Elisa e Augusto acordaram assustados ao som do despertador do celular. A chuva agora era intensa, e, volta e meia, um trovão estourava lá fora. Os dois se sentaram na cama e se olharam, como se perguntassem um ao outro se tinham certeza do que fariam. E os dois concordaram em silêncio. Levantaram-se e colocaram algumas roupas dentro de bolsas e malas que tinham. Fizeram o mesmo com as de Rob. Em silêncio, entraram no quarto do garoto para guardar tudo o que ele precisaria usar.
Eles não viram, mas Michael estava no quarto, deitado do lado de Rob. O garoto ficou lhes observando, imaginando o que planejavam. Ele os entendia, mas não poderia deixar que fizessem aquilo. Precisava de Rob. Depois, se Ben e Aurora permitissem, deixaria os três partirem. Esperava que Rob quisesse ficar ali em Rio Denso com eles, mas acreditava que ele preferiria ir com seus pais.
Levantou-se da cama, mas não precisou fazer silêncio. Nem Augusto, nem Elisa podiam ouvi-lo. Os únicos dali que conseguiam vê-lo eram Ben e Rob. Desceu pela janela, pelo mesmo lugar que entrara, e seguiu na direção de onde um dia fora a casa de seus pais.
No mesmo instante em que Michael descia pela janela, Elisa acordava Rob para que finalmente fossem embora. Augusto já havia descido com as malas e levara Bóris junto, para colocá-lo na carrocinha. Provavelmente, esperava pelos dois no carro. O garoto acordou com um relâmpago iluminando o quarto. Sua mãe estava na sua frente e o chamava para se levantar.
— Já está na hora de ir para a escola, mamãe? Parece que ainda é de noite — disse o garoto, esfregando os olhos com as mãos.
Elisa o pegou no colo e disse:
— Ainda não, meu amor. Estamos indo embora daqui.
O garoto, ainda meio sonolento, não protestou. Encostou sua cabeça na da mãe e, antes que chegasse no carro, já estava dormindo novamente.
Elisa o colocou deitado no banco de trás. Não era seguro, sabia disso, mas também não gostaria que ele presenciasse a fuga deles da cidade. Melhor que dormisse. Assim, quando acordasse, já estariam longe dali.
Quando Elisa entrou no carro, Augusto deu a partida. Seus dedos quase ligaram as luzes, mas o alarme na sua cabeça disse que não deveria fazer aquilo. Quanto menos desse sinal de que estavam saindo, mais segura seria a partida.
A descida da colina estava perigosa. Com a chuva, a estrada se tornou lamacenta, e, sem a iluminação do carro, o caminho se tornou pelo menos duas vezes mais perigoso. Mas ele não acendeu as luzes. Era mais seguro.
Demoraram mais que o normal para chegar no sopé da colina. Dali até a saída de Rio Denso, levaria menos de vinte minutos. Finalmente, um sentimento de alívio tomava conta de Augusto e de Elisa. Deixariam aquela insanidade para trás. Não deveriam nunca ter aceitado aquilo, mas agora precisavam arcar com as consequências.
***
Michael apareceu dentro da casa, como fazia de costume, sem avisar. Ben estava dormindo. Quando ouviu a voz do garoto, deu um pulo.
— Já disse para não entrar assim, Michael. Quer matar seu pai do coração?
O garoto não esboçou expressão alguma. Apenas disse:
— Eles estão fugindo, Ben. Estavam preparando as malas. Já devem estar quase na saída da cidade agora.
O homem soltou um suspiro alto. Tirou a coberta de cima de suas pernas, revelando o corpo nu. Foi até o guarda-roupa, pegou uma calça jeans e uma camisa básica. Dirigiu-se até a pia do banheiro e lavou o rosto, tentando afastar o sono.
— Imaginei que aconteceria algo do tipo. Esses vermes da cidade não sossegaram desde que chegaram aqui. Os dois só querem proteger o garoto.
Michael assentiu. Saíram da casa e entraram no carro.
— Você acha que eles vão querer morar aqui depois de tudo, Ben? — perguntou Michael, olhando para o céu, que ainda relampejava.
O homem colocou a mão na perna do garoto, mas tudo o que encontrou foi o banco do carro. Suspirou de novo e respondeu:
— Espero que sim, Michael.
Ben ligou o carro e seguiu o caminho até o sopé da colina. Cerca de dez minutos antes, Augusto passara por aquele mesmo lugar, e podiam-se ver as marcas dos pneus do carro gravadas na lama.
***
Mal a estrada de barro acabou, Augusto afundou o pé no acelerador. O alarme em sua cabeça soava alto. Por alguma razão, a intuição dizia que foram descobertos. Atravessou as ruas de Rio Denso, seguindo a iluminação dos postes e a claridade dos relâmpagos intermitentes. As casas pareciam vazias, como se fosse uma cidade fantasma.
Elisa compartilhava do mesmo sentimento do marido. Ver a cidade assim, sem vida, só fazia ter mais certeza de que estavam fazendo o certo. Olhou para o banco de trás, onde Rob ainda dormia, e sentiu uma sensação de segurança e amor.
A saída da cidade pareceu demorar mais do que o normal. Podiam ver a placa verde agora, iluminada pelas luzes do farol do carro, recém-acesas, onde dizia:
"Você está deixando a cidade de Rio Denso. Boa viagem e volte sempre!"
Augusto gargalhou ao ler aquelas palavras, fazendo com que Rob se remexesse no banco de trás. Encolheu os ombros, como se pedisse desculpas à mulher, mas o sorriso não saiu de seu rosto. Finalmente, deixariam aquele lugar.
Ao passarem pela placa, porém, o alarme estourou na cabeça do médico. O carro parou, as luzes desligaram. Por pouco, ele não perdeu o controle. O carro derrapou, mas o médico conseguiu pegar o controle, parando a poucos metros de uma grande árvore, no acostamento da rodovia.
— Mas o que aconteceu? — disse, mais para si do que para Elisa.
Bateu a chave e o motor se recusou a ligar. Ficou segurando o volante por um tempo, fitando o horizonte. Saiu do carro e tentou empurrá-lo, mas era impossível. Estava em uma leve inclinação no acostamento, fazendo com que toda força gasta tentando empurrá-lo para trás fosse inútil. Entrou no carro, tentou ligá-lo novamente, o que restou sem sucesso. Elisa o olhou, apreensiva. Não sabia o que fazer para ajudar. Rob agora estava sentado no banco de trás. Acordara quando o carro freou e não entendia direito onde estavam.
Augusto não se deu conta, mas a placa de boas vindas de Rio Denso agora dizia:
Bem-vindo a Rio Denso
Pop. 2.018
Uma luz surgiu na direção de onde vieram. Bóris começou a latir sem parar, deixando o médico tenso. Augusto estava muito eufórico para se dar conta de quem realmente era. Pensou que poderia pedir ajuda, mas seu sorriso se desfez no momento em que reconheceu o carro. Era Ben.