Scott ficou em pé e olhou em volta. Ele se encontrava em uma velha sala de aula, aparentemente abandonada. As carteiras de madeira estavam jogadas espalhadas pelo chão, sujas e quebradas. As paredes que antes eram pintadas de um azul claro agora estavam sujas e com uma estranha crosta se espalhando por elas.
Ele reconheceu aquele cenário. Em outros lapsos e em alguns momentos aleatórios, ele se lembrava daquela classe. Mas dessa vez, tudo parecia estar destruído, como em um pesadelo. Ele foi até a porta da sala, vendo cartazes de trabalhos e materiais escolares jogados ao chão. Essa memória remetia a algo terrível que ocorreu com seu outro eu, e ele sabia que algo grande viria.
Scott deixou a sala, e percebeu que o corredor também estava bagunçado: materiais escolares e lixo estavam em todo lugar. Assim como na sala, uma crosta marrom descia do teto e escorria pela parede. Ele olhou para o chão, e o susto o fez sair daquela cena. Mesmo enquanto entrava em outro sonho estranho, ele não conseguiu tirar o que viu da mente: sangue seco em todo lugar de seu corpo, e ele sabia que aquele sangue não pertencia a ele.
No novo cenário, ele via um chão feito de areia, mas não uma areia comum, ela era toda colorida. As cores variavam em todos os tons possíveis, até onde a vista alcançava, e o céu noturno e infinitamente estrelado lançava uma luz agradável sobre ele. Ele se virou para a lua, de onde uma voz feminina soou.
"Scott, o Caminhante dos Carmins... Você busca pelo mosaico, tal como os outros cinco. Olhe para a luz. Olhe para o seu futuro."
Ele encarou a lua, e de repente imagens estranhas se formaram.
Na primeira, ele via ele mesmo, mais velho, com o olhar caído, seu cabelo cresceu, chegando aos ombros, mas aquele Scott estava carregado de sofrimento. Aquele Scott estava morto por dentro.
Então, a voz feminina soou novamente, vinda de todos os lados.
"Uma escolha foi feita. Assim como muitas outras. Mas a Grande Tragédia lhe deixará em dois caminhos, rapaz. O primeiro é o sofrimento. O segundo, é o sacrifício."
Scott se viu novamente, mas desta vez ele viu uma silhueta apenas. Aquele Scott era grande, forte, e dele vinha uma energia sinistra. Ele se perguntou qual seria o sacrifício necessário para se tornar aquela versão de si mesmo.
Outras silhuetas surgiram atrás dele, mas nenhuma demonstrou nenhum indício de identidade.
"A Rainha do Tempo, o Espadachim, o Mestre das Portas, o Corredor, o Inventor, o Jogador, o Gigante, o Sombrio, o Brilhante e o Guerreiro serão os primeiros a lhe ajudar a se reencontrar quando seus amigos te deixarem."
Ao ouvir aquilo, uma fúria tomou conta de seu coração. Ser deixado pelos seus amigos? Nenhum deles jamais o deixaria. Mas algo interrompeu seu momento de raiva. Uma silhueta se ergueu sobre o deserto sem fim. A grande sombra então abriu um único olho brilhante como o Sol. A voz falou novamente.
"E em sua grande jornada, o Rei dos Reis virá até vocês."
Scott saiu daquele sonho, e retornou ao colégio destruído.
Dessa vez, ele se sentiu extremamente ameaçado, pois sentia que alguém, ou alguma coisa, estava vindo. De repente, um pensamento cruzou sua mente.
'Neste dia, um poder inimaginável surgiu, para salvar Lucine e os outros'.
Ele acordou.
Lucine?
Sim, foi essa pessoa que ele lembrou antes de desmaiar. Depois que viu Lucielle, ele percebeu que ela parecia alguém, e depois disso ele apenas perdeu a consciência tentando lembrar. Ele se sentou no sofá verde. Em volta da mesa, ele vou que todos, com exceção de Lucielle e Angeline despertavam de um sono.
Tonto, ele se firmou no seu lugar. Ele reparou que ele era o único em um sofá, e os outros pareciam ter dormido em volta da mesa.
Todos se sentaram em suas cadeiras. Angeline sorria, de forma estranha. Lucielle olhou para Scott, e quando ele a olhou novamente, ela desviou o olhar.
Hector se pôs em pé.
-Incrível! -Ele gritou. -Eu adorei!
Ele sorria sem parar. Scott estava incomodado com a visão do colégio. Rei dos Reis?
