Rob enxergava tudo embaçado. Podia distinguir formas, e apenas isso. Parecia uma clareira cheia de pessoas — ou algo parecido, já que sua visão não dava certeza de nada. Ouviu gritos e virou rapidamente o pescoço em direção ao som. Naquele momento, a visão focou por alguns segundos, e ele viu a si próprio sendo carregado em um tronco, amarrado pelas pernas e os braços. Berrava por socorro, mas ninguém parecia se importar. Estavam imóveis, com sorrisos esticados nas faces.
Acordou sobressaltado e viu uma velha entrar em seu campo de visão. A pele era enrugada, e os dentes, amarelos. A velha balbuciou algumas coisas, mas Rob só conseguiu entender: "Venha comigo, rápido!".
Acordou pela segunda vez. E respirou aliviado ao ver que estava na cama dos pais. Já era manhã e eles tinham que terminar de arrumar as coisas.
As imagens do sonho insistiam em permanecer nos pensamentos do garoto, apesar de estar se sentindo tranquilo. Talvez por ser um grande dia para ele e seus pais, decidiu não falar nada para Augusto ainda. Quem sabe, sequer falaria um dia, afinal, fora um sonho apenas.
Estava feliz, mesmo deixando os colegas de São Paulo para trás. Nem eram tão próximos mesmo, só se falavam na escola. Então a possibilidade de conhecer outras crianças em um novo lugar era entusiasmante. Sem falar em todo o tamanho do terreno da nova casa. Mirabolava mil brincadeiras com Bóris, mirabolava construir uma cabana na árvore — e como pediria isso ao pai, também! Seria seu forte, aonde poderia ir quando quisesse pensar ou brincar sozinho.
O garoto desceu as escadas correndo. Levou uma advertência ao passar feito um foguete pela mãe, que carregava uma pilha de caixas para o lado de fora da casa.
— Rob! Você vai acabar quebrando alguma coisa ou se machucando!
— Desculpa, mamãe! — Esticou um sorriso bobo, coçou a nuca e voltou a correr. Bóris, claro, vinha no encalço.
Quase toda a mudança estava do lado de fora. Augusto se sentava no degrau da entrada, esperando a vinda do caminhão, o rosto marcado por uma sombra de dúvida e angústia. Rob era menino, mas não era bobo, conhecia o pai.
— Oi, pai. Animado? — Sentou-se ao lado do médico.
Augusto o abraçou e lhe deu um beijo estalado na cabeça.
— Como não estar, campeão? Só de lembrar daquela casa, já me sinto animado.
— Mas então por que você não está sorrindo? Mamãe e eu estamos. — Rob fechou um olho, fez uma careta traquina e ficou mirando o rosto do pai.
Augusto gargalhou.
— Só estou cansado, filhão.
— Verdade, de verdade?
— Verdade, de verdade. Agora, vá ajudar sua mãe com o que falta. Logo o caminhão chega pra levar nossas coisas... — Deu uma pausa, inspirou fundo e expirou um ar pesado. — E finalmente iremos embora.
Rob fez o que o pai pediu, mas não antes de lhe retribuir o beijo.
***
O caminhão não demorou muito a chegar. A equipe de mudança carregou tudo em menos de meia-hora, lacrou as portas do baú e partiu. Se tudo desse certo, chegariam praticamente juntos.
O administrador do hospital de Rio Denso orientou para que deixassem as chaves da casa de São Paulo com uma corretora, que chegaria assim que o caminhão de mudanças fosse embora. Menos de um minuto depois, ela batia à porta. Uma senhora de aparentes cinquenta anos com um grande coque branco sobre a cabeça. Rob se escondeu atrás do pai ao vê-la.
— Senhor e Senhora Vianna — cumprimentou-os —, vim buscar as chaves, como devem ter sido avisados.
A mulher dirigiu um sorriso a Rob, e Bóris retribuiu com um latido trovejante. O menino correu para dentro do carro, o cachorro o acompanhou. Os dois ficaram trancados lá até que a mulher se fosse.
Elisa e Augusto esperaram a corretora sumir de vista, trocaram olhares e foram até o veículo.
— Posso saber o que houve, Rob? Aquilo não é jeito de se comportar — disse a mãe.
— É que... — Rob baixou os olhos, mirando os pezinhos balançantes. — Ah! Vocês nem vão acreditar mesmo!
— Filho — era o pai falando —, claro que vamos. Confie em mim.
— Eu sonhei com ela na noite passada.
Augusto olhou para Elisa. A mãe discretamente piscou o olho e fez um não com a cabeça. Típico dela de dizer: "Não estica mais o assunto".
— Ok, filhão. Hora de colocar o cinto. Vamos para nossa nova casa!
Com todos dentro do carro, Augusto colocou a localização da cidade no GPS e enfim deu destino, deixando São Paulo para trás. Trocando uma grande cidade cheia de perigos, assaltos e bandidos por uma pequena, com ar puro e poucos índices de criminalidade. O relato do sonho ainda lhe causava desconforto. Procurou espanar os pensamentos, pois não faria sentido preocupar Elisa e Rob com aquilo. Olhou para o filho através do retrovisor do carro, mandou uma piscada com o olho direito e falou, abrindo um sorriso largo:
— Rio Denso, aqui vamos nós!
Rob soltou um alto "Uhuuuul", fazendo Elisa colocar as mãos nos ouvidos por reflexo e Augusto espremer os olhos, como se estivesse com muita dor. Quando viu a reação dos pais, gargalhou e disse:
— Desculpem.
Por fim, os três gargalharam.