VOCÊ ESTA LENDO (O REINO TRIBAL)
Capítulo 8: Taxas de Sangue
Ao retornar para casa, Judith me olhou com um misto de curiosidade e preocupação, a expressão típica de quem está prestes a questionar algo que preferia não saber.
— "Garoto? O que fizeste com teus amigos? Daqui de dentro, ouvi sons estranhos... e gemidos agonizantes."
Fingi descontração, oferecendo-lhe um sorriso despreocupado:
— "Nada demais, vó. Só os fiz saírem... sorrindo super felizes!"
Ela estreitou os olhos, desconfiada, mas optou por não insistir. Em vez disso, mudou o rumo da conversa, assumindo um tom mais prático:
— "Bem, mudando de assunto, preciso que você vá a um mercador e compre linhas de lã. Essas linhas são itens de luxo em nossa aldeia e raramente encontramos por aqui. Provavelmente, você só vai achá-las na vila onde o conheci. Vou te dar bastante dinheiro, então tome cuidado!"
— "Entendo, vó. Vou comprá-las. Mas primeiro, deixe-me terminar o almoço."
Depois de comer, Judith me entregou quatro lingotes de cobre, colocando-os com cuidado em minhas mãos.
— "Não ande por lugares estranhos!"
— advertiu ela com firmeza. — "As redondezas estão cheias de bandidos. Ouviu bem?"
— "Sim, vó."
Enquanto me preparava para partir, ela me chamou novamente:
— "Espere, garoto! Deixe eu buscar uma coisa num instante."
Judith correu para o seu quartinho e voltou sorridente, segurando algo em suas mãos: uma mochila de couro desgastada pelo tempo.
— "Pequeno Khargas, use esta mochila. Vai te ajudar a carregar as compras."
Por um breve momento, seu olhar ficou distante, como se estivesse mergulhada em lembranças.
— "Eu mesma fiz essa mochila para meu filho... quando ele ainda estava comigo..."
Ela logo rapidamente disfarçou a tristeza, recuperando o entusiasmo:
— "Mesmo sendo uma velha agora, já fui uma grande costureira! Uma das mais renomadas da vila! Você tem sorte de ter uma vó como eu!" — disse com um sorriso orgulhoso.
Eu retribuí o sorriso, aproveitando o momento. Saber que aquele presente carregava tanta história tornava-o ainda mais especial.
Quando já estava pronto para sair, Judith fez um último aviso:
— "Certo, criança! Agora, nada de distrações. Caminhe sempre com a guarda alta, entendeu?"
— "Entendido, vó."
Com minha nova mochila e os lingotes guardados com cuidado, iniciei minha viagem.
O caminho até a aldeia foi tranquilo, como de costume. A brisa suave balançava as folhas das árvores, e o sol projetava sombras que dançavam pelo chão. Os pássaros também cantavam suas melodias.
Após cerca de 20 minutos de caminhada, avistei no horizonte uma silhueta inconfundível: o grande portão da aldeia, feito de pedras. Era impossível esquecê-lo, pois foi ali que sofri a humilhação de Doeny e seu grupo, mas também onde minha vida mudou, quando Judith me encontrou e me deu um novo lar.
O portão permanecia o mesmo, robusto e imponente, mas a atmosfera ao redor estava diferente. Existia mais movimento, e o fluxo de pessoas entrando e saindo era maior do que eu me lembrava. Algo parecia estar fora do normal.
À frente do portão, um novo guardião estava sentado, com olhos atentos que varriam a multidão. Uma fila longa de todos os tipos de pessoas se formava, e a confusão já começava a surgir.
Gritos e murmúrios ecoaram, crescendo em intensidade conforme me aproximava.
— "Mas o que é isso?! Agora estão cobrando taxas para entrar numa pequena vila?"
— bradou um homem de cabelos escuros, sua indignação evidente.
O guarda, impassível, respondeu com frieza depois de escutar a reclamação:
— "Cale-se, verme! Está querendo que o prenda?" — finalizou, rindo.
A resposta e o riso só atiçaram a raiva do homem, que perdeu completamente o controle. Ele avançou fúrioso contra o guarda, os punhos cerrados e os olhos ardendo de ódio.
— "Cão maldito! Quero ver rir de novo na minha frente!" — rugiu, apertando os dentes.
Tudo aconteceu em um piscar de olhos. O guarda, ágil como um predador, sacou sua espada e desferiu um golpe limpo, brutal. O braço do homem foi decepado, voando pelo ar e espalhando sangue como uma chuva vermelha.
O grito que se seguiu perfurou a multidão. O homem caiu de joelhos, contorcendo-se no chão enquanto clamava por perdão.
— "M-me p-perdoe...!!!" — lágrimas caíram, quando ele viu seu braço atirado no chão.
O guarda, por outro lado, permanecia frio e indiferente, como se nada tivesse acontecido. Sua voz cortou o ar com autoridade:
— "Ouçam bem todos vocês... Quem desrespeitar as ordens de Zatot será punido com prisão, ou morte! Igual o exemplo deste homem! — apontou, usando a espada.
— "Não ousem passar pelo portão sem pagar a taxa!"
A fileira caiu em um silêncio aterrorizado. O pavor estampado nos rostos de todos era inconfundível. Enquanto o homem gemia e se debatia no chão, o guarda esboçava um sorriso macabro, seu olhar sádico deixava claro que ele estava acostumado a impor o medo.
Eu, ainda parado à distância, observava a cena com atenção. Aquele novo guardião parecia ter sido posto por uma autoridade maior. Um símbolo de poder tirânico, e sua presença servia como um lembrete cruel: O que me fez recordar que não existia apenas uma forma de governar. Nesses casos, a força frequentemente falava mais alto do que a razão.
Conforme a fila avançava novamente, percebi que precisava ter cautela. A vila certamente estava passando por mudanças não convidativas...