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Chapter 24 - 24 — A MULHER INFÉRTIL

— Antes de conversarmos sobre Ben, deixe-me contar sobre uma estátua que ficava aqui, nessa praça. Ela foi feita há muitos e muitos anos, antes mesmo desta igreja existir. Ela ficava sempre à vista, e ninguém sabia exatamente quem era a mulher daquela estátua. Descobri a respeito dela depois de pesquisar sobre Ben, e acredito que ela seja a chave para que você entenda quem realmente ele é. O que vou lhe contar, encontrei na internet. A fonte dizia que aquele texto foi escrito pela própria protagonista da história.

***

Era uma vez, uma mulher que vivia sozinha no meio da floresta. Vivia assim após descobrir sua incapacidade para gerar filhos. Ela não sabia o porquê, mas, desde que teve sua primeira menstruação e sua mãe lhe contou como realmente as crianças eram feitas, desejava ser mãe também. Quando completou seus vinte anos, casou-se com um jovem camponês e não perdeu tempo: tentou fazer um filho todos os dias, mas sem nenhum resultado. Quando o homem percebeu que sua mulher não poderia dar um herdeiro a ele, deixou-a. Abandonada pelo marido e impossibilitada de gerar uma criança, a pobre mulher se embrenhou na mata e só parou quando achou que fosse longe o bastante para que ninguém a encontrasse. Lá, no meio da floresta, cercada por árvores de todos os lados, foi onde a infértil mulher fez seu novo lar.

Porém, ela não estava sozinha. Escondido, por entre as árvores, uma criatura tão velha quanto o próprio mundo a observava. Podia sentir a tristeza, a raiva e o grande desejo da mulher. Mas ele não se apresentou. Não naquele momento. Observou-a por meses antes de lhe oferecer ajuda. Os sentimentos da esquecida mulher só aumentavam. Cada dia mais, ela sentia vontade de ter um filho. E foi em um desses dias que ela sussurrou aos céus, com lágrimas escorrendo pelo rosto:

— Eu daria qualquer coisa para poder ser mãe. Qualquer coisa.

Ao ouvir tal pedido, Baal deu um grande sorriso. Era a oportunidade que ele estava esperando. Lentamente, foi andando em direção à sua futura serva. Levou algum tempo para que ela percebesse aquele ser vindo em sua direção, mas não berrou, pois compreendeu: ele viera atender ao seu pedido. Com aquele sorriso ainda no rosto, o demônio disse:

— Olá, minha querida. Ouvi sua prece e venho aqui lhe oferecer uma proposta.

— E o que eu teria de lhe dar? Minha alma? — As palavras saíram num misto de apreensão e esperança.

O demônio gargalhou e respondeu:

— Isso também. Mas quero que se case comigo. Case-se comigo e lhe ensinarei a arte da magia e darei a vida que tanto desejas. Case-se comigo e lhe darei sua tão querida filha.

Baal pôde perceber o brilho nos olhos da jovem mulher, e, naquele momento, ele já soube a resposta. O demônio a tomou naquele instante. Tomou a vida e a alma da mulher. E, como prometido, também gerou junto a ela uma linda filha.

***

Anos se passaram, e a filha da mulher cresceu. Cabelos loiros feito o sol e os olhos... um castanho-claro, o outro verde. Ela nunca conheceu seu pai. A mãe sempre dizia que ele tinha abandonado as duas. Mas era mentira. Baal sempre esteve com elas.

Durante dezessete anos, desde que sua mulher dera a luz, ele a ensinou a fazer os encantos necessários para que a criança sobrevivesse. A mãe da garota já não era mais bela e também já não era mais amável. Seu coração foi se tornando cada vez mais negro com o passar dos anos, e, com a execução dos sacrifícios humanos, a única coisa que ela realmente amava ainda era sua preciosa filha.

Aos poucos, pessoas começaram a se mudar para os arredores da floresta, e uma ou duas acabaram esbarrando com a velha bruxa. Era assim que eles a chamavam. "Nunca entrem na floresta, ou a velha bruxa comerá vocês", diziam os pais aos seus filhos, com o intuito de mantê-los longe dos perigos da mata.

Nunca mexeram com ela, pois ela também nunca mexeu com eles. Mas, ao se mudarem para aquela mata, acabaram acordando algo pior que o próprio Baal.

Aderet, apesar de ter tido sua tão sonhada filha, continuava com a vontade de ser mãe. Era como se algo dentro dela não se contentasse apenas com aquela menina. Queria mais uma, ou mais duas. Na verdade, gostaria de ter tantos filhos quanto pudesse sustentar. E, graças a Baal, aquela mata sempre serviu a ela e sua filha com frutos e carne de lebre.