Zack, Max e David pareciam incomodados também. Mas Joe parecia estar morto por dentro. Erika parecia ter chorado há pouco.
-Entendam, todos vocês. -Disse Angeline. -Cada um de vocês teve a própria visão. Mas é claro, o futuro é seu -Ela pôs um ênfase na palavra seu. -E se quiser compartilhar com um de nós sinta-se livre.
Ninguém se posicionou sobre aquilo.
-Eu mal posso esperar pelo momento em que verei meu irmão novamente. -Disse Erika, sorrindo e com os olhos cheios de lágrimas.
Angeline sorriu.
-Parece que você viu algo que queria, senhorita. -Disse Angeline.
-Só espero conhecer meu pai algum dia. -Disse Zack, meio triste.
Todos o olharam, com a pena aparente em seus olhos.
Hector então pôs a mão no ombro de Zack.
-Todos teremos nosso momento, amigo. -Ele sorriu. -Eu me vi sendo reconhecido por todos. As garotas todas me queriam, É!
Joe ficou em pé.
-Você tem sonhos bem humanos, Hector. -Ele riu alto. -Mas não se preocupem, irmãozinhos, eu vou guiar vocês até que estejam prontos para se virar sozinhos.
O estômago de Scott se revirou.
'Vão viver comigo até conseguir se virar sozinhos!'. Ele se esforçou para afastar aquele pensamento.
-Rei dos Reis. -Ele disse.
-Ei, eu vi isso também. -Disse David.
-Eu também. -Disse Max.
Zack e Hector concordaram.
-Do quê vocês estão falando? -Perguntou Joe, confuso.
-Eu ouvi uma voz, ela disse que nós vamos encontrar um tal de "Rei dos Reis".
Todos ficaram olhando enquanto Scott começou a falar.
"Eu não sei o que é isso. Mas se alguém com um título desse está no nosso futuro, então quer dizer que a gente vai se envolver em muita merda. Eu não sei o quanto a gente já se afundou nisso, mas aqui a gente vê que não tem volta. Eu espero que vocês tenham se preparado, porquê eu sinto que alguma coisa terrível tá pra acontecer."
-Sua dedução chegou a um nível incompreensível, Scott. -Disse Joe.
-Garoto -Chamou Angeline. -Sua reação foi incomum. Quer contar alguma coisa que você viu que possa ter relação com isso?
-Eu imagino que tenha a ver com minhas memórias.
-Memórias?
-Sim. Eu tenho memórias de outra pessoa.
Angeline ficou visivelmente confusa.
-Como assim?
-Deixe-me explicar. -Interrompeu Joe. -Ao redor do mundo, algumas pessoas misteriosamente recebem memórias externas. É uma condição rara, e acontece em vários níveis. Algumas pessoas veem em sonhos, em outras, apenas um vislumbre momentâneo, e outras até recebem essas memórias como uma simples formação em sua imaginação, como um pensamento. Scott tem o nível mais crítico, ele vê de todas as formas, mas de certa forma, ele vive nesses momentos do passado. Ele tem lapsos constantes e aleatórios de lembranças assim. Essa doença é chamada de síndrome das memórias herdadas.
-Quer dizer que ele vê momentos do passado. -Concluiu Lucielle.
-Sim. -Disse Scott. -Você parece com uma garota chamada Lucine, que viveu há muito tempo. O meu outro eu conheceu ela.
-O quanto você sabe sobre ela? -Perguntou Lucielle, curiosa.
-Só o nome. -Respondeu Scott.
-Ah, tudo bem então, mas se algum dia você descobrir sobre essa me procure e me conte sobre ela. -Disse Lucielle, sorrindo.
-Tudo bem. -Disse Scott.
O silêncio tomou conta da sala.
-Você tem alguma ideia de quem seja o dono dessas memórias? -Perguntou Erika.
-Sim, meu antigo médico já tinha descoberto. Elas são do meu nêmese.
-Como assim?
-Isso é complicado. Na verdade, todos os Eteristas do mundo nascem com poder, diferente da maioria das outras pessoas, não despertamos eles ao longo da vida. Mas a Marca Etérea é misteriosa. Em algum momento da nossa vida, encontramos alguém que é um oposto nosso, nosso nêmese. Eu posso ver as memórias do meu Nêmese. Eu não sei o nome dele, ou quem ele é, de onde é, nada. Mas eu consigo ver as memórias dele por causa da nossa ligação.
-Tem alguma forma de você encontrar esse seu Nêmese? -Perguntou Joe.
