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Chapter 19 - Quando a sorte bate na sua porta

Depois de mais tempo do que deveria, Miguel conseguiu se banhar. Enquanto mergulhava na banheira e deixava a água quente lavar a sujeira do seu corpo, ele notou as poucas diferenças no seu físico e musculatura.

Antes, seu corpo estava muito desnutrido e fraco, fazendo Miguel parecer uma criança de dez anos. Com uma alimentação mais rica, incluindo proteínas e alimentos calóricos, ele começou a ganhar peso e realmente cresceu alguns centímetros no mês passado. No entanto, um mês de treinamento é insuficiente para mostrar resultados concretos de crescimento no quesito força.

O fato de o Cultivo Físico ser considerado o mais fácil dos caminhos é uma verdade relativa. Não importa a rota escolhida ou se você treina em mais de uma; o cultivo é um ato de desafiar os céus e sempre será difícil.

Recentemente, Miguel percebeu um avanço claro. Se antes ele levantava um saco de areia de 47 kg, agora conseguia levantar um de 54 kg. Sentia a diferença no peso ao segurar o saco de areia, os músculos respondendo melhor ao esforço.

Para muitos, o Cultivo Físico parece o caminho mais fácil. Ele não exige um alto nível de compreensão das leis ou técnicas avançadas de manipulação de Qi, nem depende de golpes de sorte para ter epifanias e revelações sobre o Espírito. Contudo, definitivamente é o caminho mais lento e trabalhoso para alcançar o pico.

Deitado na banheira e sentindo a água quente bater na sua pele, Miguel relaxou os músculos doloridos e não pôde deixar de gemer de satisfação, desejando fechar os olhos e cair na inconsciência. Quem dera pudesse descansar o quanto quisesse. No entanto, ele sabia que procrastinar não era a solução. O tempo era curto para encontrar uma maneira de localizar os nobres enviados à Cidade de Pahvia.

O plano não era complexo. A comunicação no Continente de Prari era muito precária, então a única forma de alguém manter o controle sobre seus avós era enviando um membro do ramo principal da família, alguém mais forte do que eles para ameaçá-los a cumprir suas ordens. No momento em que Miguel matasse os nobres, levaria no mínimo uma semana para os Zekles notarem algo de diferente, e semanas a meses para investigar a causa e criar um plano de reação. Isso, pelo simples fato de estarem localizados no território de outro Ducado e não existir termo de aliança e cooperação que possa justificar movimentar os "herdeiros da linhagem divina" dentro da área de influência de outro nobre.

Ele se focava nos possíveis espiões e usava freneticamente seu Sentido Divino dentro da casa. Caso não encontrasse o nobre a tempo, a melhor maneira de tirá-lo da toca seria matar alguns de seus seguidores, forçando a serpente a sair do arbusto.

Relutante, Miguel saiu da banheira, secou-se e vestiu um novo traje de roupas brancas feitas de seda de alta qualidade, um tecido superior àquele que recebeu de presente de Fábio. Em seguida, encontrou a empregada esperando no corredor e a seguiu até o salão onde seria servido o almoço.

Chegando lá, Miguel se deparou com um salão com uma mesa enorme, com mais de dez lugares, repleta de alimentos variados, desde frutas a pratos intricados de carne e massas. Todo esse banquete era apenas para Maximus e Fábio, que já haviam começado a comer em silêncio. Elena não estava à vista, parecendo ainda relutar em conhecer o neto, embora não soubesse que Miguel já estava ciente de sua existência e aparência.

Notando a presença de Miguel, ambos olharam para ele, mas logo voltaram a focar nos seus pratos e continuaram a mastigar suas refeições. Observando a forma como Maximus e Fábio se portavam à mesa, Miguel notou um certo nível de etiqueta exigida. Por sorte, sua mãe lhe deu aulas quando era mais novo, na mesma época em que aprendeu a ler e escrever.

Sem fazer cerimônia, Miguel sentou-se de frente para Fábio e encheu seu prato, sem deixar a comida transbordar. Não é sempre que tem a oportunidade de colocar os ensinamentos da sua mãe em prática, e não gostaria de passar vergonha.

Apesar de manter a postura ereta, os cotovelos afastados da mesa e comer porções pequenas e sem fazer muito alarde com seus movimentos, a velocidade de ingestão de alimentos por parte de Miguel era surpreendente. Em pouco tempo, ele havia comido mais do que Maximus e Fábio juntos.

Não era uma questão de quão deliciosa estava a comida. Com seu nível de paladar atual, poucas refeições poderiam agradá-lo. Ele podia sentir cada erva usada para temperar a carne, assim como cada parte que não foi cozida por igual. Muitas vezes, o tempero parecia excessivo e desnecessário. A razão para Miguel comer tanto era focar em obter o máximo de proteína, vitaminas e outros nutrientes.

Fábio quebrou o silêncio desconfortável.

"Miguel, mais tarde passe no meu quarto. Vamos retomar as aulas enquanto estamos aqui. Não será um problema, certo, Maximus?"

