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Chapter 25 - 25 — ISSO TUDO É INSANO, PADRE

As palavras entravam como farpas nos ouvidos de Elisa. Toda aquela história de ritual e feitiços e demônios, cada vez mais difícil de digerir. Os pelos do corpo se recusavam a deitar de novo sobre a pele. Os olhos, em alerta, fuzilavam Julio.

— Isso tudo é insano, padre.

Julio fez sinal para que ela não falasse, e continuou.

***

Certo dia, ainda de manhã, Ben chegou até nossa cidade. Não sabíamos, até então, quem ele era, e, infelizmente, só fomos saber quando já era tarde. Ele enfeitiçou uma moradora já no primeiro dia. Achamos que era amor. Os dois andavam para cima e para baixo, como se fossem amantes há muito tempo. Aurora era o nome dela. Uma garota cheia de vida e sonhos. Sairia de Rio Denso para a cidade grande. Queria ser bailarina. Porém, Ben a prendeu na cidade. A garota não sonhava mais em ir embora, e, depois de alguns meses, eles se mudaram lá para cima, no meio da mata, onde um dia a bisavó de Ben morou. Aurora comprou o terreno onde sua casa está construída agora, com as economias que seriam usadas para a vida fora daqui. Depois de algum tempo, eles souberam que teriam um bebê. Então Ben começou a construir a casa onde vocês estão hoje.

Todos da cidade estavam felizes pelos dois, inclusive eu. Não era todo dia que se podia ver o amor dar frutos tão rápido. E eles pareciam realmente apaixonados. O que era pra ser apenas um bebê, viraram dois. Gêmeos. A notícia se espalhou pela cidade e muitos falaram em dar uma festa. Afinal, o povo daqui amava aquele casal e o amor que um sentia pelo outro.

Eles eram reservados e vinham à cidade somente para comprar alimentos e fraldas para os filhos, mas nunca os traziam juntos. Ficamos sem conhecê-los por um bom tempo. Quando dizíamos que iríamos visitá-los, eles negavam. Não explicavam o porquê e achávamos que não queriam que as crianças socializassem.

Ben construiu tudo sozinho. Comprou as madeiras e todos os itens para a casa e instalou tudo. Ele tinha habilidade para aquilo, e a casa foi muito bem construída.

Não vimos o rosto das crianças até elas terem aproximadamente três anos de idade. Eles vieram para uma missa, e, naquele dia, tudo começou a fazer sentido dentro da minha cabeça.

Aconteceu algo estranho assim que elas entraram na igreja. Senti que Deus não estava na missa naquele dia, e os olhos dos dois sorriam com aquelas cores diferentes. Um olho castanho claro e um verde. A princípio, não vi nada demais, e todos os acharam lindos. Era uma beleza exótica e rara. Mas então coisas começaram a acontecer. Lembro que começou com o cachorro de um morador. Quando a missa terminou e Ben e sua família estavam indo embora, o cachorro começou a latir incansavelmente. Ele se debatia na coleira, até que conseguiu escapar e foi na direção de um dos garotos. Foi uma mordida apenas, e, em questão de minutos, o cachorro morreu. O sorriso nos lábios do garoto me persegue até hoje. Havia algo de errado com eles.

Foi então que decidi pesquisar por conta própria. Procurei em muitos sites da internet a respeito daquele sujeito, e, quando descobri, tudo pareceu se encaixar. Aderet também tinha o sobrenome Mendonça.

***

Elisa gargalhou. O padre apenas sorriu para ela.

— Você espera que eu acredite nisso? Isso soa tão louco quanto toda a cidade. — E, ao terminar a frase, deu-se conta de que, realmente, nada em Rio Denso fazia sentido.

Julio colocou uma mão no ombro da mulher e falou:

— Vou te dar um tempo para pensar a respeito, amanhã continuarei essa história. Acredito que você não gostará do que tenho a contar, mas é importante que saiba.

Elisa se levantou e assentiu.

— Posso vir aqui nesse mesmo horário amanhã, padre? Mesmo achando tudo estranho, preciso saber. Algo dentro de mim diz que preciso saber.

O padre se levantou também e pegou as mãos dela.

— Claro, minha querida. Amanhã, nesse mesmo horário, estarei te esperando. Amanhã, contarei o final dessa história e como Ben se tornou o demônio de Rio Denso e nos prendeu aqui, assim como prendeu vocês. Amanhã você saberá o porquê de seu menino correr perigo e falarei o que poderemos fazer para nos livrarmos de Ben. Por mais que sua cabeça diga que isso não passa de história, acredite. Não haja só com a cabeça, mas também com seu coração de mãe.

Elisa deu um beijo no rosto do padre e saiu. Ela não viu como Julio sorria enquanto ela caminhava para fora da igreja. Um sorriso de triunfo. Muita coisa que contara até agora era verdade, mas não o que contaria amanhã. Amanhã transformaria Ben no inimigo de Elisa e então teria sua aliada. E então teria o menino em suas mãos.

***

Elisa saiu da igreja mais confusa do que quando chegara. A história sobre Aderet foi uma das mais macabras que já escutara. E as crianças de olhos com cores diferentes a perturbava. Pensava se Bem os forçara a ir até Rio Denso por causa dos olhos de Rob. Perguntava-se se aquela peculiaridade do filho tinha algo a ver com o que vinha acontecendo ali. Não gostou de imaginar o que estava por trás daquilo tudo, mas se sentiu mais tranquila por saber que tinha o padre para ajudá-la. Não contaria nada a Augusto. Talvez depois que saíssem dali, mas não agora.

Antes de ir para casa, passou no mercado e fez uma compra semanal. Não queria ir até a cidade todos os dias para comprar comida. Quando chegou em casa, deixou-se ter um momento de procrastinação e assistiu à TV. Rob iria para casa com Berta naquele dia e ela não precisaria se preocupar em ir buscá-lo.

Ficou jogada no sofá até perto do meio dia, quando se levantou para fazer o almoço. Estava mais tranquila sabendo que teria mais respostas no outro dia. Pensou em não deixar mais que Berta ou Ben levassem Rob para a escola, mas acreditou que isso poderia chamar a atenção deles. Talvez percebessem que ela desconfiava de algo, e isso poderia ser perigoso.

Rob chegou pouco depois do meio-dia. Berta o deixou na porta da casa, e, com um sorriso, ele se despediu dela.

O menino abraçou a mãe assim que entrou na casa, com lágrimas quase escorrendo pelos olhos.

— O que aconteceu, meu bem? — perguntou ela.

Rob passou as costas das mãos pelo rosto, tentando espantar a vontade de chorar, e respondeu:

— Não foi nada, mamãe. Preciso ir para o quarto estudar. — Correu escada acima.

Elisa ainda berrou lá de baixo, dizendo para ele almoçar, mas o garoto não deu ouvidos.

Deixou Rob por um tempo sozinho. Talvez, se ela desse um espaço para ele, o garoto se abriria e contaria o que acontecera. Depois de quase vinte minutos, Elisa preparou um prato para Rob e foi até o quarto entregá-lo. Quando abriu a porta, o coração disparou. Estava vazio.

Procurou no seu próprio quarto e banheiros, mas nenhum sinal dele. Estava quase ligando para o marido, quando se lembrou: o forte no meio da floresta.