A chuva caía forte sobre a cabeça das pessoas que estavam lá fora. Raios e trovões se tornavam cada vez mais ferozes e o vento soprava com uma intensidade avassaladora, fazendo os cabelos e roupas deles não pararem de se mover de um lado para o outro. Ficaram todos em silêncio observando a cena do reencontro do pai com o filho. Augusto, Berta e Rob choravam. Elisa estava paralisada, temendo pelo que aconteceria com ela.
Michael e Ben ficaram abraçados por algum tempo. Rob se sentia feliz pelo irmão e por Ben. Porém, tinha certeza de que algo muito ruim aconteceria com todos os moradores da cidade dali a alguns instantes. Michael viu através do irmão o que fizeram com Aurora e não deixaria os moradores de Rio Denso vivos.
Rob sabia que haveria uma carnificina e desejava não estar ali para ver. Além do mais, aquelas raízes que saíam da árvore e não paravam de se mexer não eram um bom presságio.
Michael soltou os braços do corpo do pai e falou:
— Augusto, Elisa e Rob, peguem o carro e vão. O que vocês tinham para fazer aqui foi feito.
Berta explodiu:
— Você vai deixar essa vagabunda ir embora? Ela quase me matou e levou Rob para os braços do padre. Ela causou a morte da sua mãe!
Michael virou a cabeça para a avó, com as cavidades onde antes ficavam os olhos, totalmente escuras e espremidas.
— O que ela fez foi errado, mas foi feito por amor. Como ela poderia tomar alguma decisão se nenhum de vocês contou nada a ela? Deixaram-na no escuro, e tudo que a pobre mulher fez foi tentar salvar o filho. Se ela tivesse entregue Rob ou não, Aurora teria morrido de qualquer forma. Ela estava na posse do padre antes mesmo de Elisa chegar lá, vi através dos olhos de Rob que minha mãe já estava crucificada. Deixe a mulher viver e ser feliz junto da sua família. Já nos intrometemos demais na vida deles.
Berta não gostou da resposta. Deu de ombros, esboçando uma cara de desgosto pelo que ouvira.
— Ben, deixe o caminho livre para que eles possam ir. Augusto, pegue o cachorro de vocês no carro da minha avó e vão. Rio Denso não é um bom lugar para se morar, e vai ser pior ainda depois de hoje. Vão agora.
Ben assentiu. Não tinha planos de fazer nada com Elisa também, e, como o filho havia dito, eles cumpriram com o papel deles na história.
— Vão agora. A passagem estará livre para você e sua família. Desculpe-nos por tudo o que aconteceu, mas foi preciso — disse Ben, indo na direção de Rob. Abaixou-se na frente do garoto e o abraçou.
— E você, meu filho, seja feliz. Seu lugar não é aqui, você tem uma família que te ama muito. Me dói ter que te deixar partir, mas aqui você não encontrará amor. — Beijou Rob no rosto e se afastou.
Augusto correu para o carro de Berta. Pegou Bóris no colo e o colocou no carro dele. Elisa foi atrás do marido e se sentou no banco da frente, sem se despedir de ninguém. O médico parou à frente da porta do motorista e ficou observando o filho ir ao encontro de Michael.
— Vou te ver de novo?
Michael entrelaçou o corpo do irmão em seus braços, e, se tivesse como, estaria chorando. Foram separados por uma vida toda, e, quando finalmente poderiam ficar juntos, separar-se-iam de novo.
— Acho que não.
Rob assentiu.
— Então... se cuida. — Virou-se para ir até o carro.
Assim que todos entraram no veículo, Augusto deu a partida e desceu a colina, deixando tudo para trás. Jamais veria aquele lugar outra vez e nem as pessoas que o obrigaram a ir até lá.
A cidade estava um caos. Via pessoas escondidas dentro de suas casas e outras correndo de um lado para o outro pelas ruas; algumas tentaram abrir a porta do seu carro e caíram por causa da velocidade. Em algumas árvores, corpos inertes balançavam de um lado para o outro com os pescoços envoltos por cordas. Pessoas berravam pedindo ajuda, o médico as ignorou. Mereciam o que estava por vir, mesmo não sabendo o que aconteceria.
Em alguns cantos, podiam ver coisas rastejando. Na primeira olhada, pareciam cobras, o que deu calafrios em Rob e em Augusto. Mas, depois de olhar bem, viram que eram raízes. Estavam vivas, da mesma forma que as da árvore do topo da colina. Rob pensou que elas faziam parte de Michael agora. Não sabia como e nem o porquê, mas tinha certeza daquilo.
Quando chegaram na fronteira de Rio Denso, onde a placa de boas-vindas estava fincada no chão de barro, Augusto viu um aglomerado de gente. Tentaram fugir e foram detidos pela magia de Ben, da mesma forma que, dias atrás, ele, Rob e Elisa foram impedidos.
Quando viram o carro, começaram a acenar. Assim que perceberam que Augusto não pararia, abriram espaço para não serem atropelados. Alguns jogaram pedras na direção do veículo, deixando o para-brisas trincado. Mas, daquela vez, o carro não morreu. Estavam livres. Finalmente deixariam aquele pesadelo para trás e poderiam tentar ter uma vida normal outra vez. Enquanto dirigia, Augusto olhava pelo retrovisor. Rob também olhava para trás, observando a cidade sumir no horizonte, conforme o pai acelerava o carro.
Elisa estava cabisbaixa desde que saíram da casa, inerte nos próprios pensamentos. Nunca seria a mesma novamente. Uma voz gritava em sua cabeça, chamando-a de assassina. A voz berrava para ela, dizendo que era ela quem deveria ter sido queimada. Berrava dizendo para se matar caso quisesse redenção.
A voz não a abandonaria tão cedo, e só cessaria quando ela colocasse o cano do .38 na boca e estourasse os miolos dali a alguns anos, depois da depressão e da loucura a tomarem.