O REINO TRIBAL
Capítulo 1: O Encontro com o Destino (Prólogo)
O frio cortava minha pele como navalhas. Quando abri os olhos, a escuridão era tudo o que me envolvia. Não sabia onde estava, nem mesmo quem eu era. O chão era duro, gelado, e o ar, pesado com o cheiro de sujeira e podridão. Minha cabeça latejava, como se mil martelos a golpeassem ao mesmo tempo.
Antes que pudesse sequer entender minha situação, vozes começaram a ecoar ao meu redor. Confusas no início, mas logo claras e afiadas como lâminas.
– "Olha só quem acordou!" – disse uma voz debochada.
Meus olhos se ajustaram à penumbra, e percebi cinco figuras ao meu redor. Eram garotos, talvez um ou dois anos mais velhos que eu, mas seus rostos estavam endurecidos por algo que ia além da idade. Suas roupas eram esfarrapadas, suas peles sujas, mas o que mais me chamou a atenção foram os olhares: desprezo puro.
– "Seu órfão nojento!" – gritou um deles, cuspindo no chão próximo ao meu rosto.
– "Como ousa nos olhar assim? Como se fosse melhor do que nós!" – disse outro, seus olhos faiscando de raiva.
– "Vamos dar uma lição nele, Doeny!" – exclamou um terceiro, apontando para mim como se fosse uma ameaça.
O líder, Doeny, era magro, mas tinha um ar cruel que fazia seu tamanho parecer irrelevante. Ele me encarou com um sorriso torto antes de pegar uma pedra do chão.
– "Está na hora de ensinar a esse lixo o lugar dele."
Antes que eu pudesse reagir, o primeiro golpe caiu. Um chute no estômago me arrancou o ar, seguido de um soco que fez minha cabeça girar. Eles me cercaram como lobos famintos, desferindo socos e chutes enquanto riam de minha dor.
– "Toma isso, seu verme!" – gritou um deles, a voz carregada de ódio.
– "Por que você não grita? Está com medo?" – debochou outro, empurrando-me contra o chão.
Eu não gritei. Não chorei. Permaneci em silêncio, mesmo quando meu corpo implorava por alívio. Não era orgulho, mas instinto. Algo me dizia que qualquer reação só os encorajaria ainda mais.
O som de passos firmes cortou o ar, e uma voz forte, mas envelhecida, interrompeu o tormento.
– "Parem com isso agora mesmo!"
Uma senhora surgiu à luz fraca, sua presença imponente o suficiente para fazer os garotos hesitarem. Ela era magra, mas seus olhos verdes brilhavam com autoridade.
– "Velha louca, quem te chamou aqui?" – Doeny resmungou, embora sua voz estivesse menos confiante.
– "Você acha que pode dar ordens por aqui?" – outro zombou, erguendo um pedaço de pau.
O coração disparou em meu peito. Se eles a atacassem, o que eu poderia fazer? Não tinha forças nem para proteger a mim mesmo. Mas antes que a situação piorasse, reuni a pouca energia que me restava.
Com um salto, agarrei um dos garotos por trás, prendendo-o em uma chave de pescoço improvisada.
– "Ei, seus idiotas!" – minha voz saiu rouca, mas carregada de raiva. – "Se não derem o fora agora, eu quebro o pescoço desse aqui!"
O garoto que eu segurava começou a se debater, o pânico crescendo em seus olhos.
– "Doeny! Me ajuda! Ele vai me matar!"
Os outros congelaram, trocando olhares incertos. Doeny hesitou, claramente dividido entre o orgulho e o medo. Finalmente, deu um passo para trás.
– "Isso ainda não acabou, seu lixo!" – cuspiu, antes de recuar com os outros. – "Da próxima vez, você não vai escapar!"
Eles desapareceram na escuridão, deixando-me sozinho com a senhora. Soltei o garoto, que saiu correndo como se sua vida dependesse disso.
A mulher me olhou de cima a baixo, o rosto uma mistura de preocupação e reprovação.
– "Você é imprudente, criança. Não diga coisas como essa! Não é idade para ameaçar ninguém."
Respirei fundo, tentando recuperar o fôlego.
– "Mas eles começaram... Eu só queria me defender."
Ela suspirou, seus olhos suavizando.
– "Onde estão seus pais?" – perguntou, sua voz mais gentil agora.
A palavra "pais" soou estranha. Minha mente era um borrão, como se alguém tivesse apagado qualquer lembrança de antes daquele momento. Finalmente, respondi com um sussurro:
– "Não tenho ninguém."
A velha permaneceu em silêncio por um instante, analisando-me. Então, balançou a cabeça lentamente.
– "Você é como tantos outros... sozinho e perdido."
Ela parecia carregar o peso de cada criança abandonada do mundo. Após alguns segundos, falou novamente, com um tom mais decidido.
– "Venha comigo. Não posso deixar você aqui para morrer, mas só se aceitar uma condição."
– "Que condição?" – perguntei, confuso, mas curioso.
– "Você deve me obedecer e me ajudar em casa. Estou ficando velha demais para cuidar de tudo sozinha."
Hesitei por um momento, mas não tinha opções. Seus olhos eram firmes, mas não cruéis. Senti que, pela primeira vez, alguém se importava.
– "Eu aceito."
Um sorriso apareceu em seu rosto, pequeno, mas genuíno.
– "Ótimo. Vamos para casa, então."
Caminhamos juntos, sob a luz fraca da lua emergente, enquanto o frio da noite começava a ceder ao calor da presença dela. Seus passos eram firmes, e eu a segui, sentindo algo que há muito tempo desconhecia: esperança.