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Chapter 13 - 13 — O ROSTO POR DEBAIXO DA ATADURA

No mesmo instante em que Berta estacionava seu carro na escola onde lecionava, o caminhão de mudanças subia a estrada em direção à casa de Augusto e Elisa. Um caminhão baú, com uma extensão de cinco metros, cheio de móveis e outros objetos da mudança.

O caminhão ocupava quase toda a largura da estrada, e, em alguns momentos, o motorista e seus dois ajudantes acharam que rolariam colina abaixo.

Ao estacionar, o motorista apertou por alguns segundos a buzina, o que fez Elisa dar um pulo dentro de casa. "Achei que chegariam mais tarde", pensou.

Não havia dado tempo para arrumar parte alguma da casa, então ela foi pedindo para que os homens deixassem os móveis onde imaginava que ficariam bons. Arrumaria tudo durante a manhã e a tarde. Se não conseguisse, pediria a ajuda de Augusto.

Descarregar o caminhão inteiro também não levou muito tempo. Em menos de uma hora, tudo estava dentro de casa, o que animou muito Elisa. Mesmo que os móveis estivessem espalhados para todos os lados, já começava a sentir aquela sensação de lar.

Enquanto arrumava o que conseguia e tirava o pó de cada móvel, decidiu que buscaria Rob na escola naquela manhã. Passaria no centro da cidade para comprar alguns panos novos, tendo em vista que os seus de louça estavam velhos. Além disso, precisava comprar algo para preparar para o almoço, e, talvez, pegaria também um pote de sorvete para que ela e o filho curtissem a tarde juntos na nova casa.

E foi exatamente o que ela fez quando o relógio se aproximou das onze e meia da manhã. A aula ia até o meio-dia, por isso ela teria que chegar mais cedo, para não correr o risco de Berta já ter saído da escola com o filho. Fechou a casa (por mais que não tivesse vizinhança por perto, sentia-se mais segura fazendo isso. Talvez uma mania herdada dos tempos morando em São Paulo), ligou o carro e saiu.

***

Quando a aula terminou, Elisa estava esperando Rob do lado de fora da escola. O garoto vinha acompanhado da professora, que o guiava pela mão. Ela saiu do carro e foi na direção dos dois.

O garoto viu a mãe se aproximando, correu na direção dela, deixando a professora segurando o ar por alguns segundos. Elisa sorriu para ele e perguntou enquanto o abraçava:

— E então, como foi o primeiro dia de aula?

Ele abraçou a mãe também e respondeu:

— Foi mais ou menos legal.

Elisa deu um sorriso. Sabia muito bem como era esse negócio de ir para a escola. Aliás, todas as crianças no mundo todo pensavam dessa maneira, acreditava ela. Dias bons e dias ruins. Era assim na vida, no trabalho e, com toda a certeza, na escola.

Elisa agradeceu a Berta por ter levado o filho para a escola naquele dia, e logo em seguida os dois se dirigiram ao carro. Antes de irem para casa, passaram no centro. Ela estacionou na frente de uma pequena lojinha, onde viu alguns panos na vitrine. Imaginou que poderia encontrar o que queria ali. Depois, precisaria passar no mercado para comprar o sorvete dos dois e algo para preparar para o almoço.

Os dois saíram do carro e ela o trancou. Abriu a porta e um sino tocou, anunciando a presença dos novos clientes. Rob se soltou da mãe e começou a olhar a vitrine que continha miniaturas de carros entalhados em madeira.

Não havia ninguém na recepção. Atrás do balcão, um relógio de gongo fazia um barulho alto a cada segundo que passava. Uma cabeça de alce pregada na parede ao lado do relógio parecia sorrir para Elisa.

Ela se apoiou no balcão e chamou por alguém.

— Olá!

Chamou mais umas quatro ou cinco vezes, sem resposta. Por um instante, pensou em dar meia-volta ir até o mercado, mas precisava daqueles panos.

