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Chapter 8 - 8 — BENJAMIN MENDONÇA

Ben entrou na casa, observando seu interior. Trazia consigo um leve sorriso de canto de boca, e os olhos verdes também sorriam, como se aquilo tudo fosse uma grande brincadeira para ele. Virou-se para o médico e disse:

— Vejo que a mudança não chegou ainda. Vocês vão gostar bastante dessa casa. Ela é quente no inverno e fria no verão.

Augusto não disse nada, apenas olhou o homem.

— Escute, minha esposa não precisa saber sobre você. Ela e meu filho já tiveram experiências ruins demais nesse lugar.

Por alguns milésimos de segundo, Augusto pôde ver tristeza nos olhos de Ben. O homem se aproximou e disse em uma voz quase inaudível.

— Desculpe pela recepção na cidade, doutor. Eu já resolvi aquilo, as pessoas os tratarão muito bem daqui para frente. Quanto à sua esposa e seu filho, eles não precisam saber de mim mesmo. Me apresentarei como vizinho de vocês, como realmente sou.

O médico assentiu e se dirigiu até a cozinha, sinalizando com um leve inclinar de cabeça para que Ben o acompanhasse.

Elisa estava terminando de preparar o jantar.

— Querida, esse é Benjamin Mendonça, nosso vizinho. Ele veio nos dar boas vindas e eu o convidei para jantar conosco. — Augusto tentou parecer o mais natural possível.

— Ah, é? — Elisa olhou o marido, depois escaneou Ben de cima a baixo. — Então, hã, boa noite, Senhor Mendonça!

Ben se aproximou de Elisa, oferecendo-lhe a mão para cumprimento. Ela sorriu para ele, respondeu ao cumprimento, cheia de receio. Voltou para o fogão e mexeu a panela de sopa.

— Mas onde o senhor mora, exatamente? Não lembro de ter visto casa alguma desde onde a piçarra começa — disse Elisa.

Ben olhou para Augusto, e o médico fez sinal para que prosseguisse:

— Moro na floresta, senhora Vianna. Moro junto da minha mãe e do meu filho. Minha esposa morreu há alguns anos.

Elisa se virou para o homem e disse:

— Sinto muito por isso.

Ele agradeceu pelos sentimentos da mulher, e, mais uma vez, ela se virou para o fogão. Continuou a conversar de costas para os dois mesmo, atenta às panelas.

— Me ajudem a preparar a mesa. Logo a janta ficará pronta e poderemos comer, finalmente. Toda essa ida para a cidade e o preparo da comida me deixaram faminta. Além do mais, vocês precisam dormir cedo, Augusto, não se esqueça.

Mas não havia mesa alguma na sala. O que Elisa quis dizer era para que preparassem o chão da casa para jantarem.

— Espero que não se importe de comer no chão — disse Augusto.

Ben o olhou novamente com aquele sorriso no rosto e respondeu que não tinha problema algum, até gostava da ideia.

Em questão de poucos minutos, a mesa-chão estava posta. Rob desceu as escadas em seguida, com Bóris vindo de guarda-costas. O cachorro rodeou Ben, cheirou-o por bons segundos e abanou o rabo.

— Que belo animal temos aqui — Ben disse, olhando para Rob. Em seus olhos, podia-se ver uma espécie de ternura. — Qual o nome dele?

Rob, que não conhecia o homem, falou com a inocência que toda criança tem, mesmo na presença de estranhos:

— O nome dele é Bóris. Papai e mamãe dizem que está comigo desde que eu era bem pequeno.

Ben sorriu para ele e se apresentou. Quando Rob soube que o homem vivia na mata, perguntou se um dia poderia conhecer a casa dele.

— Quero construir uma cabana perto da floresta. Será que o senhor me ajudaria?

Augusto e Ben riram no mesmo instante, como se fossem velhos amigos.

— Claro que sim, se seu pai permitir — respondeu.

Augusto olhou para o filho, não sabendo se deveria recusar o pedido. Estava um pouco mais tranquilo, como se aos poucos a presença de Ben arrefecesse o mal estar. Algo lhe dizia que o velho não era alguém ruim. O que ainda despertava desconfiança era porque o homem havia praticamente lhe obrigado a ir para Rio Denso.

— Podemos discutir isso amanhã, campeão. Agora é hora de jantar, e, logo em seguida, escovar os dentes e ir pra cama.

Pareceu que o menino começaria um protesto em relação a dormir cedo, mas, antes que conseguisse dizer alguma coisa, Elisa veio da cozinha carregando um panelão fumegante de cheiro irresistível.

— Vamos garotos — disse ela —, sentem-se no nosso improviso de mesa, que o jantar já está pronto. Foi tudo o que consegui preparar para essa nossa primeira noite.

Os três se sentaram no chão, e Elisa colocou a panela em cima de um pano para que não estragasse o assoalho de madeira rústica da casa. Os quatro ficaram lá por pelo menos uma hora, conversando enquanto comiam. Ben não falou muito sobre sua vida em Rio Denso, e, na maior parte do tempo, só ficara ouvindo os relatos de Elisa, Rob, e do próprio Augusto, sobre a cidade grande. Seus olhos brilhavam em alguns momentos, como se realmente se surpreendesse com as histórias.

Após todos terminarem a janta, Ben se ofereceu para lavar a louça. Elisa protestou por algum tempo, até que se deu por vencida; o homem não deixaria de lavar, como ato de agradecimento pelo jantar.

Após lavar todas as louças, e ainda secá-las, despediu-se de Elisa, Rob e Bóris. Logo em seguida, os três subiram para se preparar para dormir. Ben aguardou para que eles não ficassem mais em seu campo de visão, até que falou, novamente naquela voz quase inaudível para Augusto:

— Seu turno começa amanhã às sete horas, Senhor Vianna. O pessoal do hospital já está ciente de sua chegada e cuidará de sua acomodação no emprego novo.

Augusto assentiu, sem dizer nada. Ben continuou:

— Em relação a Rob, a aula começa às oito horas. Minha mãe é a professora da turma dele, e ele pode ir e voltar com ela todos os dias, caso queiram.

O médico abriu a boca para dizer que não precisaria da carona, mas, antes disso, Ben continuou:

— Acredito que Elisa tenha muita coisa para fazer amanhã, com a mudança chegando. Então, pelo menos amanhã, peço que deixe o garoto ir com minha mãe. Garanto ao senhor que ele estará em boas mãos. Além do mais, ainda não tenho confiança plena de que seja seguro ele andar sozinho ou com apenas vocês dois pela cidade.

Um arrepio percorreu o corpo de Augusto depois das últimas palavras de Ben. Por mais que não quisesse deixar o filho ir com a mãe dele, achou que era realmente mais seguro. Não sabia o porquê, mas sentia que era.

— Tudo bem. Deixarei Elisa avisada sobre sua mãe. Como saberei quem ela é se nunca a vi?

Ben soltou uma risada abafada e respondeu de costas, enquanto caminhava:

— Foi ela quem pegou as chaves da casa em São Paulo, Augusto. Acho que você e Elisa a conhecem.

Dirigiu-se para a mata, sendo engolido aos poucos pelas grandes árvores e pela escuridão da noite.