Seu avô não respondeu e fingiu não ter escutado. Miguel concordou rapidamente e voltou a focar no seu prato. Depois de falar, Fábio se levantou e saiu do salão, deixando avô e neto sozinhos.

Às vezes, Maximus olhava para Miguel como se fosse dizer algo, mas depois desistia e ambos continuavam em silêncio. Parecia que Maximus iria se levantar para ir embora quando, de repente, as portas do salão foram abertas com força.

Um jovem vestido com um terno azul-marinho, de cabelos azuis e um rosto fino e delicado, entrou cheio de pompa e fazendo uma algazarra.

"Pequeno Max, você não me convidou para o almoço, fiquei muito magoado... Ora, temos visita! Por que você não me apresenta a esse jovem companheiro?"

Maximus fez uma careta de desagrado, suas rugas se contorcendo enquanto falava.

"Boa tarde, senhor Paulo. Não foi minha intenção ofendê-lo. Pensei que a pobre culinária da minha morada não seria do seu agrado. Quanto ao jovem amigo aqui, ele é um aluno do meu velho amigo Fábio. Seu nome é Miguel.

Jovem, cumprimente o Conde Paulo Zekle, herdeiro dos heróis do Grandioso Império Skyla."

Miguel foi forçado a parar a sua refeição e se levantar para curvar-se para Paulo.

"Este humilde tem o prazer de estar na presença de um dos descendentes dos heróis."

Apesar de ser aquele que tocou no assunto, Paulo ignorou Miguel e voltou a falar com Maximus.

"Que isso, pequeno Max, não deveria depreciar tanto assim os cozinheiros que trabalham para você. Tenho certeza que eles estão fazendo o seu melhor. Talvez foi essa sua atitude depreciativa que fez sua filha fugir com um canalha qualquer e dar à luz um bastardinho por aí." Paulo falou enquanto sorria.

Não eram apenas as palavras, mas também a atitude descontraída e risonha que contribuíram para criar essa atmosfera irritante ao redor de Paulo. Maximus estava se segurando para não responder, com os dentes cerrados e as mãos apertando com força a mesa. Era possível ouvir pequenos estalos das fibras da madeira sendo rompidas.

Miguel também fazia de tudo para se conter, mas, diferente de Maximus, era para conter a gargalhada.

Isso vinha acontecendo desde que notou a figura de Paulo entrar no perímetro do seu Sentido Divino. Miguel não poderia acreditar na sua sorte; o nobre enviado para incomodar seu avô não poderia ser o tipo mais comum e estúpido que existe.

'Pensar que fiquei preocupado em não encontrar o idiota...'

Paulo sentou-se à mesa e pegou uma maçã. Depois de dar uma mordida, reclamou.

"Nossa, até as maçãs que nascem por aqui são uma porcaria..."

Antes que Paulo pudesse continuar, Fábio entrou no salão e chamou por Miguel.

"Miguel, ainda está comendo? Você está atrasado para a sua aula."

Da mesma forma que Paulo desconsiderou Miguel e Maximus, Fábio tratou Paulo como se ele fosse o ar. Apesar da sua expressão irritada, Paulo não disse mais nada. Miguel curvou-se mais uma vez e saiu do salão junto com Fábio.

"Sinto muito por isso. Seu avô é um grande comerciante e às vezes tem que lidar com alguns nobres metidos. Espero que ele não tenha dito nada para te ofender."

"Está tudo bem, professor."

"Tem certeza? Pode não parecer, mas seu professor aqui conhece muita gente influente e posso dar uma lição nesse sem-vergonha."

"Sim, já me disseram coisas piores. Estou mais preocupado em voltar a pintar novamente."

Enquanto caminhavam pelo corredor, Miguel parecia um tanto distraído. Fábio pensou que ele estava afetado pelas palavras de Paulo, mas Miguel estava, na verdade, empenhado em usar seu Sentido Divino para ouvir a conversa entre Paulo e Maximus.

Quanto às ofensas de Paulo, por que se ofenderia com um cadáver ambulante? Não muda o fato de Miguel ter ficado agradecido ao ver que Fábio voltou para resgata-lo depois de receber uma dica de Elena. Ninguém gosta de ser ofendido de forma gratuita.

Aproveitando a oportunidade, Miguel se concentrou no fluxo de Qi ao redor do seu avô e de Paulo para poder determinar o seu nível de força, e aconteceu como o esperado, Paulo estava dois níveis acima na escala de poder utilizada no Imperio Skyla. O seu nível de força é o mesmo que a sua classificação de nobreza, o seu avô portanto poderia receber o título de Barão devido ao intensidade e quantidade de Qi que absorvia, e seguindo essa lógica Paulo seria um Conde.

As coisas eram piores do que Miguel imaginava, mas ainda estavam sob controle. De Marquês para cima, seria complicado matar um nobre sem o uso de Qi. Parece que a sorte está do seu lado hoje.