O demônio as tratava como se realmente fossem sua família. Ele cuidava para que Aderet fizesse os sacrifícios necessários para que sua filha continuasse viva. Não porque ele as amava, mas porque ele as possuía.

Raizal, apesar de ter sido concebida por ele, um demônio, ainda não o pertencia totalmente. Ele havia pensado em tudo e sentia o desejo da infértil mãe em ter mais um bebê. Mas ele não daria a isso a ela. Não diretamente. Para que ele desse algo, era necessário que Aderet oferecesse a ele algo em troca. E tinha apena uma coisa que ela ainda poderia lhe dar: sua pequena e amada filha.

Mas, como da primeira vez, ele aguardou pelas preces da amarga mulher. O demônio se deliciava com a lembrança de como ela era no começo: cheia de vida, linda e graciosa e, acima de tudo, bondosa. Mas agora o que ele via era uma mulher acabada, amargurada e com o coração negro. As duas únicas coisas que ela ainda conseguia amar eram sua filha e aquela vontade descomunal de ter outro bebê.

Raizal cresceu na mata e nunca conheceu outra pessoa que não fosse sua mãe. A velha mulher sempre lhe contava histórias sobre o mundo e como existia gente má lá fora daquela floresta. E ela sempre confiara na mãe. Nunca, em hipótese alguma, sentiu a necessidade de sair de lá. Sentia-se segura e podia passar o dia todo andando pela mata, tomando banho no riacho, apanhando frutos dos pés.

Ela nunca contara à mãe, mas sentia a presença de alguém sempre a observando. Nunca chegava próximo o bastante para que ela pudesse enxergá-lo direito, mas, volta e meia, conseguia ver o vulto. Tomava-o como anjo da guarda, dela e de sua mãe.

Aderet não entendia o porquê daquela vontade. Depois de dar à luz Raizal, a necessidade de ter um filho ficou adormecida por anos. Mas, desde que a menina completara quinze anos, lentamente foi despertando novamente. E, a cada dia que passava, crescia mais e mais. Ela achava impossível, mas acreditava que, dessa vez, a vontade era maior do que da primeira. Agora que ela já experimentara do fruto da árvore, a abstinência a castigava.

Mas seguiu engolindo aquilo. Não tinha como ter outro filho. Sabia que continuava infértil e Baal não daria a ela outra criança. Não sem algo em troca. Apesar de ele ser um demônio, e ela sabia que sua alma estava condenada por ter se relacionado de tal forma com ele, a criatura fazia bem a elas, sempre as protegendo.

Mas chegou o dia que ela não aguentou e foi falar com ele. Pediu, implorou, para que ele desse a ela outra criança.

— Por que você não fica com uma das crianças que utiliza nos sacrifícios todos os anos, minha querida? — perguntou o demônio, com um sorriso abafado em sua voz.

A mulher pareceu chocada, como se tivesse despertado de um pesadelo. Ela já tinha se acostumado com aquele ritual satânico ao qual fora obrigada a participar. Dezessete crianças inocentes mortas por ela para que sua filha pudesse continuar viva. Depois da terceira, nunca mais chorou e nem se importou. Mas aquelas palavras a despertaram por alguns segundos, chocando-a ao lembrar de cada bebê morto e de cada mãe que sofrera pela perda de sua criança. Por um momento, imaginou-se sem Raizal, e seu mundo desmoronou.

Recuperou-se daquele momento, e seu coração voltou a ser tão negro quanto antes. Com um olhar ríspido, ela lhe disse:

— Não é a mesma coisa. Não é sangue do meu sangue. Não conseguirei amá-lo da forma que amo minha filha.

***

Dotan e Menorah se mudaram para aquela vila em busca de uma vida mais tranquila,

Para os dois e para o pequeno Isaac, que estava por vir. A cidade onde moravam antes estava ficando perigosa demais e ela temia pela segurança de seu pequeno príncipe. Ali era uma vila quieta e calma. Um ambiente familiar. Tinha pouco o que fazer.

Enquanto Menorah ficava em casa cuidando dos afazeres do lar, seu marido ia para o campo ajudar a cultivar os grãos que davam o dinheiro necessário para que a vila se sustentasse. Ele e ela estavam muito felizes com o novo lar. Mas descobririam, tarde demais, que havia uma força do mal ali, e que eles próprios, moradores da vila, acabaram despertando. O nome dessa força era Abyzou.

