A carruagem parou em frente à mansão dos Ashter quando o sol já estava prestes a se pôr. Com os fundos fornecidos por seu pai ainda intocados, Rosalie decidiu tratar Aurora de um passeio, visitando restaurantes e lojas e se entregando aos pequenos luxos que há muito desejava, mas nunca poderia pagar. Incerta se a original Rosalie já havia demonstrado tal gratidão à sua empregada pelo tratamento gentil que recebia, resolveu fazê-lo mesmo assim. Afinal de contas, Aurora merecia.
Ao entrarem na casa, foram recebidas com expressões apreensivas e perplexas dos empregados, que estavam sem saber como se comportar ao ver Rosalie.
'O que está acontecendo aqui?'
Embora Rosalie tivesse se acostumado a ser desprezada e tratada com negligência, até mesmo hostilidade, era a primeira vez que testemunhava tanto as empregadas quanto os mordomos olhando para ela com olhos cheios de frustração e medo reprimido.
Assim que a Governanta-Chefe avistou sua chegada, Aurora foi chamada para a cozinha, deixando Rosalie a saudar os outros membros de sua família, que ainda não havia visto naquele dia.
Aproximando-se do estudo de seu pai, Rosalie ouviu um estrondo retumbante, como se um objeto pesado tivesse colidido com o chão. Foi seguido pelos gritos veementes, quase desvairados, de Raphael, lançando acusações de atos desprezíveis e vergonhosos em direção ao Lorde Ashter, enquanto continuava a atirar outros itens valiosos ao chão.
'Isso é o bastante, Raphael! Rosalie tem vinte e um anos agora, se ela não se casar logo, terá que passar o resto da vida trancada no Templo e morrer solteirona! Ao menos este casamento beneficiará nossa família!'
No momento em que Ian Ashter concluiu seu monólogo depreciativo, a porta de seu estudo se escancarou com uma batida estrondosa. Raphael saiu do quarto como se ele estivesse em chamas, mas seu passo vacilou ao ver sua irmã parada diretamente em seu caminho, segurando duas caixas de papelão com seus braços esguios.
Um sorriso vil torceu seus traços numa forma de crescente. Suas mãos grandes arrancaram a caixa rosa do alcance de sua irmã, descartando a tampa da caixa no chão. Ele extraiu o vestido, agarrando-o firmemente pelas mangas, e girou para encarar seu pai, seu sorriso selvagem lembrando o de um homem perturbado.
'Então, é isso? Você vai desfilá-la na frente dos Amados como gado?!'
Aproveitando a distração de Raphael, Rosalie discretamente escondeu a outra caixa contendo o vestido vermelho atrás de um dos grandes vasos de flores posicionados contra a parede próxima, e se colocou na frente dele, protegendo-o com todo o seu corpo.
Já que Lorde Ashter permanecia sem uma resposta para contra-atacar as palavras de seu filho, Raphael lançou outro olhar de desprezo para o vestido e zombou.
'Você até deu a ela dinheiro suficiente para comprar um desses vestidos chiques da Senhora Cecilia, hein?! Bem, isso não vai acontecer! Não permitirei!'
'Raphael, você está ultrapassando o limite aqui! Eu ainda sou o chefe da família e você ––'
Seu pai tentou razoar com o homem, mas já era tarde demais. As mãos fortes de Raphael seguraram o tecido macio e elegante entre seus dedos e, com um movimento rápido, o vestido foi rasgado ao meio.
Rosalie permaneceu paralisada, assistindo seu irmão destroçar o vestido como uma fera selvagem destruindo impiedosamente sua presa. Rasgo após rasgo, a peça antes requintada e cara se transformava em nada mais do que retalhos sem valor.
Por fim, os olhos da garota estavam fixos no monte de tecido, renda, contas, joias e fitas ao lado dos pés de seu irmão – uma visão lamentável, se não pior – e uma onda estranha de tristeza e arrependimento inundou todo o seu ser. E como se tentasse fazê-la se sentir ainda pior ou simplesmente para manchar o que restava daquela vislumbre de beleza que Rosalie teve a chance de contemplar, Raphael pisou sobre o vestido arruinado e começou a pisoteá-lo como uma criança tendo um ataque de maldade, esmagando-o com o peso de seu corpo e sujando-o com a sujeira de seus sapatos.
Uma vez que Raphael parecia contente com o resultado de suas ações, ele caminhou em direção à sua irmã, segurando seu queixo firmemente, e a encarou com o olhar mais aterrador que ela já havia presenciado.
Temendo o que poderia vir a seguir, Rosalie instintivamente fechou os olhos e tentou se afastar, mas a pegada de seu irmão a manteve firmemente no lugar. Preparada para suportar o que viesse — seja um tapa no rosto, ser jogada no chão ou até mesmo uma surra — ela simplesmente desejava que aquilo terminasse ali, para evitar algo pior durante a noite.
Contudo, nada aconteceu.
Rosalie abriu lentamente os olhos e notou que os olhos um tanto contrariados, porém ainda irritados, de Raphael percorriam todo o seu rosto como se tentassem ler algo nele. Ele então abriu a boca, seus lábios tremendo incontrolavelmente, mas tudo o que conseguiu dizer foram apenas fragmentos de seus pensamentos frenéticos.
'Você..! ...Droga, Rosalie! Argh!'
Ele balançou a mão, soltando o rosto de Rosalie, e saiu tempestuoso, com seus passos pesados ecoando pelo corredor do segundo andar como trovão. Lorde Ashter soltou um suspiro cansado e se trancou de volta no estudo, enquanto sua filha ficou sozinha, parada sobre o montinho de tecido sujo que, até minutos atrás, fora um valioso presente de um estranho generoso.
Ela se ajoelhou diante do vestido arruinado e, sem mesmo perceber, suas mãos estavam enterradas entre os pedaços rasgados de tecido e renda, deslizando-os entre seus longos dedos, tentando sentir pela última vez a beleza que desvanecia.
Era a beleza que ela não merecia. Era a beleza que não lhe pertencia. Era a beleza que nunca poderia pagar para começar. E como esperado, desapareceu tão repentinamente quanto apareceu.
'Como ele pode esmagar algo tão belo e valioso com tanta facilidade? Como esperado, seu coração enegrecido é vazio.'
Rosalie se levantou, caminhando em direção ao grande vaso de flores onde havia escondido discretamente a caixa não percebida. Enquanto se dirigia ao seu quarto, seu coração batia como um cavalo em galope, seja por ansiedade avassaladora ou pelo medo das consequências potenciais caso a raiva de Raphael persistisse.
Abraçando a caixa de papelão firmemente contra o peito, a garota balançou a cabeça e suspirou. Dois dias. Apenas dois dias restavam até o banquete.
Ela tinha que sair.