VOCÊ ESTA LENDO (O REINO TRIBAL)
Capítulo 5: O Som do Treinamento
Na manhã seguinte, despertei com a mente repleta de pensamentos. Enquanto me espreguiçava, senti a necessidade de organizá-los. Minha rotina em casa estava bem definida: trazer alimentos como peixes, frutas e, quando a sorte sorria, animais para abastecer nossa despensa. Com essa parte bem encaminhada, eu não precisava mais me preocupar em suprir necessidades básicas, desde que continuasse assim.
Agora, com tempo de sobra, poderia me dedicar a algo ainda mais importante: treinar arduamente. Eu sabia que não poderia negligenciar o fortalecimento do meu corpo e da minha técnica. A pergunta que martelava em minha mente era qual arte marcial seria a melhor para desenvolver minhas habilidades.
Minha intuição me levou a uma resposta inesperada: era hora de mudar. Na minha vida passada, fui um espadachim prodigioso, um gênio que dominou técnicas de esgrima e criou um legado imortal. Mas, desta vez, algo me chamava para um novo caminho.
Refletindo sobre minhas memórias, recordei que muitos grandes generais optaram pela lança como arma principal. Seu alcance, versatilidade e letalidade a tornavam uma escolha estratégica. A possibilidade de atacar à distância com golpes precisos e contínuos era algo fascinante. Além disso, a ideia de liderar uma cavalaria com uma lança em punho era um sonho de infância que eu nunca havia realizado.
— "Imagine ser um líder de cavalaria, comandando pessoalmente as tropas no campo de batalha..." — murmurei, deixando minha mente vagar por esse sonho adormecido.
No passado, fui um rei astuto, guiando meu povo com decisões calculadas e liderando a segurança do meu trono. Mas a possibilidade de ser um rei guerreiro, alguém que enfrentasse os desafios na linha de frente, acendeu um fogo dentro de mim. Não estava mais limitado, então era a hora de fazer sacrifícios e deixar para trás minha experiência com a espada.
— 'Se quero ser melhor do que antes, mudanças são necessárias.' — concluí, sentindo minha determinação crescer.
Com minha decisão tomada, concentrei-me totalmente no treinamento. Dominar a lança não seria uma tarefa fácil, mas eu sabia que repetição e disciplina eram os pilares da maestria. Saí da casa da vó Judith e comecei a procurar um local adequado para treinar.
Caminhando pelas ruas da vila, percebi o quão pouco contato havia tido com o povo local até aquele momento. Minha rotina era centrada na floresta e no chalé, mas essa busca me trouxe uma oportunidade inesperada de me conectar com a comunidade.
— "Olha só, que garoto mais alegre!"
— comentou uma moça sorridente ao me ver passar.
— "Ei, rapaz! Pode nos ajudar com esses troncos?" — chamaram dois senhores que tentavam levantar madeira para uma carroça.
— "Já estou indo!"
Ajudei-os com os troncos, recebendo sorrisos e palavras de agradecimento. Mais adiante, uma senhora me ofereceu frutas frescas como presente, e agradeci com uma reverência respeitosa. A vila, embora pequena, tinha uma atmosfera acolhedora e organizada. Não havia sinais de furtos ou conflitos, e o ambiente era agradável.
Após algumas interações, cheguei ao fim das casas e me deparei com um campo de mato raso. Embora fosse modesto, o espaço era ideal para o meu propósito.
— "Perfeito, não vejo nada suspeito por aqui." — murmurei, verificando o local.
— "Vamos começar o treinamento."
A princípio, meus movimentos estavam desajeitados e imprecisos. A lança improvisada, feita inteiramente de madeira, era leve demais para minhas mãos. Isso dificultava o equilíbrio e a precisão dos golpes. No entanto, com paciência e repetição, comecei a moldar minha técnica.
Cada golpe e balanço gradualmente encontravam um ritmo. Meus movimentos passaram a ter um propósito claro, e a prática constante transformava minhas falhas em progresso. Fiz pausas regulares de 15 minutos para recuperar energia, garantindo que pudesse manter a intensidade sem me exaurir completamente.
Horas se passaram, e meu foco permaneceu inabalável. O suor escorria pelo meu rosto, uma evidência do esforço constante. Quando finalmente parei, o sol estava se pondo, tingindo o céu com tons quentes de laranja e vermelho. A dor muscular irradiava por todo o meu corpo, mas sabia que essa era uma dor que marcava o crescimento.
— 'Uma dor boa...' — pensei, sorrindo de satisfação.
Com o corpo cansado, retornei ao chalé. Ao me aproximar, avistei vó Judith no pátio, organizando roupas em um novo varal. Ela parecia pensativa, sua expressão ligeiramente diferente do habitual.
— "Vó, o que está fazendo?" — perguntei, curioso.
Ela se virou, notando minha chegada, e sorriu levemente.
— "Ah, você já voltou? Estou organizando as roupas." — respondeu, com os olhos fixos na lança improvisada que eu carregava.
Com um tom mais preocupado, ela continuou:
— "Khargas, tome cuidado. Não se esforce além do necessário ou pode acabar se machucando."
As palavras carregavam preocupação genuína, e eu senti uma pontada de vergonha por talvez ter exagerado. Ainda assim, sua cautela aquecia meu coração.
— "Sim, vó. Vou seguir seu conselho."
— respondi, com um sorriso tímido.
Judith, então, pediu minha ajuda para trabalhar com o couro do javali que eu havia caçado anteriormente. Ao manusear o material, perguntei:
— "Vó, você vai vender o couro?"
Ela riu suavemente, acariciando minha cabeça com ternura.
— "Claro que não, Khargas. Esse couro será para você. Vou usá-lo para fazer roupas resistentes para seus treinos e caçadas."
Suas palavras me pegaram de surpresa, mas me encheram de gratidão. Minhas roupas estavam em farrapos devido ao treinamento intenso, e essa demonstração de cuidado reforçou o quanto Judith se importava comigo.
— "Muito obrigado, vó." — murmurei, a voz embargada pela emoção.
Ela sorriu, continuando a trabalhar, enquanto dizia:
— "Você me trouxe tanta alegria desde que chegou aqui. É o mínimo que posso fazer por você."
Terminando de pôr o couro para secar, Judith olhou de baixo para cima e riu do meu estado sujo, dizendo que eu parecia uma criança bagunceira. Prometeu costurar roupas provisórias até que o couro estivesse pronto, enquanto me empurrava para dentro do chalé para tomar banho.
Aquela noite foi marcada por uma sensação de lar. Judith era mais do que uma guardiã; ela era a figura que eu precisava para equilibrar minhas ambições com valores humanos.
Senti minha determinação renovada. Eu não apenas treinaria mais para me tornar forte, mas também buscaria ser alguém digno do amor e da confiança que Judith depositava em mim.