Tudo começou quando sua vizinha, grávida de cinco meses, perdeu o bebê. Ninguém achou aquilo anormal, pois sabiam que coisas do tipo podiam acontecer quando não se tinha ajuda de pessoas para cuidar da saúde da mãe e do filho. Então ouviram boatos que mais três mães tinham perdido seus filhos. E isso deixou Menorah apavorada.

Ela implorou para que Dotan e ela voltassem para a cidade, pois sentia que havia algo de errado com a vila. Não dera importância ao pequeno arrepio que tinha sentido quando botaram os pés naquelas terras, pois achou que eram arrepios de excitação. Mas agora ela sabia, e se martirizava por ter deixado passar. Ela sentia a presença de algo. De um demônio.

Dotan explicou que eles não tinham como voltar. Gastaram todo o dinheiro com a casa da vila e dificilmente conseguiriam vendê-la. Não em um prazo curto. Ao ouvir as palavras do marido, Menorah se pôs a chorar.

***

Baal também sentiu que não estava mais sozinho. A alguns quilômetros dali, outra criatura maligna, da mesma natureza que a dele, despertara. Mas ele não se importou. Estava longe demais de sua família. Enquanto não apresentasse perigo, não faria nada. Mas teria de fazer com que Aderet mantivesse Raizal por perto. Que fizesse com que a menina não fosse tão longe de casa, como costumava fazer volta e meia.

Dias se passaram, até que Baal soube de quem se tratava. Era Abyzou, temida por causar a morte de crianças e levar mulheres a terem abortos e ficarem estéreis. A essa altura, cinco bebês já haviam sido abortados e duas crianças mortas.

Foi em um dia chuvoso que o homem apareceu na porta de Aderet.

— Senhora, por favor, me escute — berrou do lado de fora. — Sei que está aí. Posso ver a fumaça saindo de sua chaminé.

A mulher infértil ouvia a tudo de dentro de casa, ainda decidindo se daria as caras ou não. Fez sinal para que Raizal fosse para seu quarto e abriu a porta.

— O que deseja? — perguntou em um tom ríspido. — Não tenho todo o tempo do mundo. Tenho coisas a fazer.

Ela pôde perceber o olhar do homem. O olhar de quem estava perdido e não sabia mais em que direção seguir.

— Me chamo Dotan. Moro na vila ao lado. Muitos falam de seus poderes e encantos, e eu juro que nunca fui de acreditar muito nisso. Mas nossa terra está sendo atacada por alguma força sobrenatural e eu não sei mais o que fazer. Minha última esperança é vir pedir para que a senhora me ajude.

A mulher ouviu atentamente, mas não se comoveu. Não dava a mínima para o que estava acontecendo na vila. E preferia que ficasse isolada ali, no meio da floresta, sem que ninguém a importunasse.

— Todos esses boatos são falsos, rapaz. Sou apenas uma velha senhora que decidiu viver sozinha por não suportar mais a companhia humana. Agora, por favor, se retire da minha casa. Passar bem.

E, com uma forte batida, fechou a porta. Dotan fez o que a velha pediu. Virou as costas e voltou para sua casa, com as lágrimas se misturando às gotas da chuva.

Raizal abriu a janela de seu quarto para observar o homem se distanciando. Ficou olhando-o partir, até que sua silhueta não pudesse ser mais vista.

E foi então que Baal se enfureceu. Escondida entre as árvores, encontrava-se Abyzou. Ela observara tudo, desde a chegada do homem, até sua partida. Ele mesmo não a percebeu, pois estava fixado na conversa entre sua mulher e aquele estranho homem.

Demorou alguns segundos até que os olhos dela encontrassem os dele. Mostrou seus dentes pontiagudos a Baal e se embrenhou por entre a floresta. Ele tentou segui-la, mas foi em vão. Ela já tinha sumido.

***

Abyzou percebeu o que estava acontecendo naquela casa, escondida de todos. Sentiu o cheiro da magia negra rondando os ares e, na hora, soube: Baal concebeu um filho àquela velha mulher. Também sentiu a infertilidade dela. Mas o que a deixara mais extasiada foi sentir a fertilidade da pequena garota aflorando.

Ela os deixaria por último. Primeiro, acabaria com os bebês da vila. Mataria quantas crianças pudesse e deixaria tantas mulheres inférteis quanto possível. Afinal, a culpa fora deles de acordá-la de seu longo sono.

***

Baal convocou Aderet assim que voltou para casa. A mulher sentiu seu chamado e pediu para que Raizal cuidasse da carne de lebre que ela estava assando e disse que já voltaria. Quando chegou no cume da floresta, onde eles sempre se encontravam, e ela fazia os sacrifícios anualmente, ele disse, com certa irritação na voz:

— Aquele homem trouxe um demônio junto dele. Essa besta é que está causando todo aquele mal na vila. Eu não daria a mínima, Aderet, mas ele viu Raizal. Cedo ou tarde, ele causará o mesmo mal à sua filha.

