Aurora não conseguia tirar da cabeça que o padre estava tramando algo. Depois que soubera que seu filho poderia reviver e que talvez pudessem viver como uma família, somente os quatro, não parava de pensar no padre.
Todas as noites, ela ia até a igreja a fim de tentar descobrir algo sobre Julio Cani, mas sem sucesso algum. Parecia que ele estava quieto, em silêncio. Todas as noites, desde que vira aquela cena bizarra, espreitava por entre as árvores.
Mesmo na noite em que havia conseguido invadir os aposentos do padre, não conseguiu encontrar nada de útil para sua causa. Apenas o desprezível Julio Cani dormindo. Restava-lhe a esperança de ter Michael de volta, assim como o pequeno filho, agora chamado de Rob, que havia voltado.
E foi em uma manhã sem esperanças que ela avistou o carro de Elisa descendo em direção à cidade. Correu o mais rápido que pôde atrás do veículo, viu quando a mãe adotiva de Rob parou na frente da igreja. Depois viu quando o padre fechou a porta atrás de si e ficou a sós com a mulher.
O sangue de Aurora ferveu, pensou em correr até Ben para contar da nova. Preferiu ficar e observar. Os dois passaram um tempo considerável lá dentro.
— Mas o que vocês estão tramando, seus nojentinhos?
Ficou em observação até o momento que Elisa se retirou da igreja. Ficaria de olho a partir daquele momento. Na próxima, daria um jeito de ouvi-los.
Não precisou esperar tanto. No outro dia, Elisa foi novamente ao encontro de Julio. Portas fechadas mais uma vez.
Aurora foi até os fundos da igreja e a invadiu pela janela. Retorceu o nariz para o fedor azedo que empesteava o ambiente. Esperou atrás de uma porta, manteve-se atenta, ouviu a conversa.
Elisa os traíra. A traidora se juntou ao homem que tirara a vida de seu filho. O fogo do ódio inflamou nas entranhas. Ben precisava saber...
"Ben que se dane! Eu vou acabar isso hoje!"
Vasculhou as gavetas da cozinha até encontrar a faca adequada. Grande, afiada, feita para fatiar carne em bifes perfeitos. Esperou com a paciência fria de um caçador.
Quando ouviu a maldita porta da entrada se fechar, tendo a certeza que Elisa havia partido, Aurora correu para o andar de cima e se escondeu no banheiro.
Ouvidos atentos, coração disparado no peito, gotas grossas de suor minando dos poros. Aurora mordia os lábios e os molhava com a língua a cada segundo; a adrenalina fazia a faca tremer em volta dos dedos apertados.
Ouviu quando Julio chegou ao quarto, e espiou pela fresta da porta. O padre estava completamente nu e caminhava em direção à cama. Esperou mais um pouco, seria melhor quando ele estivesse acomodado. Teria o elemento surpresa, faria o que Ben deveria ter feito há tempos. Por quê? Por que Ben não já tinha dado cabo daquele desgraçado? Por que deixá-lo vivo depois do que fizera ao pequeno Michael?
Ela pressionou a ponta faca contra a palma da mão esquerda, sentiu a navalha entrar na carne. Rilhou os dentes, gotas de suor desceram pelo nariz e pingaram ao lado do sangue que brotava do corte. O olhar psicótico enxergava o pescoço de Julio Cani ali onde a lâmina furava. Havia chegado o momento.
Saiu do esconderijo na ponta dos pés, certa da vitória. Foi quando viu aquela aberração e a própria voz a traiu; saiu sem pedir permissão. Um sussurro alto o suficiente para estragar o elemento surpresa.
Julio estava de quatro e era como se sentisse alguém penetrando-o com força. O som de Aurora o fez se virar de assalto para a mulher. Os olhos escancarados pareciam não acreditar na visão.
Aurora correu na direção dele com a faca acima da cabeça, pronta para acertá-lo, mas era tarde demais. Julio aparou a mão dela, apertou o pulso da mulher e o torceu, a faca bateu contra o piso de madeira. Ele largou a louca e a empurrou com as duas mãos. Aurora emitiu um urro surdo quando suas costas bateram contra a parede, o mundo girou e o oxigênio decidiu fugir dos pulmões.
A diferença de força entre os dois era descomunal. Além de tudo, a fúria que se desenhava no rosto dele era a mesma que inflava as veias e os músculos. Ele apanhou a faca e decidiu que a mataria ali mesmo, naquele momento. Deu um, dois, três passos... e parou. O sopro divino dizia que não. Não era o momento.
— Você é burra o suficiente pra tentar me matar? — berrou Julio. Filetes de saliva voaram sobre Aurora. — Acha mesmo que alguém inútil como você conseguiria tirar minha vida?
Aurora se espremeu contra a parede, o choro vazou sem permissão.
— Demônio — sussurrou Aurora. — Você sabe que, se fizer alguma coisa comigo, vai ter que se entender com Ben, não sabe? — Deixou um risinho assustado fugir da garganta.
Julio jogou a cabeça para trás gargalhando. A risada começou baixa e foi aumentando gradativamente. Ele cerrou um punho e desferiu um soco calibrado no rosto de Aurora, gotas de sangue pintaram a parede.
— Você que se casou com um demônio. Você que pariu dois demônios. Não me chame disso, sua vagabunda. Eu cumpro apenas a vontade de Deus! — Cuspiu na cara dela.
Aurora apenas soluçava aos prantos. Julio a agarrou pelos cabelos, arrastou-a até o banheiro e a jogou lá. Bateu a porta e a trancou por fora. Vestiu-se e sentou na beira da cama.
Achou que seria uma boa ideia mantê-la ali até a lua vermelha aparecer. Sim! Isso mesmo. Aurora seria a primeira a sentir a fúria de Deus. E morreria pelas mãos do próprio Julio na frente de Ben. Talvez até Elisa gostasse da ideia. Depois que a mulher soube quem era Aurora, era muito provável que aprovasse os planos do padre.
Ele procurou uma corda e uma mordaça e voltou ao banheiro.
Aurora tentou avançar contra o padre no momento em que ele abriu a porta, e foi recebida com outro murro na face. O nariz estalou e espirrou mais sangue. A mulher caiu sentada e levou as mãos ao local do impacto, grunhindo de dor. Ele a empurrou com o pé, montou sobre ela e a pôs de costas, puxou as mãos dela e as amarrou. Enfiou a mordaça na boca de Aurora a prendeu com um nó firme.
Julio estava quase fechando a porta de novo, mas parou, pôs o rosto contra fresta e disse:
— Reze para seu Diabo, mulher imunda. Mas acredito que, daqui de dentro, ele não ouvirá. É o seu fim, Aurora.
Trancou a porta por fora.
***
O nariz de Aurora pulsava numa dor horrenda e o sangue estancou depois de um tempo considerável; mordia a mordaça para aliviar a dor.
Apenas duas coisas passavam pela cabeça dela naquele momento. A primeira era a dor de ter estado tão perto de acabar com o inimigo e ter falhado. A segunda coisa era o arrependimento de não ter avisado ao Ben.
O coração da mulher pulsava dizendo que era seu fim.