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Chapter 8 - Autoanálise

Miguel sentou-se na cama, pensando na Técnica de Sublimação Corporal, especificamente no primeiro nível, Mortalidade, e suas onze posturas.

Cada postura refere-se a um animal, com o objetivo de purificar e nutrir sistemas de órgãos específicos. As posturas são:

Elefante - Respiratório

Polvo - Nervoso

Javali - Muscular

Coruja - Sensorial 

Tartaruga - Esquelético

Cobra - Digestivo

Borboleta - Circulatório

Formiga - Excretor

Leão - Endócrino

Cabra - Articular

Coelho - Reprodutor

Miguel sabia que o treinamento de cada postura dependia da afinidade do praticante e não seguia uma ordem específica. O movimento corporal e a respiração cadenciada forçam o sangue a circular de maneira única, quebrando impurezas para nutrir o sistema de órgãos relacionados.

À medida que progredia, menos toxinas permaneciam em seu corpo, mas o avanço tornava-se mais lento. Ao completar uma postura, todas as outras se beneficiam. Por isso, Miguel decidiu focar na postura em que teve melhor desempenho, esperando que isso acelerasse seu treinamento restante.

Ele refletiu sobre seu progresso e não encontrou anomalias que justificassem o súbito aumento em sua progressão. Se a causa não era interna, devia ser externa. A maior diferença entre os Mundos Inferiores e o Reino Superior era a qualidade do ambiente - ou melhor, a ausência de impurezas.

Os olhos de Miguel brilharam ao perceber isso. No Reino Superior, não havia impurezas ambientais. Durante sua juventude, ele podia destruir cidades com um aceno, um poder inédito na história do Império Skyla. Mas no Reino Superior, mal conseguia mover pedras caídas. Uma simples brisa cortava sua carne, e a Energia no ar era venenosa, causando-lhe dor intensa.

Com essa nova compreensão, Miguel percebeu que sua adaptação ao Reino Superior dependia da eliminação total das impurezas em seu corpo. Cultivar o nível de Mortalidade até o fim havia aliviado seu sofrimento, permitindo-lhe, finalmente, começar a se adaptar a viver no Reino Superior.

O maior empecilho ao treinar a Mortalidade é a redução das impurezas dentro do corpo do praticante, quanto menor a quantidade mais difícil de localizá-las e purgá-las, no Mundo Inferior a infusão de impurezas é constante e conforme o tempo passa mais delas entram no corpo de Miguel e como as células "purificadas" não podem ser contaminadas novamente, o excesso de "energia limpa" vaza para as células vizinhas e acelera o processo de purificação do corpo.

Seguindo essa lógica, as impurezas e toxinas no ar, na água e na comida seriam o maior tónico para seu treinamento. Miguel ponderou sobre o que aconteceria agora que cultivava uma técnica especializada em lidar com impurezas num mundo repleto delas. Como seria seu progresso com uma fonte inesgotável de combustível para o seu treinamento?

Uma empolgação genuína tomou conta de Miguel, e sua vontade de voltar a praticar aumentou. Pela primeira vez, ele resolveu uma questão sem que mais dúvidas surgissem para confundir sua mente perturbada.

Sem perder tempo, Miguel saltou da cama e começou a usar o pouco espaço livre para recomeçar sua prática. Desta vez, ele não foca em uma única postura. Por que se contentar com uma fatia do bolo quando pode devorá-lo por completo?

Mais uma vez, Miguel se perdeu em uma dança estranha, com movimentos desconcertantes. Começou pela familiar postura do elefante, depois transitou para a postura do polvo, que o forçava a ficar de cabeça para baixo, sustentando seu corpo apenas com os dedos enquanto dobrava os joelhos em ângulos quase impossíveis. Miguel não conseguiu manter essa posição por muito tempo antes de precisar trocar para a próxima postura, e assim por diante.

