Ben e Augusto chegaram ao hospital por volta das sete e meia da manhã. "Se eu tivesse dirigido, teríamos chegado mais cedo", pensou o médico. Ben não passou dos cinquenta quilômetros por hora, o que deixou Augusto irritado em alguns momentos, apesar de não ter dito nada.
O hospital era um prédio antigo. Os tijolos marrons passavam um ar de hospício e as janelas grandes contribuíam ainda mais com a imagem formada na cabeça de Augusto. Era uma estrutura antiga e ao mesmo tempo muito bem conservada. Do lado de fora, os jardins eram modelados e pareciam ser cuidados todos os dias.
Os dois entraram pela porta da frente. A ansiedade começou a nascer no interior do médico com a expectativa do novo que viria pela frente. Em alguns momentos, chegou até a esquecer que fora obrigado a se mudar para Rio Denso, e, no fim das contas, nem parecia mais ter sido uma ideia tão ruim. A casa era bonita e o terreno espaçoso. Além disso, comandaria o hospital. De repente, Elisa tivera razão, ainda em São Paulo, quando conversaram no sofá. Talvez fossem apenas pessoas que necessitassem demais e não soubessem se comunicar.
Ao avistarem os dois entrando, os funcionários que se encontravam no balcão da recepção logo arrumaram algum trabalho para fazer, sem saber disfarçar a ociosidade, ficando nítida a imagem de que apenas fofocavam. Onde antes havia umas cinco pessoas, agora se encontrava apenas a recepcionista.
Ela encarou os dois com um olhar de medo. Bem a ignorou por completo e continuou andando para o interior do grande prédio. Quando passaram, Augusto pôde ver a mulher fazendo o sinal da cruz e não entendeu o porquê daquilo.
O interior do hospital não tinha nada demais. Macas pelos corredores e paredes brancas, exatamente como no hospital onde trabalhara em São Paulo.
— Parece com o de São Paulo, não é, doutor? — falou Ben, como se lesse a mente do médico.
Augusto apenas assentiu. Continuou seguindo o homem.
— Vou levá-lo até o Marcos. Ele se incumbirá de lhe mostrar o resto do hospital e dizer o que tem a fazer.
Ben andava pelos corredores e olhava para dentro de cada porta de leito pelos quais que passavam. Augusto fazia o mesmo, percebendo que os quartos até ali estavam todos vazios. "Cidade pequena, poucos pacientes", pensou. Estavam quase no final do corredor, quando Ben parou de súbito, olhando para dentro de um dos quartos.
O médico se pôs ao lado dele e viu que, em uma das camas, havia um homem deitado. Ele tinha a cabeça envolta por faixas e parecia dormir. Sem aviso algum ou preparação, Ben deu um berro que fez Augusto estremecer de susto. O homem do quarto não acordou.
— MARCOS!
Ninguém apareceu. Não se ouviu barulho algum pelo chão do hospital. Então Ben começou a andar novamente, mas agora a passos mais rápidos.
— Marcos, seu filho da puta! Venha até aqui! — berrou novamente.
Augusto se esforçou para tentar acompanhar Ben sem que precisasse correr, o que o deixou ofegante e com uma leve pontada de dor no abdômen. Não se exercitava fazia muito tempo, e aquele simples esforço o cansou.
Dobrando à esquerda no final do corredor, havia mais uma mesa, onde provavelmente os médicos faziam a inserção e atualização dos prontuários dos pacientes. A cadeira à frente da mesa estava vazia e o computador com o monitor ligado na tela do sistema. Augusto imaginou que alguém estivera sentado ali não fazia muito tempo, e deduziu que fosse esse tal de Marcos. "Provavelmente, ele correu ao ouvir a voz de Ben", pensou o médico, "Eu próprio correria também se ouvisse alguém berrando meu nome desse jeito". Augusto não conteve um sorriso. Ben o olhou com curiosidade, mas o médico fez sinal com a mão, dizendo-lhe que não era nada.
