Assim que Ben se foi, Augusto trancou a porta e apagou as luzes do andar de baixo. Subiu as escadas e foi para o quarto de Rob lhe desejar boa noite. Deixaria para contar que ele iria com a mãe de Ben à escola, e que ela era sua professora, no dia seguinte. Preferiu não encher a cabeça do garoto tão próximo da hora do sono.
Quando chegou no quarto, encontrou o filho e a mulher abraçados e olhando pela grande janela, que se estendia praticamente pelo telhado todo em altura. De lá, dava para ver Rio Denso por completo; e, como imaginou, a vista era de tirar o fôlego. O céu naquela noite estava limpo e se podia ver as estrelas e a lua. As folhas da grande árvore da frente da casa dançavam ao vento noturno.
A atenção dos três estava voltada para a cidade e suas luzinhas amareladas. Perceberam quando algumas luzes foram se apagando em sequência ritmada. Rob riu.
— Viu, mamãe, que legal?! É tipo uma "cidade" de Natal.
Elisa deu um beijo na cabeça do filho. Augusto encostou nos dois, acariciou os cabelos da mulher e afagou as costas de Rob.
A vista lá de cima era espetacular, e eles ficaram ali, abraçados por algum tempo, só admirando o horizonte, antes de colocarem Rob para dormir. Por isso não perceberam o vulto de Aurora do lado de fora da casa, observando-os, invejando-os, pouco antes de sumir para dentro da mata. Rio Denso os hipnotizava naquela noite, tirando todas as preocupações das cabeças dos três.
Bóris já dormia, no chão do quarto de Rob. O cachorro roncava muito alto e Augusto se perguntou como o filho não se incomodava com aquilo. A casa nova não estava completamente vazia, haviam deixado uma cama de criança onde Rob pedira para ser seu quarto e uma de casal no quarto onde Elisa e Augusto dormiriam. A única coisa que fizeram, como precaução, foi forrá-las com lençóis novos.
Augusto colocou Rob na cama e se preparou para a leitura noturna. Continuaria a ler Harry Potter e a Câmara Secreta para o filho, por meia-hora. Era esse o combinado, todos os dias, sem exceção. Elisa se adiantou para o banho enquanto esperava pelo marido.
O garoto dormiu antes do seu tempo de história terminar e Augusto o cobriu com outro lençol fino. Deixou o livro do lado da cabeceira e saiu na ponta dos pés.
Quando chegou no quarto, Elisa já estava deitada. Vestia uma camisola negra de cetim, os cabelos escovados se espraiavam sobre o travesseiro. Augusto teve certeza de que nem Rio Denso, através da janela à noite, era mais bonita que a esposa. Ele tomou uma ducha rápida, e, ao sair do banheiro, estacou. Viu a mulher deitada de lado, a calcinha negra marcando a divisão de uma parte da bunda à mostra. Ela se virou para ele, os seios firmes desenhavam relevos sob a camisola e os mamilos marcavam o tecido fino.
— Já faz uns dias, hã? — disse ela.
Augusto sorriu. A toalha, em volta da cintura, começou a ganhar volume; jogou-a ao chão e se deitou ao lado da mulher.
Naquela noite, fizeram amor como se fosse a primeira vez. Os problemas que fossem ao Inferno. Tinham direito à felicidade, não tinham?
Talvez o amor consumado expurgasse qualquer mal.
***
O despertador precisou insistir muito até que Augusto decidisse levantar. "Meu Deus, não lembrava como era acordar tão cedo!", pensou, mas de uma forma agradecida. Estava ansioso, e, ao mesmo tempo, nervoso, pelo primeiro dia no novo trabalho. Dali a uma hora, o misterioso Ben passaria na sua casa para levá-lo ao hospital e apresentá-lo à sua nova equipe. Levantou-se, ainda com os olhos semicerrados por causa do sono, e foi para o banheiro tomar uma ducha gelada para acordar por completo.