— Rob, fica aqui, que eu já volto — disse ao filho, enquanto abria o portão que separava o lado do cliente do dono da loja.

O corredor era pouco iluminado e os passos dados no chão de madeira rangiam de forma assustadora. Passou por um quarto muito bagunçado; roupas para todos os lados e um prato de comida aparentando estar esquecido ali h�� algum tempo, o que a fez sentir um pouco de enjoo. Continuou andando até ouvir alguém sussurrando baixinho. Um sussurro cantado:

"Ele vem te pegar,

Ele já te pegou,

Não adianta gritar,

Ele já te pegou.

Ele vai achar,

Não adianta correr,

Ele só quer brincar,

Só não vá acreditar.

Ele só quer vingança,

Pelo que nós fizemos,

Já não há esperança,

Nem adianta corrermos."

Uma mão segurou seu ombro por trás. Ela soltou um berro alto.

— O que a senhora faz aqui? — disse um homem gordo, com os cabelos despenteados e uma barba malfeita. Além de feio e asqueroso, fedia.

— Desculpe. Eu chamei e ninguém atendeu. Achei ... — A voz de Elisa saiu trêmula. Tinha sido pega de surpresa e o coração surrava o peito.

— Achou errado. Quando ninguém te atende em uma loja, a senhora tem duas opções: ou espera até que apareça alguém ou vai embora. Vocês, da cidade grande, têm essa mania de entrar na casa dos outros sem convites?

Elisa ficou assustada com a reação do homem.

— Desculpe. Eu não tinha a intenção de invadir sua privacidade. É que eu realmente preciso de panos.

O homem a olhou com raiva e disse:

— Desculpe. Sempre a mesma ladainha. Quais panos a senhora gostaria?

— Quero todos aqueles que estão na vitrine.

Dizer isso pareceu tranquilizar um pouco o dono da loja.

— Ok, venha comigo.

Elisa começou a segui-lo e acabou deixando a curiosidade escapar.

— Se me permite, quem estava cantando aquela música. E que música era?

O homem voltou a olhá-la com raiva. Virou-se para ela e respondeu:

— Não permito. Não venha bisbilhotar a vida dos outros.

Virou-se novamente e foi até a vitrine. Retirou todos os panos que tinha lá, dobrou-os e os entregou para Elisa.

— Aqui estão os panos. Catorze reais.

Ela entregou uma nota de vinte reais ao homem e catou os panos, recolheu o troco, pegou Rob pela mão e voltou para o carro. Abriu a porta e deixou os panos no banco.

— Agora, vamos para o mercado. Preciso comprar algo para preparar o almoço.

***

Ao chegar em casa, Elisa colocou as compras em cima da mesa (agora, uma mesa de verdade) e guardou a chave do carro no porta-chaves. Começou a subir a escada para tomar um banho antes de preparar o almoço. Augusto chegaria só mais tarde. Ele enviou a ela uma mensagem avisando que acontecera uma emergência e não poderia sair mais cedo.

Enquanto subia as escadas, falou para Rob fazer os deveres da escola. O garoto assentiu e disse que iria para o quarto.

Ao abrir a porta, deu de cara com Michael sentado em sua cama.

— Oi, Rob, tudo bem?

Rob fechou a porta do quarto e franziu o cenho.

— Tudo, sim. O que faz aqui?

— Já falei que moro aqui por perto. Resolvi fazer uma visita. Como foi sua aula?

Rob pensou sobre aquilo por um tempo, imaginando como deveria ser legal morar no meio da floresta.

— Foi legal, tirando que levei um esporro da sua avó porque demorei demais quando fui falar com você.

Michael sorriu. Virou-se para a grande janela que tinha no quarto, como se olhasse para o horizonte. O sol agora estava bem acima da casa e iluminava o quarto por inteiro.