Às vezes, ele era forçado a ficar de quatro, outras, a deitar de bruços no chão, seus braços e pernas sempre se contorcendo de formas que desafiavam o bom senso. O suor escorria por seu rosto, mas a excitação de sentir seu progresso o impulsionava a continuar. Cada movimento, embora doloroso, trazia a esperança de um avanço maior, um passo mais perto de seu objetivo.

Miguel sentia uma mistura de dor e satisfação, percebendo que cada postura, por mais desconfortável que fosse, o levava a novos limites. A postura da borboleta exigia uma sutileza anormal para direcionar o fluxo sanguíneo já altamente estimulado, enquanto a postura da cobra demandava uma flexibilidade quase sobre-humana.

Apesar do cansaço crescente, Miguel continuava. Cada postura que completava era uma pequena vitória, um testemunho de sua determinação. Ele sabia que seu corpo fraco ainda não estava preparado para suportar todo o estresse, mas sua mente estava decidida a empurrar seus limites.

Finalmente, a exaustão venceu. Miguel caiu em uma poça de suor, ofegante. Um riso escapou de seus lábios ao sentir a estimativa do progresso que havia feito nessa sessão:

Elefante - 0,1944%

Polvo - 0,0009%

Javali - 0,1174%

Coruja - 0,1085%

Tartaruga - 0,1208%

Cobra - 0,1418%

Borboleta - 0,1462%

Formiga - 0,1532%

Leão - 0,1271%

Cabra - 0,1679%

Coelho - 0,1517%

Miguel só poderia afirmar com certeza o quanto progrediu ao passar para o reino do Espírito Desperto e usar o Sentido Divino para investigar o próprio corpo.

Na verdade, alcançar o segundo reino do Cultivo Espiritual não seria um problema se Miguel continuasse progredindo como estava atualmente. O recente avanço na Técnica de Sublimação Corporal também refletiu em seu Espírito, especialmente devido às posturas do Polvo e da Coruja.

O caminho do cultivo pode ser dividido em três facetas: Espírito, Físico e Essência. Mas a verdade é que estão intrinsecamente conectados e afetam uns aos outros de forma indireta. O avanço do Espírito de Miguel aprimorou seus sentidos físicos, melhorou sua compreensão e tornou mais fácil sentir os diferentes tipos de Qi, mesmo que não estivesse utilizando essas habilidades agora.

Depois de secar o suor do corpo com roupas velhas guardadas em uma gaveta, Miguel vestiu as roupas novas deixadas no quarto. Sem janelas, ele perdeu a noção do tempo, mas teve sorte de chegar na sala de aula antes do professor. Miguel odiaria quebrar sua promessa de se dedicar à pintura, especialmente no dia seguinte após prometer para Fábio.

Ao olhar para suas pinturas, Miguel refletiu sobre como poderia ter feito melhor e o que precisava para corrigir seus erros.

Fábio entrou na sala e se deparou com seu aluno favorito, nesta mansão, cercado por diversos quadros. Sentiu uma alegria genuína ao ver alguém que realmente apreciava a arte em si, e não apenas o "status" que ela proporciona dentro do Império.

"Boa tarde, professor." Miguel cumprimentou Fábio respeitosamente, como de costume. Desta vez, algo chamou sua atenção: a pilha de livros que Fábio trouxe.

"Boa tarde, Miguel," Fábio disse com um sorriso no rosto. Ele analisou cada uma das telas que Miguel pintou, acenando com aprovação para algumas e balançando a cabeça em negação para outras. "Ainda não está perfeito, mas é o bastante para avançarmos." Fábio colocou uma tela totalmente preta no cavalete e disse, "Você já sabe o que fazer."

Miguel encarou Fábio, sua expressão cheia de confusão.

"Vamos, é só pintar um cesto de frutas novamente."

Miguel olhou para a tela preta e depois para a paleta de cores. Sentia-se estranho e não sabia o que fazer a seguir, então decidiu começar com o básico, desenhando o cesto de frutas.

Ao iniciar a pintura, quase molhou o pincel na tinta preta por instinto. Em vez disso, teve que usar tinta branca para esboçar o desenho. Não foi tão difícil quanto esperava.