A mulher se espantou. O demônio que lhe concebera uma filha explicou que a criatura causava abortos, infertilidades e até a morte de crianças e mulheres, e Aderet ficou amedrontada. Com lágrimas escorrendo pela face, ela perguntou:

— E como eu posso ajudar a fazer este demônio ir embora, Baal? Me diga, por favor, que ajudarei de bom grado.

Baal deu a ela dois papiros e pediu que escrevesse neles o nome de Rafael. Pediu que deixasse um com Raizal e que, com o outro, fosse para a vila. Pediu também que dissesse à sua filha para que não largasse o papiro em hipótese alguma. Rafael era a antítese de Abyzou, e, só de olhar o nome do Arcanjo escrito lá, ela fugiria.

Mas teve um preço que Baal cobrou. E, por mais absurdo que pudesse ser, Aderet o aceitou. Era aquilo, ou perder sua filha para sempre.

A mulher fez o que o demônio pediu. Deu as ordens para sua filha e pediu para que ela cuidasse da casa e nunca soltasse aquela folha. Dentro de alguns dias, voltaria e explicaria tudo a ela. E, assim, partiu.

***

Os habitantes avistaram a mulher chegando. Uma velha de cabelos brancos caminhando com um pequeno pedaço de papel na mão direita.

Ao avistá-la, Daton sorriu de alegria. Nem tudo estava perdido, e talvez sua esposa e seu filho pudessem ser salvos (ele não tinha certeza, mas sentia no fundo do seu ser que era um menino que estava dentro da barriga de Menorah).

Ao se aproximar, ela perguntou:

— Me indiquem uma mulher grávida ou uma criança que esteja passando mal. Sei com quem estamos lutando e não temos tempo a perder.

Abyzou ouviu tudo do quarto de uma jovem mulher, que estava prestes a conceber sua criança, e sorriu. Onde uma velha acabada conseguiria combatê-la? Gargalhou, sem que ninguém pudesse ouvi-la.

E foi até essa mulher que os habitantes da vila a levaram. Abyzou a observou entrar no quarto, enquanto segurava a barriga da grávida. A velha infértil não pôde vê-la, mas a sentiu. Chegou perto da grávida e colocou o papel em cima da barriga, onde estava escrito o nome Rafael. Abyzou berrou.

Correu do quarto em direção à mata. Estava assustada e não sabia como a mulher havia descoberto... Baal. Foi o que veio na cabeça do demônio.

Ao perceber que Baal conduzira a velha àquilo, foi correndo na direção da cabana, onde teve outra surpresa. Não esperava que a garota, filha da velha com o outro demônio, teria um papiro igual àquele. E urrou de raiva. Iria pôr aquela vila toda abaixo, deixando-a sem mulheres para procriar e sem crianças para levá-la para frente.

Mas no fim, não deu certo. Aderet ficou na vila por quatro semanas. E, toda vez que uma criança ou uma mulher grávida começava a se sentir mal, ela aparecia mostrando o papiro. Pouco a pouco, Abyzou foi se enfraquecendo, não tendo mais como se alimentar das almas das suas vítimas, e foi embora. Cheia de raiva, cheia de ira, jurando a si mesma que um dia voltaria.

E Aderet foi idolatrada pela vila. Criaram uma estátua em sua homenagem. Tudo o que a mulher pediu para eles foi para que não a procurassem mais. Que ela queria continuar isolada e sozinha de tudo. Eles atenderam ao pedido. Nunca mais a viram, exceto pela estátua colocada no centro da pequena vila.

Ao voltar para casa, a mulher infértil contou sobre o demônio na vila a Raizal e que teve de trazer um jovem para casa, para mantê-lo vivo, pois os pais do garoto tinham morrido.

Ao avistar o rapaz, Raizal se encantou. Um belo menino de cabelos pretos e olhos iguais aos dela. Devia ter seus dezoito anos. Pensou que eles se dariam bem. Ela adoraria ter um amigo para poder passar o tempo.

Enquanto o garoto entrava pela porta da cabana, Aderet chorava. Raizal achou que era de felicidade, mas, na verdade, aquilo era o pagamento que ela devia à Baal. O garoto na sua frente era o próprio demônio em forma humana. Faria com que Raizal se apaixonasse por ele e a tomaria. E, por fim, ele possuiria as duas. Mãe e filha.