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Chapter 13 - Caravana

Miguel estava correto: as casas, inclusive as mais próximas da mansão, são todas sem graça, com arquiteturas confusas e parecem ter sido construídas de forma aleatória. Em contraste, aquelas perto do centro comercial e outras zonas com um grande fluxo de renda diário são esteticamente agradáveis e seguem uma estrutura que inspira ordem e respeito.

O distrito comercial parece uma cidade diferente inserida dentro da outra. As pessoas estão bem vestidas e alimentadas, correndo com sorrisos no rosto de um lado para o outro. Os comerciantes anunciam seus produtos em voz alta e tentam atrair clientes para suas lojas.

Fábio arrastou Miguel por algumas lojas para comprar suprimentos de última hora, junto com um lanche para comer antes de partir em viagem. Miguel observou a troca de moedas de bronze e prata por itens e serviços, e foi aos poucos construindo uma noção do valor dos bens materiais no Continente de Prari. 

No passado, Miguel nunca precisou se preocupar com dinheiro; suas necessidades eram todas atendidas na mansão e, depois que adquiriu poder suficiente, ele simplesmente pegava o que queria, sem ninguém para impedi-lo.

Aos poucos, Miguel foi compreendendo como funcionava a economia: 100 moedas de bronze equivalem a 1 moeda de prata, assim como 100 moedas de prata podem ser trocadas por 1 moeda de ouro. No entanto, é muito incomum o câmbio entre moedas de valor menor por maior e vice-versa. As pessoas não abrem mão de suas moedas de ouro por prata, nem de prata por bronze, e nos casos onde fazem isso, sempre aparecem taxas para desmotivar a troca entre elas.

Por exemplo, Miguel assistiu Fábio comprar algumas telas junto com outros materiais de pintura, um caderno em branco, lápis e muitas outras coisas em uma loja. O valor total foi de 82 moedas de prata. Ele pagou com 1 moeda de ouro e, após uma longa negociação, recebeu 2200 moedas de prata como troco, pois o ouro vale mais do que a prata.

Apesar de chamarem de moedas, são notas de papel com o brasão de uma serpente de um lado e uma mulher do outro, o brasão da família imperial Skyla. A exceção são as moedas de bronze, as únicas cuja extração do metal é fácil e o custo de produção é baixo o suficiente para continuarem a ser produzidas em metal, sendo a única moeda que se mantém desde a fundação do império.

Voltando à questão da economia, Miguel fez uma estimativa do custo de vida dentro da cidade gerenciada pelo Duque Eklere. Um lanche feito com pão branco e macio, com pedaços de carne, que por sinal estava muito delicioso, custou 13 moedas de bronze. Ele imaginou que o valor é no mínimo três vezes maior do que a refeição dos servos dentro da mansão. Levando em conta que a população normal só come uma vez por dia, são necessárias no mínimo uma prata por mês só para cobrir a alimentação de uma pessoa, sem considerar roupas e outras necessidades.

Os mercadores estão sempre comprando minérios e produtos das colheitas dos habitantes por uma a duas moedas de prata. Em resumo, Miguel se deu conta do porquê a cidade parece tão monótona em outras áreas: as pessoas que vivem aqui estão apenas sobrevivendo. Cada dia é uma luta para conseguir chegar ao próximo, sem perspectivas de um futuro melhor.

O distrito comercial é próspero devido ao trabalho dos moradores da cidade e lucra às suas custas. Parte desse lucro imenso vira imposto que vai parar nas mãos do Duque. Portanto, não há motivo para ele mudar as coisas. A cidade é uma grande impressora de dinheiro e, no fim do dia, tudo volta para as mãos da guilda dos mercadores, pois o maior investimento do Duque são as casas de apostas.

'Isso explica a péssima infraestrutura e o baixo investimento em segurança...'

As coisas estavam tão ruins que Miguel finalmente se deu conta do porquê o Duque se rebaixou ao ponto de casar com alguém sem linhagem nobre. Muito provavelmente, a cidade só está de pé devido aos investimentos de seu avô.

Antes de irem ao centro do distrito comercial e pegarem uma caravana para sair da cidade, Fábio entregou um último presente para Miguel: algumas mudas de roupas de qualidade superior, junto com o caderno em branco e os lápis que havia comprado anteriormente. Segundo Fábio: "Meu aluno não pode andar do meu lado como um indigente, certo?"

Miguel ficou emocionado e não sabia como reagir nessa situação. Quando pensou em agradecer, viu que Fábio o estava empurrando para um vestiário para trocar de roupas. As novas roupas eram totalmente brancas e feitas de algodão, extremamente macias. Elas ficaram folgadas em Miguel devido ao seu físico magro, mas ele ainda estava feliz e animado com o presente. Ao caminhar pelas ruas, teve o maior cuidado possível para não sujar os sapatos novos.