Mas quando chegou a hora de colorir a tela, foi um sacrifício acertar o tom certo e fazer algo decente. Apenas houve algum progresso quando Fábio deu alguns conselhos.

"Hahahaha, não se preocupe, Miguel. Sei que é difícil, especialmente para um iniciante. Você já está se saindo muito bem. Se conseguisse completar a tarefa de uma só vez, eu teria que questionar o talento de todos os pintores que já existiram ao longo da história do Continente Prari."

Miguel mordeu o lábio, tentando esconder a decepção em seus olhos.

"Se isso te conforta, tenho um presente para você." Fábio pegou a pilha de livros embalada e trouxe até Miguel. "Sei que meu estilo de ensino não é muito ortodoxo e prefiro que meus alunos aprendam com a prática. Se eles não gostam de pintar, qual a utilidade de enfiar um monte de conceitos em suas cabeças?

Mas a teoria não pode ser ignorada. Esses livros são da minha coleção pessoal. É um empréstimo, então cuide bem deles. Falam sobre diferentes estilos de pintura, biografias de pintores renomados e suas maiores obras. Espero que isso te inspire e ajude a melhorar suas habilidades."

"Muito obrigado, professor. Vou cuidar bem deles."

"Tudo bem, eu confio em você. Enfim, amanhã é feriado e não teremos aula. Tenho que ir à cidade comprar algumas coisas. Nos vemos em alguns dias, Miguel."

Miguel curvou-se para o professor enquanto Fábio saía da sala, um sorriso satisfeito no rosto.

Após Fábio partir, Miguel retornou ao seu quarto e guardou os livros. Em seguida, foi para o refeitório. Apesar do contragosto, precisava comer algo, já que havia ignorado o jantar e o café da manhã. 

Não tinha avançado o suficiente no cultivo para se livrar da alimentação. Pelo menos, mais um grande lote de impurezas seria injetado no seu corpo, embora parte delas tivesse que ser expulsa ao usar o banheiro.

De volta ao quarto, Miguel pegou o primeiro livro da pilha. Intitulado "Perspectiva e Pontos de Vista Divergentes", ensinava técnicas fundamentais de pintura para criar objetos vistos de diferentes perspectivas.

Por exemplo, o livro explicava como traçar linhas leves para esboçar a composição geral e as proporções, utilizar linhas horizontais e verticais para guiar a perspectiva e manter a simetria. As linhas de fuga convergem em pontos específicos no horizonte, criando a ilusão de profundidade. A variação da espessura e intensidade das linhas sugere proximidade e distância, dando vida e dimensão ao desenho.

A leitura foi muito agradável, mas a pior parte era que os esboços utilizados como exemplo nos livros eram de longe melhores que suas próprias telas. Miguel se deu conta de como Fábio estava sendo generoso ao dizer que ele fez um bom trabalho.

O próximo livro, "Luz e Sombra, o fundamento da terceira dimensão", encantou Miguel. A leitura esclareceu muitas de suas dúvidas e incertezas sobre como terminar a lição da última aula. Ao devorar o conteúdo, sentiu uma coceira para voltar ao pincel, às tintas e às telas, mas se controlou.

Quando se deu conta, já havia terminado o livro e estava pronto para o próximo.

'Nunca pensei que teria tanta paixão pela pintura,' pensou Miguel, surpreso com a intensidade de seu próprio interesse.

Ele começou a torcer para que a música tivesse o mesmo efeito. Infelizmente, ele não tinha tanto talento para isso em sua vida passada e acabou desistindo.

Por algum motivo desconhecido, toda vez que ouvia a palavra 'talento' sentia um incômodo muito grande, assim como nos momentos em que Fábio o elogiava. Mas sempre acabava por ignorar essa linha de pensamento, pois não parecia ser relevante.

Por algum motivo desconhecido toda vez que ouvia sobre 'talento' sentiu um incômodo muito grande, assim como nos momentos que Fábio o elogiava, mas sempre acabava por ignorar essa linha de pensamentos, pois não parecia ser relevante.