Elisa também já havia abandonado a cama quando ele saiu do banho. Augusto vestiu apenas uma bermuda leve e deixou o peito branco, de poucos pelos, receber o friozinho matinal. Só se vestiria depois do café. Não arriscaria sujar e nem suar a roupa no primeiro dia de trabalho.
Ao passar pelo quarto do filho, pôde ver que ele também havia acordado. Olhou pelo janelão e o viu do lado de fora brincando com Bóris, correndo de um lado pro outro. Uma sensação de amor inundou o coração dele ao ver que o garoto estava feliz ali e que Bóris também parecia muito alegre. Saiu do quarto e desceu a escada em busca do desjejum.
Elisa estava na cozinha, preparando o café da manhã. Augusto a contemplou por alguns instantes e a abraçou por trás logo depois. Lembrou-se de acordar mais cedo no outro dia para fazer uma surpresa para ela também. Prepararia um gostoso café e a acordaria com ele, na cama. Elisa merecia isso e muito mais por ser uma mãe e uma mulher espetacular e por apoiá-lo sempre, em todos os momentos, sendo eles bons ou ruins.
— Bom dia, doutor! Dá pra ver que alguém ainda está bem animado. — Enquanto falava, apalpava o membro ereto do marido.
A mão do médico desceu pelo corpo dela, tocando-a nos seios, para logo em seguida se perder por dentro da calça. Ela gemeu de leve.
— Anda, Bóris! O último a chegar na mesa é um cocô de gato! — Rob entrou alvoroçado na cozinha.
Elisa agarrou umas xícaras, desajeitada, tentando disfarçar. Augusto caiu sentado no chão e cruzou as pernas. Ficaram olhando para a cara um do outro.
— Que foi? — disse Rob. Ficou olhando para os pais, que explodiram numa gargalhada.
Rob virou para Bóris e deu de ombros. O cachorro latiu.
— Que horas vou pra aula, papai?
Augusto conteve o riso e procurou afastar a cara de menino travesso. Respondeu:
— Sua aula começa às oito horas, campeão. Quem vai levá-lo até lá é a mãe do Ben. Lembra-se dele?
Rob revirou os olhos, buscando o nome na memória.
— Ah! É o homem da outra noite. E ela é legal?
Augusto sorriu para o garoto, chamou-o para perto e o pôs no colo.
— Você achou o Ben legal, filho?
O garoto assentiu com a cabeça. Apesar do homem não ter falado muito, todas as vezes que tinha se dirigido a Rob tinha sido com alguma espécie de carinho.
— Então, tenho quase certeza de que, se o Senhor Mendonça é uma pessoa legal, a mãe dele também deve ser, não é? Afinal, quem criou ele foi ela.
Rob assentiu mais uma vez.
— Estou ansioso para ir para a escola e conhecer meus novos amigos — disse, por fim, subindo as escadas para se arrumar.
Augusto e Elisa aproveitaram para voltar à brincadeira, enquanto ela terminava de fazer o café. Depois, colocaram as coisas na mesa-chão novamente. Seria, provavelmente, o último dia que a utilizariam. No fim da manhã, a mudança chegaria, e a tarde de Elisa seria corrida para arrumar tudo no lugar.
***
No início da clareira, onde ninguém podia vê-los, Ben e o garoto com ataduras na cabeça vislumbravam a casa. O velho tentava apoiar sua mão no ombro do menino, mas ela ainda o transpassava.
O menino virou o rosto para Ben, como se pudesse enxergá-lo, mesmo com todas aquelas faixas enroladas, e deixou a voz de adulto vazar pela boca.
— É hoje, Ben? Hoje poderei falar com ele?
O homem o encarou de novo, com o mesmo olhar que havia dado a Rob.
— Sim, Michael, hoje você falará com Rob.
Ben deixou o garoto no lugar onde estavam e caminhou para o casarão dos Vianna. Levaria o médico até o hospital; não porque precisavam dele lá, mas porque não o queriam aqui por perto. Porque não queriam que alguém pudesse interrompê-los, e se alguém poderia fazer isso, com toda certeza, seria um pai tentando defender um filho. Por isso precisavam dele lá, longe da casa, longe deles.