Quando chegou a hora de pagar as taxas para embarcar na caravana, Miguel entendeu o motivo de as pessoas não terem escolha sobre como viver suas vidas: nunca conseguiram acumular dinheiro suficiente para sair desta cidade. Foram 8 moedas de ouro para incluir duas pessoas na viagem. O custo era elevado, pois garantia alimentação, uma carruagem e uma rota segura até o destino. Miguel e Fábio estavam indo para uma cidade próxima; ele nem queria imaginar o custo para viajar até o outro lado do império.

A viagem transcorreu sem problemas. Miguel ficou impressionado quando as centenas de carruagens partiram em sincronia e de forma ordenada. Elas eram divididas de modo que as carruagens blindadas estavam na frente, no meio e na traseira do comboio, repletas de guardas empunhando espadas, lanças e arcos, sempre vigilantes e atentos a possíveis ameaças. Os batedores verificavam o caminho de tempos em tempos, e a maior ameaça que encontraram foram alguns lobos e outros animais selvagens, como linces e javalis, mas foram eliminados de forma metódica pelos soldados bem treinados.

Havia quatro refeições por dia, servidas mesmo com as carruagens em movimento. As refeições eram tão luxuosas e com ingredientes de alta qualidade que seria um insulto compará-las com as refeições da mansão do Duque. Talvez somente o próprio Duque e seus familiares mais próximos pudessem desfrutar de tanto luxo.

A rota era planejada para fazer ao menos uma parada a cada dois dias em uma aldeia diferente, e havia cavalos suficientes para fazer um rodízio e manter todos sempre em movimento. Miguel assistiu aos mercadores comprando e vendendo mercadorias entre as aldeias e ficou impressionado como os carrinhos nunca ficavam vazios ao passar de uma aldeia para outra. Até mesmo Miguel conseguiu algum lucro, pois Fábio vendeu seus quadros, que Miguel antes acreditava serem lixo, por algumas moedas de prata para os mercadores, que os vendiam para os chefes das aldeias.

Quem não gostaria de ter produtos que somente os nobres possuem por um preço baixo? Talvez alguns nobres transformem esses quadros em heranças para seus filhos.

Se havia algo a comentar sobre a viagem, era o progresso de Miguel em desenho. Essa foi a finalidade do caderno e dos lápis que ganhou de Fábio. Como não podia pintar por alguns dias, o caderno virou um diário das pessoas e lugares que viu nos últimos dias. Seu progresso foi imenso, e aos poucos Miguel não precisava mais fazer linhas para se guiar antes de desenhar, mantendo as proporções corretas.

Miguel também terminou a leitura de todos os livros que Fábio havia emprestado e aprendeu o básico de pintura e desenho. Em vez de partir para um conteúdo mais avançado, Miguel foi introduzido à teoria da música. 

Para evitar incomodar os outros passageiros, ele não tocou nenhum instrumento, mas leu alguns livros e aprendeu sobre teoria musical. 

Miguel aprendeu conceitos como ritmo, tons e semitons, foi introduzido à escala de sete notas (DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL, LÁ, SI), à maneira correta de ler uma partitura, ao que a posição de cada nota representa, ao que é uma clave e à importância do tempo para construir uma melodia agradável.

Foram muitos conceitos novos, e Miguel não via a hora de colocá-los em prática, especialmente agora que sabia a diferença entre os três tipos de instrumentos que havia na sala de aula antigamente: o gusli (cordas), a flauta (sopro) e o tamborim (percussão). Cada instrumento tem um papel diferente na orquestra, alguns com mais ou menos evidência dependendo da obra e do compositor. Foi justamente isso que deixou Miguel entusiasmado para explorar as diversas possibilidades que existem.

Ao longo das duas semanas, Miguel sempre encontrou tempo para praticar a Técnica de Sublimação Corporal, e seu progresso foi cada vez mais rápido. Ele notou uma melhoria no seu Cultivo Corporal, embora não fosse algo chocante ou um grande avanço. Ele ainda parecia uma criança mais jovem do que sua verdadeira idade e seu corpo ainda era muito magro, mas havia uma melhora visível.

Por outro lado, como de costume, o Cultivo Espiritual foi o que mais cresceu durante a viagem. A porta ilusória já estava quase completamente dissolvida no oceano multicolorido que compõe a parte inferior de seu Espaço Mental. Miguel ainda não estava acostumado com esses pequenos avanços constantes e precisava se adaptar diariamente aos aprimoramentos em seus sentidos.

As coisas se aceleraram depois que Miguel viu e experimentou a vida da classe mais baixa dentro de um Mundo Inferior. Isso o ajudou a perceber a sorte que teve por nascer filho de um nobre. Se tivesse nascido plebeu, não haveria nenhuma maneira de alcançar qualquer conquista em sua vida. Não importa o talento de alguém, a falta de informações é uma barreira simples, porém eficaz, para impedir que qualquer pessoa acenda durante sua vida.

A maioria, senão todos os plebeus, têm apenas o conhecimento necessário para sobreviver. Coisas como ler e escrever são um luxo reservado para poucos. No máximo, você pode encontrar alguém que aprendeu a somar e subtrair para comprar e vender mercadorias. Na maioria das aldeias que visitaram, o comércio era feito através de escambo.