O sol brilhava lá fora e o céu estava tão azul que meus olhos ardiam ao olhar para essa paisagem tão clara e límpida, dentro de mim conseguia sentir o calor dos raios tentando esquentar minha alma, mas era tempo perdido tentar aquecer meu corpo e alma, minha pele era fria e sem vida, minha alma escura e vazia, meus lábios podres e sem sorrisos, eu era apenas uma garota perdida há muito tempo esquecida rondando pelo mundo procurando por calor, é tão frio aqui dentro e não me lembro se um dia tive um nome ou se isso é algo importante, minha vida é vagar e vagar sempre voltando para o mesmo lugar, sempre encarando aquela pequena cabana colorida escondida pelas árvores e era algo que se você não olhasse bem passaria abatido, a centenas de anos atras a vi pela primeira vez e foi nesse dia que o que pareceu ser emoção invadiu meu fraco corpo e eu não sabia o que era essa fagulha que acendeu em meu estômago foi tão rápido que não sei se foi minha imaginação que a criou, mas de tempos em tempos volto para esse mesmo lugar procurando sentir novamente, mas tudo que encontro é o vazio.
E hoje era mais um desses dias, caminho com meus pés descalços por entre folhas, musgo e gravetos me escondendo nas poucas sombras que esse dia claro poderia proporcionar e paro ao lado de uma grande árvore pensando se dessa vez tento me aproximar mais e chegar perto da janela para ver o que poderia ter ali e aos poucos quase que automaticamente meu rosto encara a janela e a cabana esta tão iluminada, mas vazia, tudo da mais bela luz, vejo as partículas de poeira dançando como se fossem pequenas estrelas e minha respiração trava em minha garganta pois eu nunca poderia brilhar assim, nunca saberei como é sentir seu calor ou como eu seria se um dia a luz me tocasse, tudo o que sou ou o que há em mim é escuridão e não posso me enganar só por um dia ter sentido algo que poderei fingir ser algo diferente do que sou e voltarei a sentir. Escuto por entre sombras os humanos falarem, sou só a escuridão funda e vazia, existo para o descanso, para se esconder, para temer e para que a luz possa existir, mas nunca nos encontramos e é assim que minha existência é, não há tempo nem espaço, não tenho idade nem nome, não sou um ser e ás vezes pareço não ter consciência, posso tomar formas fingir ser humana, um animal, inseto, planta ou o que sentir vontade de moldar, estive aqui no começo de tudo e quando tudo acabar só restará a mim a escuridão sem fim parece solitário, mas não sei oque a solidão significa, não tenho emoções.
Eu poderia sorrir agora vendo essas partículas que poderiam ser estrelas, mas apenas observo congelada pois também estou ali e quando elas chegam perto de mim desaparecem como se nunca tivessem existido não deixando nada para trás, olho dentro, fora e em todos os outros lugares que estou e vejo amor, sofrimento, morte, alegria e desespero eu vejo e sigo em frente voltando apenas para aquela cabana, não pertenço a lugar nenhum e nada me pertence, já existiu o dia em que eu desejava algo, mas esse dia é tão distante que não me lembro o que poderia ter desejado.
Em alguns momentos não sei o que sou, se tenho forma ou se sou simplesmente a escuridão que apenas existe e por isso me transformo em algo parecido com um humano, uma garota para ser mais exata não por me identificar com algum gênero, mas sim por todo esse tempo em que rondo por ai; os seres que mais souberam lidar comigo foram as mulheres que não se deixavam consumir por mim não importando quão forte eu abraçava elas.
Observo os humanos e me pergunto se um dia poderia ser assim, eu poderia destruir, poderia criar, viver, morrer, ir para outro lugar, ter sentimentos e várias outras coisas que os humanos são ou tem, mas sei que isso seria impossível pois nunca nasci e nunca morrerei. E volto a andar por entre galhos, pedras e terra seca sempre nas sombras, minhas sombras nesse mundo durante o dia são menores, por isso durante o dia mantenho uma forma humana já que não quero ficar apenas por entre os espaços em que a luz não toca, não sou apenas escuridão, mas é onde o silencio mora e não há nada mais encantador do que o silencio puro por isso moro nas sombras e sou ela, mas eu poderia ser tudo e qualquer coisa, meu único limite é a luz ainda não o encontrei quem sabe onde ele se esconde ou não é algo que gosta de perambular além dos limites de sua existência, mas nunca deixei isso me parar. Nunca preciso descansar, mas em alguns momentos sinto algo que poderia descrever como cansaço, sinto minha existência tremular e algo dentro de mim sacolejar como se algo estivesse fora de ordem, acho que todos os outros que são parecidos comigo sentem isso até aqueles que não acordaram ainda ou nunca irão acordar, quando isso acontece fico quieta em lugar nenhum e em todos os lugares, fecho meus olhos da consciência isso geralmente acontece quando algo grande acontece nesse mundo como morte em massa, guerras e outras tragédias, todos se recolhem para que o equilíbrio possa ser restaurado gostaria de dizer que foram poucas as vezes que isso aconteceu, mas aí estaria mentindo.
Não consigo entender a natureza humana e nem tento, eles não foram criados para serem entendidos, não sei como eles surgiram e quem os criou esta dormindo a tanto tempo apenas equilibrando esse mundo que um dia possa ter sido apenas um brinquedo ou uma distração da eternidade, mas que no momento se tornou algo um pouco maior e mais complicado mesmo sendo apenas um pequeno marco no tempo que logo desaparecera.
E o que poderia ser descrito como dias passam e observo a folhas caírem, flores nascerem, neve tão branca tomar conta da terra e derreter, vejo dias chuvosos e quando isso acontece sempre tomo forma e danço ao som dos trovoes e raios apenas aproveitando a água tocar minha pele feita de sombras e eu poderia sorrir, as únicas coisas que podem me tocar são meus semelhantes seres ou elementos que se originam do mesmo lugar que eu, os humanos não podem me tocar, mas eu posso toca-los não que eu já tenha feito isso conscientemente afinal são eles que me procuram, só me lembro como é bom ser tocada nesses dias quando a chuva e eu nos encontramos.