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Chapter 3 - 3 — ÚLTIMOS DIAS

Augusto, Elisa e Rob acordaram cedo, e, logo após o café, começaram a arrumar as coisas. O sorriso incessante no rosto da esposa e o brilho intenso nos olhos do filho eram combustíveis para que o paizão da família se sentisse bem naquela manhã. Enquanto Rob corria de um lado para o outro dentro de casa, pegando brinquedos e livros, Bóris o acompanhava; orelhas abaixadas, olhos desconfiados, como se alguém pudesse causar algum mal ao seu amigo a qualquer momento.

Naquele mesmo dia, o médico deixou tudo acertado. Foi até a escola de Rob para fazer a transferência e convidou Sam para um jantar de despedida, na noite seguinte. Ao fim do dia, quase tudo que eles não usariam mais estava guardado.

Rob pediu aos pais para deitar com eles. Não queria dormir sozinho naquela noite. Também pediu para deixarem Bóris dormir no quarto. Augusto e Elisa assentiram, abrindo uma exceção.

O menino comemorou a resposta positiva. Correu até o quarto, pegou o cobertor e o livro preferido, para que o pai contasse mais uma parte da história.

— Então, papai, ontem paramos quando o Harry e o Rony pegaram o carro mágico pra ir pra Hogwarts. Fiquei o dia todo imaginando o que poderia acontecer — falou Rob, abrindo um grande sorriso.

Augusto o puxou para cima da cama e afagou os cabelos do garoto.

— Pois vamos descobrir o que aconteceu com esses bruxinhos.

Bóris se posicionou para subir também, mas Elisa o encarou com autoridade. O cachorro pareceu entender o recado e se deitou no chão logo em seguida. Augusto e Rob riram do episódio, o médico então começou a ler para o filho.

Trinta minutos de história, como fazia todas as noites. Fechou o livro e colocou o filho entre ele e a esposa, para finalmente dormirem. A mãe de Rob já estava de olhos fechados, o que deixou o garoto mais tranquilo para fazer a pergunta ao pai.

— Pai, será que as outras crianças vão gostar de mim lá pra onde vamos?

Augusto encarou o menino com ternura, abraçou-o e respondeu:

— Claro que sim, campeão. Pode ser que, no começo, alguns não conversem ou puxem assunto, mas tenho certeza de que você fará bons amigos lá também.

O menino ficou pensativo, apertou os lábios, e, por fim, fez um positivo com a cabeça e puxou o cobertor até o pescoço.

— Boa noite, pai! Tô empolgado pra que chegue logo o dia da mudança.

Augusto beijou a testa do filho e apagou a luz do abajur.

— Então vamos dormir, pro tempo passar bem rápido. Boa noite, campeão!

***

A primeira a acordar foi Elisa, e, ao olhar o relógio, deu um pulo da cama. Eram catorze horas. Precisava correr até o mercado a fim de comprar as coisas para o jantar daquela noite. Acordou Augusto e pediu para que ele começasse a preparar a churrasqueira. Sam chegaria às dezoito horas, precisavam agilizar as coisas.

Augusto deixou Rob dormindo. Bóris não pareceu se importar com a conversa dos dois e permaneceu refestelado no chão. O médico sabia que ele só sairia dali quando o filho também acordasse.

Já estava quase tudo pronto quando Elisa voltou do mercado. Dali a duas horas, Sam chegaria. Elisa e Augusto decidiram não falar sobre os e-mails e as pessoas do hospital. Apenas diriam que foi uma oferta irrecusável, mostrariam as fotos da casa e convidariam Sam para visitá-los quando estivessem bem instalados.

Apesar do combinado ter sido dezoito horas, Sam apareceu trinta minutos mais cedo. Deixou o casaco no cabide, atrás da porta, e deu um abraço apertado em Augusto. Seria a primeira vez, desde a faculdade, que eles se separariam. O pensamento de um não ter mais o outro por perto, para conversar e resolver os problemas, era algo aterrorizante, como se uma parte dos dois fosse tirada sem que pedissem permissão.

— Então, contente com a mudança?

Augusto abriu a geladeira, pegou duas garrafas de cerveja e entregou uma ao amigo.

— É uma mistura de excitação com preocupação. Afinal, é uma grande mudança em nossas vidas. Emprego, cidade, ambiente. Mas, sim, estamos empolgados pra ver o que nos espera por lá.

Deixaram Elisa terminando a salada e foram ao quintal para colocar as carnes na churrasqueira.

***

Eram quase dezenove horas quando a mesa foi posta. Sam fez diversas perguntas a respeito de Rio Denso, do hospital e da casa nova, Augusto e Elisa responderam, tentando esconder as preocupações em relação às pessoas que os obrigaram a mudar. Assim que terminaram de comer, Augusto pegou o celular e para mostrar as fotos da nova casa.

— Não tem um quarto vago pra mim, não? — perguntou Sam, sorrindo para Augusto.

Por mais que soubesse que era só uma brincadeira, imaginou como seria feliz poder levar o amigo junto para Rio Denso.

— Vou sentir saudade, Sam. — Suspirou.

Passaram a noite toda jogando conversa fora, falando sobre a infância, a faculdade e o antigo emprego. Rob havia adormecido no sofá, seria difícil para qualquer um tentar acompanhar a conversa daqueles dois. Era madrugada quando Sam decidiu ir embora. Recolheu o casaco e disse:

— Vou sentir saudades de vocês. Espero mesmo que sejam muito felizes lá. E me desculpe, Augusto.

O médico sentiu um aperto no peito.

— Você sabe que não tem porque se desculpar. — Deu um abraço em Sam. — Assim que a mudança estiver feita e a casa organizada, convidaremos você pra nos visitar.

Sam assentiu. Abriu a porta e se foi. Elisa pegou Rob no colo e o levou até o quarto deles. Deixariam o filho dormir com eles de novo. A última noite de sono em São Paulo.