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Chapter 28 - 28 — SONHO COMPARTILHADO

Elisa e Augusto tiveram o mesmo pesadelo naquela noite. Sonharam com pessoas levando um menino amarrado a um tronco de árvore. Viram Rob no sonho também; alguém segurava o filho dos Vianna. Por último, Elisa viu Padre Julio comandando as pessoas.

O casal acordou de forma sincronizada. Os dois se sentaram na cama e jogaram o cobertor para o lado. Saltaram da cama, as gotas de suor voaram do rosto. Gritaram ao mesmo tempo, como se ensaiassem por anos para fazer aquilo.

— Rob!

O garoto estava sentado na cama. Encarava a janela com um olhar triste.

—Rob, filho — Elisa se ajoelhou ao lado do filho —, tá tudo bem, filho?

— Está... sim, mamãe. — A voz do menino tremulava. — Foi só, só um pesadelo. Encarava Michael ainda e percebeu que somente ele podia vê-lo.

A possibilidade de terem tido exatamente o mesmo pesadelo existia? Elisa remoeu a pergunta várias vezes em poucos segundos. Depois do que já tinham visto, talvez fosse a coisa menos estranha até então.

Augusto decidiu que encararia Ben à procura de respostas. Sua família estava trancada naquela porcaria de cidade e o único que parecia saber de algo era o velho. O médico exigiria explicações e contaria sobre o sonho. Apesar de saber que Ben não era de confiança alguma, Augusto não tinha opção. Pelo menos, tentaria arrancar algumas respostas.

O casal decidiu levar Rob para dormir com eles. Augusto pegou o filho no colo e se virou para sair do quarto. Michael voltou a ficar no campo de visão de Rob. A cabeça enfaixada ainda mirava o vazio. A tristeza atingia Rob em cheio; pensou em se livrar dos braços do pai, mas nem para isso sentiu energia. Sabia que aquilo tinha sido real, mas não entendia o porquê de ele mesmo estar no sonho. Talvez apenas para ver? Mas o que Michael pretendia com aquilo?

Gostaria de ficar com Michael, consolá-lo. De fazê-lo rir. Tentar contar algumas piadas, ou até mesmo coisas que haviam acontecido em São Paulo talvez o fizessem melhorar. Mas sabia que ele precisava ficar sozinho. Sentia que sua companhia não ajudaria em nada. Estendeu a mãozinha dando tchau e se deixou ir com os pais.

Elisa e Augusto esperaram que Rob adormecesse, depois caíram nos braços de um sono pesado e isento de qualquer sonho.

Não viram Michael chorando no outro quarto. Um choro sem lágrimas, mas cheio de dor. Não a dor por lembrar do sofrimento que passou, mas a dor de lembrar de tudo que perdeu por causa daquele dia. A dor de não poder abraçar seu pai, apesar de poder vê-lo todos os dias. A privação da companhia da mãe e dos afagos e carinhos que ela sempre dera a ele. Mas talvez o pior de tudo fosse a dor de ter sido separado de seu irmão. De ter sido privado de crescer junto dele ou de ter uma vida feliz. Sentia-se enfurecido às vezes por saber que Rob vivera todo aquele tempo longe e que jamais soubera da existência do irmão em Rio Denso. Era uma dor que esmagava seu coração quase adormecido, de batimentos fracos. Uma dor que perfurava a alma. Que alimentava a raiva e dava mais forças para praticar a vingança.

Michael desceu as escadas do quarto. Não precisava fazer aquilo, mas gostava de se comportar como alguém vivo. Tinha um corpo quase imóvel e sem vida, mas seu espírito vagava pela cidade, preso aos sentimentos. Sentia as lágrimas escorrerem pelas bochechas, mesmo sabendo que era apenas uma sensação. Sentia o ardor da raiva enrubescer a face, mesmo sabendo que era impossível. Sentou-se no gramado, olhando para as luzes da cidade. As luzes dos postes da rua. Às veze, lembrava-se de quando a família era completa e das noites quando os quatro se sentavam juntos ali, desfrutando apenas da companhia um do outro. Mas aqueles tempos morreram. Michael sabia que não os teria de volta. Rob não era mais seu irmão. Esse elo fora cortado naquele dia. Todas as memórias de Rob eram com a família que agora estava lá dentro daquela casa; do casal que o abraçava ao dormir.

Michael sentiu o pai se aproximando, mas não se virou. Às vezes, odiava-se por ter transformado Ben no que ele era agora. O pai sempre fora uma pessoa alegre e amável. Fazia de tudo para que a mulher e os filhos fossem felizes. Estivera sempre presente na vida deles. Lembrar das tardes em que os três jogavam futebol naquele imenso gramado, enquanto a mãe se sentava na varanda para ler algum livro de romance, não ajudava em nada com seus sentimentos naquele momento.

Bem se sentou ao lado de Michael e ficou em silêncio. Passou o braço por trás do filho para abraçá-lo, mas a mão passou direto e encontrou o gramado. Michael odiava isso. Não o fato do pai tentar contato com ele sempre que o via, mas sim de esquecer que o filho era agora uma espécie de fantasma. Que seu corpo estava quase sem vida. Sem alma.

Ben soltou um suspiro e quebrou o silêncio:

— Sinto muito por ter que reviver aquilo, mas chegou a hora de mostrar a eles. Principalmente a Rob.

Michael sabia disso. O garoto era a peça-chave. Sem ele, não poderiam terminar o que começaram há nove anos. Augusto e Elisa eram irrelevantes e, por mais que gostasse deles, se ficassem em seu caminho, seriam mortos. Por isso, eles queriam mostrar aos três. Precisavam que entendessem. Dali a algumas noites, a lua do diabo subiria aos céus. A mesma lua que dera início a tudo.

Michael e Ben ficaram por algumas horas sentados no mesmo lugar sem trocar palavra alguma. Os dois ficaram perdidos nas lembranças do passado. Um misto de alegria e raiva corroía os dois.

Já era quase manhã quando Ben se levantou.

— Logo terei que vir buscar o médico. Tenho certeza que ele me questionará a respeito do sonho. E seu irmão — Ben parou quando disse aquela palavra —...Rob também questionará.

Ben adentrou a mata, enfiou-se na cabana e deixou as lágrimas rolarem sob a água do chuveiro.