— Estava aqui pensando. — Mantinha os olhos na janela. — Ainda é de dia, podíamos sair e eu te mostraria um pouco da floresta. Além disso, preparei uma surpresa para você.

O garoto não pôde conter a excitação naquilo tudo. Tinha um novo amigo que morava ali perto. No primeiro dia em Rio Denso, já conseguira alguém com quem brincar e se aventurar. Pensou um pouco na proposta e disse:

— Não sei. Mamãe não iria gostar muito de me ver por lá.

— Ela não precisa saber. Venha por aqui, por onde eu entrei.

Michael pulou a janela, desceu por uma espécie de escada e, lá de baixo, sussurrou:

— Venha, vai ser divertido.

Rob se perguntou como ele conseguia fazer tudo aquilo, mesmo com aquelas faixas por todo o rosto. Lembrou de fazer essa pergunta mais tarde, quando achasse que sua amizade com ele já estivesse em um nível mais íntimo. Pensou por um instante em não ir, mas, no fim, desceu. Os dois foram em direção à floresta através de uma trilha feita, provavelmente, por Ben, enquanto Bóris os observava através da janela de vidro, resmungando por ter sido deixado para trás.

Eles adentraram a floresta, mas não foram muito além da casa de Rob. Michael, ainda de costas, falou:

— Fiquei sabendo que você gostaria de ter uma cabana no meio do mato. Pois então eu fiz o favor de construí-la para você. Podemos fazer dela nosso quartel. Sempre que um precisar do outro, podemos nos encontrar lá e conversar.

As expressões de Rob mudaram de preocupado (afinal, se a mãe saísse do banho e não o achasse no quarto e nem no pátio da casa, provavelmente ficaria desesperada) para excitação extrema.

— Fala sério, Michael?! Foi a primeira coisa que eu imaginei quando cheguei aqui.

Michael se virou na direção de Rob e sorriu.

— Já estamos chegando.

Levaram poucos minutos para chegar na cabana. Ela ficava entre os pinheiros da floresta e não tinha mais que três metros de largura. A madeira utilizada para criar as paredes parecia de pinheiros também, e a porta era apenas um buraco tampado por um pedaço de lona preta. Um pouco acima da porta, havia uma placa escrita em letras brancas: "Quartel do Rob e do Michael".

O garoto gargalhou ao ler aquilo. Michael sorriu novamente com a reação dele e disse:

— Venha, vamos entrar um pouco.

Lá dentro, não havia exatamente nada. No chão, não tinha madeira, apenas o barro escuro da floresta. Michael se sentou lá mesmo, pouco se importando em sujar sua roupa. Rob sentiu que, depois daquele gesto do novo amigo, já tinham intimidade o suficiente e resolveu perguntar a ele, sentando-se também:

— Michael, o que aconteceu com você para usar essas ataduras na cabeça?

O garoto virou a cabeça na direção de Rob. Não respondeu nada, apenas começou a retirar as faixas.

Uma mistura de medo e curiosidade atravessaram Rob. A cada volta de faixa que Michael retirava, a mistura aumentava. Quando a última parte saiu por completo da frente dos olhos do garoto, Rob soltou uma expressão de espanto e levou uma mão à boca.

O que viu foram duas cavidades escuras onde deveriam estar os olhos. Ao perceber a expressão de Rob, Michael voltou a enfaixar a cabeça.

— É por isso que não deixo eles à vista! — disse. — As pessoas sempre se assustam.

Rob se sentiu mal por ter reagido daquela forma e foi na direção dele para abraçá-lo. Quando Michael percebeu o que iria fazer, levantou-se e saiu da cabana. Rob o seguiu, sem entender.

— Acho que você deve ir agora. Sua mãe logo vai dar por sua falta. — Foi tudo o que disse antes de ir embora, sumindo dentro da mata de pinheiros.

Rob o observou por alguns segundos e deu de ombros. Ficou impressionado com o que viu, mas preferiu deixar para tirar suas dúvidas em uma oportunidade melhor.