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Chapter 6 - 6 — A CASA

O restante do percurso foi regado a silêncio absoluto. Cada um, à sua maneira, remoía o macabro acontecido do centro da cidade. Tudo o que queriam era finalmente passar pela porta de entrada do casarão e sentir o aconchego da proteção das paredes.

Quase cinco minutos depois, entraram em uma rua onde o mato tomava conta dos dois lados, tendo apenas a estrada como passagem, agora de piçarra. Mais cinco minutos, e chegaram no sopé da colina. Segundo o GPS, dali para a casa, levariam mais uns dez minutos, se não houvesse imprevistos.

O caminho até o topo era estreito e cheio de pinheiros, onde só se passava um carro por vez. Dos dois lados da estrada, apenas árvores. Do lado esquerdo, elas se estendiam em uma imensidão para dentro de uma floresta; do lado direito, a uns vinte metros, acabavam em um penhasco.

"Tenho que pedir para Rob tomar cuidado com esse penhasco, ou fazer alguma espécie de cerca para impedi-lo de chegar até lá sem se dar conta do perigo", pensou Augusto.

O GPS havia feito um bom cálculo. Dez minutos depois, estavam no topo da colina. Rob lançou um sonoro "Uaaaaau" quando olhou para baixo. Dava para ver toda Rio Denso, coberta por um céu limpo, margeada por terreno e verde de tudo que era lado. Nada dos prédios feios e sem graça da cidade grande, ou da fumaça constante e do céu acinzentado. Era a primeira vez que saía de São Paulo, e não queria mais voltar.

Augusto e Elisa se sentiram reconfortados ao ver o filho com a expressãozinha mais suave, até mais contente. Ela ensaiou um sorriso, acariciou a cabeça do menino e estendeu o braço para abraçar o marido. Ele se juntou aos dois.

— Se você está surpreso agora, filhão, espere só até a noite chegar e as luzes se acenderem — disse Augusto.

Se tudo desse certo, os móveis chegariam, no máximo, até o outro dia. E já que estavam sem mesa, Elisa esticou uma toalha no gramado, Augusto retirou as compras do bagageiro e Rob ajudou os pais a arrumarem um gostoso café de tarde, sob a sombra que a árvore projetava.

O casarão era mais espetacular ainda de perto. Tinha dois andares e era parecido com as casas que viram quando entraram em Rio Denso. Havia uma janela no meio do telhado em um dos quartos, bem na frente. Augusto tinha certeza que Rob insistiria em ficar naquele. A varanda dispunha de cadeiras talhadas em madeira pesada e um balanço. Também não teriam que se preocupar com mosquitos, todas as entradas já estavam cobertas com as redes de proteção.

A família resolveu tentar esquecer o episódio, Elisa recostou a cabeça na perna do marido e recebeu algumas uvas direto na boca, estourou algumas entre os dentes e deixou o suco escorrer pelo canto dos lábios. Rob gargalhou e disse:

— Tão namorando! Tão namorando!

A mãe acompanhou as risadas doces do filho, Augusto o empurrou de leve para que caísse de costas na grama, Bóris aproveitou para avançar e deixar uma boa dose de baba na cara do amigo.

— Eca, Bóris! Sai... sai daqui... hahaha... Vai ver só, cachorro feioso! — Conseguiu se desvencilhar do São Bernardo e disparou a brincar de pega-pega.

A casa tinha um espaço enorme para que ele pudesse fazer de tudo. Jogar bola, correr ou ficar apenas deitado junto de Bóris. A árvore na frente da casa era magnífica, muito alta, repleta de folhas ricas em verde, além de fazer sombra para a maior parte do terreno. Também dava à casa um ar mais aconchegante. Ao contrário das árvores que encontraram subindo a colina, não era um pinheiro. Augusto imaginava que fosse uma espécie de figueira. Os galhos enormes espalhavam a folhagem em uma grande extensão para todos os lados. No meio da árvore, bem no tronco, havia uma grande fenda. Parecia que, dali para baixo, a árvore era oca.

— Parece uma grande boca. Parece que ela está bocejando — disse Rob. Uma das coisas que o pai mais gostava nele era de sua capacidade criativa.

— É verdade, filhão. E, se você não tomar cuidado, ela vai te devorar — falou, pegando o filho no colo e fingindo que o colocaria dentro do buraco da árvore. O garoto começou a rir, Augusto o colocou de volta no chão e assanhou seus cabelos.

Ficaram ali por uns quarenta minutos, conversando, rindo e comendo. A vista de lá era realmente de tirar o fôlego. Augusto conseguiu se sentir feliz naquele momento. E, pelo que parecia, o filho e a esposa estavam gostando do lugar tanto quanto ele.

Rob invadiu a casa para explorá-la e voltou no bom estilo foguete — Bóris correndo no encalço —, empolgado com alguma coisa que Augusto já imaginava o que era. O garoto se aproximou dos dois, ofegante pela corrida, e disse:

— Nossa, pai, essa casa é gigante! — Deu um tempo para tomar mais um pouco de ar e continuou. — Eu já escolhi o meu quarto. Quero fazer ele no sótão. — Terminou, apontando com o dedo para a janela embutida no telhado.

Augusto olhou para Elisa, esperando um sinal de aprovação ou reprovação, até que ela assentiu com a cabeça.

— Tudo bem, campeão, mas s�� se eu ganhar um abraço e um beijo.

Rob deu mais um grande sorriso para o pai, como se dissesse que aquilo era moleza. Jogou-se para cima do médico e o abraçou.

Então o garoto voltou a falar:

— Mas, pai, eu tenho medo de algumas partes dessa casa.

Augusto o olhou com ternura:

— Não há nada que temer, filhão. E, além do mais, temos o Bóris pra nos proteger.

Bóris soltou um latido. Rob deu um tempo, processando a ideia dada pelo pai e continuou:

— Mas é que ela é grande demais. E se tiver monstros no porão?

Elisa e Augusto sorriram.

— Vem aqui, garotão — falou o pai. — Não precisa ter medo. Antes de irmos dormir, papai vai até o porão ver se tem algum monstro, e, se tiver, dar um jeito nele pra você. Combinado?

— Com seus superpoderes? — Rob sussurrou no ouvido do pai.

— Com meus superpoderes — falou Augusto, e deu uma piscadinha para o filho.

O garoto ficou encarando o pai.

— Tudo bem, então. Vem, Bóris! — Disparou a correr de novo.

***

No meio das árvores, alguém os observava. Um homem de aparentemente quarenta anos, dos quais, pelo menos dez eram dedicados a não tirar a barba, acompanhado de um garoto de aproximadamente oito anos.

— Quando vamos falar com eles, Ben? Quero isso logo — disse o menino. Apesar de ter os olhos cobertos por uma faixa que cobria quase toda a cabeça, parecia ver cada detalhe da tarde divertida da família.

A voz que saiu da boca dele, única parte do rosto exposta além do nariz, não pertencia a um menino, mas sim a um homem adulto. O velho alisou a barba gigante e respondeu com uma voz fria e sem vida:

— Tudo no seu tempo, Michael. Esperamos anos por esse momento, e não podemos correr o risco de pôr tudo a perder agora. Vamos com calma.

O garoto bufou, como se aquela não fosse a resposta que esperava. Ben tentou colocar a mão em seu ombro, mas ela transpassou. Depois balançou a cabeça, como se para colocá-la no lugar novamente, e disse:

— Vamos, antes que nos vejam. Isso dificultaria nossa aproximação.