O resto do dia de Augusto correu "bem". Como de costume, o hospital não recebeu paciente algum. As horas demoraram para passar dentro daquele prédio, onde o tédio tomava conta. Volta e meia, pegava-se pensando no que Ben havia dito. Imaginou que tinha algo de estranho com aquela cidade, mas jamais passou pela sua cabeça algo daquele tipo. Ainda se recusava a acreditar em Ben, mas, no fundo, por mais que lutasse contra, a possibilidade de o homem falar a verdade era muito grande.
Marcos o ajudou com a limpeza do hospital. Ele era pago para atender pacientes, mas, como não tinha nenhum, obrigava-se a fazer algo para passar o tempo. O chão do hospital estava limpo, mas não deu importância. Passou a manhã toda limpando tudo. Iria embora antes do expediente e falaria para Ben que não iria mais para aquele hospital, já que não tinha trabalho para fazer. Deixaria o número do seu celular com Marcos para o caso de aparecer alguém. O único problema era a distância do hospital até sua casa. Ir pra lá sem carro era tarefa para quem, no mínimo, praticasse algum tipo de exercício físico, coisa que estava muito distante de Augusto.
No fim, decidiu por esperar a carona de volta. Diria a Ben que não voltaria no outro dia, ficaria de plantão em casa no outro dia.
***
Assim que Rob voltou para casa, jogou-se no sofá e ficou assistindo TV. Acreditava no que o irmão tinha dito, porém, sentia-se com medo. Não do que pudesse acontecer com ele, mas do que poderia vir a acontecer com Michael. Estava feliz por ter alguma companhia na cidade, e a possibilidade de perder seu único amigo o deixava apavorado.
Bóris se deitou nos pés de Rob e fez companhia ao garoto. Parecia sentir o medo dele e correu até Rob para protegê-lo ou ampará-lo.
Elisa cuidava da limpeza da cozinha. Volta e meia, olhava para trás para se certificar de que o filho ainda estava lá. Ele percebeu aqueles pequenos atos dela e ficou imaginando o que se passava pela cabeça da mãe. "Será que ela sabe?" e "Será que contaram para ela também?" eram perguntas que rondavam os pensamentos do garoto. Voltou sua atenção novamente para a televisão e se deixou imergir nos desenhos animados.
***
Elisa não conseguia tirar da cabeça as palavras do padre. Também não parava de imaginar que seu pequeno Rob pudesse ser um demônio. Ele sempre foi um garoto tão bom e carinhoso, que essa ideia chegava a ser insana. Acreditar em demônios para ela era algo estranho. Jamais havia sido religiosa, e, quando foi buscar respostas com um padre, ele viera com aquele bombardeio de informações. Mas ela acreditava em Julio. Um padre não poderia ser uma pessoa ruim, e, além disso, por que ele mentiria? Olhava para fora a cada minuto, para se certificar de que a lua que ele havia falado não apareceria no céu. Assim que visse os contornos dela, pegaria Rob e correria. Não falaria nada para o marido, pois imaginava que ele não acreditaria nela. Acharia que ela estava louca e não a deixaria levá-lo até o padre. E, se isso acontecesse, seu filho estaria perdido. Ben o pegaria para seus rituais ou sabe-se lá o que mais. Às vezes, virava-se para o filho, que assistia à televisão na sala, e não conseguia vê-lo como um demônio. Mas se o padre falara que essa era a natureza dele, ela tinha que acreditar. Além do mais, Julio disse que, por conviver longe dos verdadeiros pais, talvez esse lado de Rob não tivesse sido despertado. Enquanto secava a louça do almoço, lágrimas ameaçavam escorrer.
Depois de limpar a cozinha, Elisa levou sua mesa e seu notebook para o lado de fora, onde continuaria a escrever o romance. Precisava sair um pouco da realidade e da loucura daquele lugar e ocupar a mente com outras coisas. O sol brilhava no céu, mas a grande árvore que ficava na frente da casa fazia uma sombra aconchegante, onde uma brisa fresca soprava e refrescava qualquer um que ficasse lá embaixo. Aquele lugar e a vista para a cidade acalmaram-na. Quando se deu conta, a noite já estava quase chegando, e com ela vieram Augusto e Ben.
***
Assim que Augusto chegou em casa, encontrou Elisa debaixo da árvore escrevendo. Os cabelos castanhos dela voavam com o vento e um sorriso acolhedor surgiu no seu rosto ao avistar o marido. Porém, quando direcionou os olhos para Ben, que se encontrava dentro do carro, aquele mesmo sorriso se transformou em uma expressão carrancuda. Ela pegou o notebook e entrou sem cumprimentar o homem. Após se despedir de Ben e avisar que não iria para o hospital no outro dia, Augusto entrou em casa. Elisa e Rob estavam jogados no sofá assistindo TV. Ver aquela cena encheu o coração do médico de paz. Como amava a família que tinha. Largou a pasta em cima da mesa de jantar e sentou-se no sofá, beijando a mulher e o filho.
— Como foi o dia de vocês? — perguntou.
Rob olhou para o pai e sorriu.
— Foi legal. Fiz algumas amizades na escola hoje — disse, lembrando-se da ajuda que Michael tinha dado a ele para que os valentões não o incomodassem mais.
Elisa respondeu, ainda olhando para a TV, com uma voz um pouco fria e distante:
— Foi normal, nada demais.
O médico ficou em silêncio. Os três assistiram TV até a hora do jantar.
***
Quando Rob foi até o quarto, pôde ver Michael deitado na cama. Não disse nada, pois o pai iria até lá logo em seguida para terminar a história, que, naquela noite, ele recusaria ouvir. Queria conversar com o irmão. Tinha tomado uma decisão.
— Pronto para a história, garotão?
— Hoje não quero ouvir, papai. Estou com muito sono.
Augusto encarou o filho por alguns segundos. Rob nunca tinha recusado as histórias antes de dormir. Deu de ombros e foi até o filho para dar um beijo de boa noite. Apagou as luzes e saiu.
Assim que teve certeza que o pai já estava no seu quarto e não poderia ser ouvido, virou-se para Michael.
— Tudo bem, eu te ajudo. O que preciso fazer?