Ben deu de ombros e disse:
— Espere aqui, Augusto. Vou procurá-lo, e, assim que o achar, pedirei que venha até aqui.
Augusto cogitou ficar esperando ali, mas a curiosidade falou mais alto. Não conseguia tirar da cabeça a ideia de ouvir o tal Marcos tomar uma mijada, e, além disso, queria saber o porquê.
Esperou Ben sumir por outro corredor e o seguiu. Não demorou muito até encontrar os dois em um dos quartos. Uma cena cômica em parte, porém não foi isso que marcou o que Augusto viu. Aquilo lhe trouxe temor.
Marcos estava dentro de um armário, encolhido contra os fundos. Ben estava na sua frente, em pé. Dessa vez, falou numa voz baixa, mas severa, como se não quisesse ser escutado:
— Eu disse que não deveriam ajudá-lo. Eu deixei bem claro, Marcos, que, quem quer que o ajudasse, sofreria nas minhas mãos. Agora me diga, quem foi o filho da puta que trouxe esse monte de lixo sem olhos para o meu hospital? Diga, ou quem vai sofrer vai ser você.
O homem se encolheu ainda mais quando Ben terminou a frase. Quando falou, a voz saiu baixa e mansa, gaguejou em algumas partes.
— Eu juro que não fui eu, Ben. Eu nem sabia de nada quando ele chegou. Foi o padre. Ele trouxe Valter pra cá durante a madrugada. Por favor, Ben…
Ben encarou o homem por alguns segundos sem dizer nada e então falou:
— Tudo bem, Marcos, eu acredito em você. Talvez, de todos os vermes dessa cidade, você seja o que eu menos desconfio e menos guardo rancor. Vamos, levante daí, que o novo chefe está esperando — disse, esticando a mão para Marcos.
Augusto voltou para a sala do prontuário devagar, tentando não ser ouvido, mas aquela conversa não saía da sua cabeça. Não tinha jeito. Por mais que quisesse achar uma razão para dizer que a cidade era uma boa coisa, percebia que ela era cada vez mais estranha. Cogitou pegar Elisa, Rob e Bóris para se mandarem. A sensação de que Ben comandava não só o hospital, mas aquela cidade inteira, parecia cada vez mais real. Assim como ele tomara controle sobre sua vida, obrigando-o a se mudar para Rio Denso, controlava aquelas pessoas também. E o porquê disso era o que Augusto mais temia descobrir. Poderiam tentar ir para a Argentina talvez, trocarem de nome e viverem escondidos. Ele poderia trabalhar com alguma outra coisa para que não fosse fácil procurá-lo. Afinal, um médico pediatra, com a reputação e habilidade que tinha, não ficaria escondido por muito tempo. Teve que desviar a atenção dos pensamentos quando viu os dois homens vindo em sua direção. Talvez propusesse as ideias para Elisa à noite.
— Augusto, esse é o Marcos. Ele é nosso clínico geral do hospital. Você não verá muitos médicos e nem muitos enfermeiros por aqui. A maioria dos empregados são moradores da cidade e poucos têm alguma formação.
Marcos era um homem baixo e tinha os cabelos atacados pela calvície. Penteava os fios compridos por cima da área sem cabelos a fim de deixar menos visível a falta deles. Ele andou até Augusto, com as costas curvadas e uma grande e saliente barriga projetada por baixo do jaleco. Tropeçou nos próprios pés e quase caiu, não fosse o fato de Ben segurá-lo.
Marcos estendeu a mão para Augusto. O médico correspondeu ao cumprimento, tentou disfarçar as angústias a qualquer custo, apesar de ter um alerta soando o tempo todo na mente, dizendo-o para correr dali. Um sensor de perigo que estivera adormecido por um tempo, mas que finalmente acordara. Sentiu um aperto no peito. Soltou a mão de Marcos e disse, esticando um sorriso que pareceu falso até para ele mesmo:
— Prazer! Augusto Vianna. Mas pode me chamar apenas de Augusto.