegue ver uma grande distância, mas comparado com a Cidade de Pahvia, que aparenta ter uma área de aproximadamente 1500 quilômetros quadrados, o Sentido Divino de Miguel não representa nem 0,0008% da área da cidade.
Enquanto isso, no quarto de Fábio, Miguel começou uma nova pintura, seguindo a sugestão de seu professor. Miguel não percebeu, mas Fábio estava preocupado, movendo as mãos de forma inquieta e franzindo as sobrancelhas enquanto observava seu aluno pintar de forma distraída.
Do ponto de vista de Fábio, Miguel foi basicamente enxotado de casa e descartado pelo pai. Depois de uma longa viagem, a sua única parente restante fez o mesmo, mandando-o de volta. Além disso, Miguel teve que engolir os insultos de um nobre aleatório.
A maior prova de que a preocupação de Fábio não era em vão era que Miguel voltou a racionalizar suas emoções. Velhos hábitos ressurgiram e, desde o almoço, ele não havia sorrido como costumava fazer durante a viagem até Pahvia. Para Fábio, parecia que Miguel estava tentando encontrar uma forma lógica e ordenada para justificar cada emoção que sentia.
Fábio não culpava Miguel. Ao longo de sua vida, conheceu muitas pessoas e viu isso diversas vezes. Alguém que faz uma promessa, começa a agir de forma diferente, mas antes que se perceba, já voltou aos vícios. Quem diria uma criança sendo arrastada para problemas que nem muitos adultos enfrentam?
Para piorar a situação, Fábio nunca foi pai. Mesmo com seus outros alunos, nunca se apegou tanto quanto a Miguel, que vivenciou uma vida tão turbulenta e agitada. Fábio não sabia o que fazer, se deveria aconselhar Miguel novamente. No fim, decidiu que o melhor seria deixar Miguel desabafar suas emoções por meio da arte e talvez dar um empurrãozinho sutil, se necessário.
Miguel, que estava pintando, parou repentinamente e suspirou, balançando a cabeça em desaprovação. Sua sorte acabou e, mesmo se esforçando ao máximo, Paulo saiu do alcance do seu Sentido Divino ao embarcar em uma carruagem e se dirigir ao norte.
Ao relaxar o Sentido Divino que estava esticado ao máximo, Miguel sentiu um alívio tremendo. É uma habilidade que acabou de adquirir e levará tempo para se reajustar.
'Mais uma coisa para adicionar na minha lista de práticas diárias. Se eu conseguisse moldar melhor a forma do meu Sentido Divino, poderia cobrir mais terreno e esse desgraçado não escaparia tão facilmente.'
Sem o exercício que estava roubando a maior parte do seu foco, Miguel finalmente notou a figura agitada de Fábio. Julgou que fosse devido à conversa que teve com Elena e voltou a focar na sua pintura. Era só mais uma imagem de paisagem, com algumas árvores e flores que viu ao longo da estrada.
Quando estava quase terminando, Fábio falou com Miguel após um bom tempo apenas observando.
"Você está quase terminando... a tela ficou muito boa... mesmo sem pintar por um bom tempo, você ainda me surpreende com seu progresso. Seu talento é realmente incrível, Miguel."
"Obrigado..." Miguel agradeceu sem jeito, sentindo uma sensação estranha tocando no fundo da sua mente mais uma vez.
"Miguel, você está com o seu caderno de desenho com você?"
"Não, por quê?"
"Pode buscá-lo para mim? Quero te mostrar uma coisa."
Miguel não questionou muito seu professor e foi até o quarto adjacente buscar o caderno.
Com o caderno nas mãos, Fábio folheou lentamente as páginas até parar em um desenho. Era a imagem de uma flor solitária crescendo na sombra de uma árvore. Fábio virou o caderno para Miguel e colocou perto da imagem que ele acabara de pintar e perguntou.
"Notou a diferença?"
No começo, Miguel não entendeu do que Fábio estava falando. Então foi atingido por um momento de inspiração. O desenho no caderno não possuía cores e, mesmo assim, parecia mais vivo e vibrante do que a pintura colorida que acabara de finalizar.
Finalmente, fez sentido para Miguel a pintura ser chamada de uma das Quatro Artes Santas. De alguma forma, ele conseguiu expressar inconscientemente suas emoções através da paleta de cores utilizadas e das sombras mais evidentes do que no desenho, passando um sentimento mais melancólico e depressivo na imagem retratada.
"Eu entendo, professor... Obrigado por me ajudar mais uma vez."
"Fico feliz que você entenda, Miguel. Sei que é comum tentar ignorar os sentimentos ruins, mas eles também fazem parte do que somos. Quais são os seus planos antes do jantar?"
"Que tal dar uma volta na cidade? Acho que seria bom caminhar um pouco."
"Hahahaha, fico feliz pelo seu interesse. Por um segundo, pensei que você ia voltar para o quarto e praticar aquela sua dança bizarra."
"Já te contei, professor, é uma técnica para melhorar a saúde."
"Sei, sei. Vocês, crianças e suas besteiras. Tenho raiva do idiota que te contou essa baboseira e te fez dançar assim todo dia. Hahaha."
"Então, o que você gostaria de ver? A cidade é enorme e tem diversas atrações para os turistas. Com tantos comerciantes reunidos, se você tiver dinheiro, consegue quase tudo por aqui."
"O que tem no lado norte da cidade, professor? Parecia bastante chique visto de longe."
"Bom, não muita coisa. Só algumas mansões dos nobres responsáveis por monitorar o desenvolvimento e recolher impostos... Ah! É verdade, tem um teatro lá com uma orquestra magnífica. Isso vai ser muito útil para suas futuras aulas de música."
A empolgação de Fábio era visível a quilômetros de distância; ele praticamente saltitava com a perspectiva de ver uma apresentação musical. Miguel o seguia de forma animada, contagiado pela alegria do seu professor, além de ser motivado pela oportunidade de procurar por Paulo e outros Zekle que estavam causando problemas para seus avós.
A cidade era tão grande que, para atravessá-la, foi necessário contratar uma carruagem. Durante a viagem, enquanto conversava com Fábio sobre as apresentações em Pahvia, Miguel usava seu Sentido Divino de tempos em tempos, buscando anormalidades no Qi circundante. Às vezes encontrava, mas eram outros nobres sintonizados com Qi de elementos diferentes dos usados pelos Zekle.
Desta vez, Miguel tomou cuidado para não se distrair muito com a sua busca e preocupar o seu professor.
Infelizmente, mesmo quando chegaram ao teatro, não havia vestígios dos alvos de Miguel.
Os ingressos para a apresentação do dia eram caros, 5 moedas de ouro cada para a sessão dos plebeus, mas Fábio entregou as notas com entusiasmo.
O anfiteatro era vasto e circular, com degraus de pedra. Fábio pagou para ocuparem esses assentos elevados em relação ao palco, que lembravam a Miguel as arenas que viu no Reino Superior. A diferença era que aqui havia uma construção que parecia metade de uma cúpula no fundo do palco.
Na parte traseira, havia escadas que levavam a uma parte superior da construção, um lugar reservado para os nobres e que nem o comerciante mais rico do Império poderia acessar.