Nuvens negras começavam a se formar no céu, deixando apenas a grande lua vermelha à vista. Raios e trovões explodiam no céu, anunciavam o mal vindouro. Ben e Berta foram o mais rápido possível para a grande casa no topo da colina, onde Michael os aguardava. Passaram pelo carro capotado de Ben, mas nem se deram ao trabalho de olhá-lo. Subiram o morro com o ponteiro atingindo os 100km/hr, fazendo com que os passageiros se segurassem em algum lugar firme do carro.
Quando chegaram lá em cima, Ben e Rob viram Michael sentado no chão. O garoto saiu correndo do carro e foi até o amigo. Abraçou-o, mesmo sabendo que suas mãos o atravessariam.
— Eu sinto muito — disse Rob, com lágrimas escorrendo pela face.
Michael não estivera lá, mas sentira tudo. Sabia que sua mãe tinha partido e que algo de ruim havia acontecido com ela. Estava furioso e ansiava por reviver e ter sua vingança.
Michael estava sem as ataduras na cabeça. Quando direcionou o rosto na direção de Rob, sua expressão demonstrava raiva. Os lábios estavam comprimidos e Rob podia jurar que via os olhos do irmão naquelas cavidades escuras, espremidos em uma fúria mortal.
— Você prometeu. Agora vá. — Foi tudo que disse.
Elisa e Augusto não entenderam o que acontecia. O filho abraçou o nada e conversava sozinho. Quando ele subiu na árvore o médico correu na sua direção, mas, quando chegou até o filho, ele já tinha entrado pelo grande buraco do tronco.
— O que é isso, Ben? O que está acontecendo?
Ben suspirou. Precisava manter a calma, mesmo que seus nervos estivessem explodindo. Augusto não tinha culpa do que aconteceu. Caminhou até o médico e o puxou para a beirada da colina.
— Ele estava conversando com Michael. Somente eu e Rob podemos vê-lo. E agora ele foi até o encontro do corpo do meu filho, que está enterrado embaixo dessa árvore. Logo vocês irão embora. Você e seu filho.
O médico quase se sentiu aliviado com aquelas palavras. Foi quando se deu conta de que Ben não havia mencionado o nome de Elisa.
— E minha mulher também — disse o médico.
Ben o encarou com os olhos vermelhos, que refletiam as nuvens no céu e os raios que faiscavam volta e meia.
— Ainda decidirei o que farei com ela.
Augusto abriu a boca para discordar de Ben, quando um barulho alto rugiu de dentro da árvore.
— Venha, vai começar — disse Ben, puxando o médico para longe do lugar.
***
Assim que entrou na árvore, Rob desceu, fazendo pressão nas laterais do tronco com os pés. Insetos estavam por toda parte e começavam a subir pelo corpo do garoto, mas ele não temeu. Precisava ajudar o irmão. Desceu alguns centímetros até encontrar terra firme. Nunca imaginara que houvesse algo lá dentro. A árvore sempre foi um enfeite para ele e servia apenas para fazer sombra para que pudessem desfrutar da vista da cidade. Porém, descobriu que, na verdade, ela tinha outra utilidade. Era usada para conservar o corpo do irmão. Era por ali que as crianças eram jogadas como oferenda. Lembrar daquilo deixava Rob triste. Não sabia se gostava ou não de Ben e toda sua família por causa desses sacrifícios de inocentes, mas tinha prometido para o irmão.
Estava escuro lá embaixo e ele não conseguia ver um palmo à sua frente. Dava passos cautelosos e, volta e meia ouvia, algo quebrar debaixo dos pés. Tentava dizer para si mesmo que eram gravetos de árvore, mas sabia, no fundo, que eram os ossos dos bebês. Continuou andando até chutar algo grande. Agachou-se e passou a mão por cima da coisa. Era seu irmão. Respirou uma última vez, pegando todo ar que conseguia, e deitou-se em cima do corpo imóvel. Alinhou suas mãos com a do corpo. Colocou seus pés em cima dos pés de Michael e, por fim, tocou os lábios nos do cadáver.
O que aconteceu inundou o coração de Rob de amor e ódio ao mesmo tempo. Em questão de segundos, reviveu toda sua vida, desde o nascimento até a morte do irmão. A ida para o orfanato e a adoção por Augusto e Elisa. Michael viu tudo também, e, por alguns instantes, sentiu inveja pela vida feliz que Rob tivera. Michael urrou. A conexão estava feita novamente. Os irmãos se ligaram, conectando-se um ao outro mais uma vez. E então Michael abriu os olhos, revelando a mesma cavidade vazia que o fantasma dele possuía. Sorriu para o irmão.
— Saia de cima, Rob, preciso respirar.
Rob gargalhou. Michael se sentou com certa dificuldade. Seu corpo estava fraco. Pedaços de pele estavam decompostas e Rob pôde ver que alguns dentes faltavam na boca do irmão. Os insetos agora subiam pelo corpo dos garotos, como se fossem animais de estimação. Raízes começavam a avançar até eles, e, em questão de segundos, os dois estavam envoltos nelas. Agora, subiam pelo buraco da árvore, por onde Rob descera. Primeiro Rob, depois Michael.
Chovia do lado de fora. Os pingos grossos que caíam do céu lavaram o corpo dos dois, livrando-os dos insetos. Deram as mãos, e, juntos, caminharam até o grupo que os esperava. Michael se soltou das mãos do irmão e correu para os braços do pai, abraçando-o e beijando-o.
— Como eu senti sua falta, pai.
Ben chorava por poder ver e tocar o filho de novo. Aquilo era tudo o que desejava desde que se fora. Queria tocá-lo novamente e senti-lo, poder beijá-lo a afagar seus cabelos. Abraçou Michael com a mesma intensidade que o garoto o abraçava, e os dois ficaram assim por um tempo, matando a saudade do toque.
Atrás deles, grandes raízes se moviam, vivas. Elas eram parte de Michael agora, como uma extensão do corpo ressuscitado.