-Eteristas podem sentir a energia que os outros emanam, é como uma assinatura de energia única. -Disse Scott. -Cada um tem a própria energia, mas ela é emanada em uma baixíssima frequência pelo seu Nêmese.
-Tem como você sentir a sua própria energia?
-Ele não pode, mas eu posso. -Disse David. -O único problema é que a Marca Etérea precisa estar ativa pra ser sentida, então vai ser bem fácil saber quem é quando você vê, até porquê não é em todo mundo que uma marca mágica brilhante aparece.
-Mas isso é incrível! -Disse Erika. -Eu não sabia dessas coisas. E olhem que meu irmão era um Eterista.
David e Scott ficaram curiosos.
-Vai ser mais fácil pra gente achar ele, então. -Disse David.
-Se a gente conseguir qualquer pista a gente encontra ele. -Disse Scott.
-Você é quem é o mestre da dedução aqui, Scott. Ou o Max pode prever como ou quando a gente vai achar ele. -Disse Hector.
Scott apenas ficou em silêncio. Não ousaria complementar a frase de Hector com um 'e se'. Mas ele se lembrou de algo, e a esperança de encontrar Jake Ardenbrough surgiu em seus olhos.
-David! -Ele disse, animado. -A ilha!
-Que ilha? -Perguntou David.
-A Ilha dos Eteristas!
David entrou em um frenese.
-Sim! Se ele é um Eterista, então passou pela ilha.
-Que ilha, gente? -Perguntou Joe.
-Eteristas precisam passar por um treinamento em uma ilha específica. -Disse Scott. -Todos os Eteristas, sem exceção, devem passar pela Ilha. Jake Ardenbrough esteve lá, sem dúvidas.
-Sim, meu irmão passou uns meses em uma ilha quando era adolescente. -Disse Erika.
-Sem querer me intrometer, mas o que houve com seu irmão? -Angeline não conteve a curiosidade. Seus olhos turquesa corriam pela sala e pelo mapa do mundo em sua mesa.
-Nosso pai aconteceu. -Erika lacrimejou. -Ele matou minha mãe e tentou me matar. Meu irmão acabou chegando antes e a namorada dele bateu no nosso pai. Eles tentaram manter ele em casa, longe de mim. Mas em algum momento, Jake foi afetado por Netérion, e acabou matando nosso pai. A namorada dele também tinha um pai assim. Jake o matou também, eles fugiram logo depois. Desde aquele dia, eu nunca mais vi meu irmão.
-Meus pêsames pelos seus pais, Erika. -Disse Angeline. -Acredito que seu irmão esteja bem hoje.
-Obrigada. -Erika então sorriu. -Mas minha previsão me mostrou reencontrado ele.
Todos sorriram.
Scott se perguntou em quanto tempo era possível que cada uma das suas previsões se realizassem.
-Algum de vocês viu algo chamado de Grande Tragédia? -Ele perguntou.
-Eu não. -Disse Joe.
-Sim. -David, Hector, Max e Zack disseram, em uníssono.
-Eu também. -Disse Erika.
Scott olhou nos olhos de Joe. Ele sabia que Joe estava mentindo, mas não ousaria forçar ele a dizer o que estava escondendo.
Max então ficou em pé, sorrindo.
-Lembrei! -Ele gritou. -Eu vou conhecer meu ídolo!
Os outros cinco sorriram.
-Isso é muito bom! -Disse Joe. -Eu também quero conhecer ele.
-De quem vocês estão falando? -Perguntou Erika.
-O Maximum Overload! -Max respondeu.
Erika ficou pasma, depois sorriu.
-Nossa, isso é muito bom.
Ninguém disse mais nada. Erika e Angeline começaram a conversar, Max e Hector também, Joe foi ao banheiro, enquanto Zack e David foram ao jardim. Lucielle se sentou ao lado de Scott no sofá.
-Você tá bem, garoto?
-Sim.
-Me parece mentira.
-Eu só vi umas coisas estranhas.
-Muitas pessoas passam por aqui todos os dias. Algumas quando veem coisas muito tristes ou chocantes ficam como você.
-Isso não importa agora.
-Você está mentindo.
-Não sou o único. Se fosse tão incomum assim as pessoas desmaiarem aqui, não teria um sofá aqui.
-Teria sim. Ainda que sejam poucos, alguns clientes desmaiam.
-Tudo bem, então.
-Me diga, por favor. -Ela pegou as mãos de Scott e olhou em seus olhos. -O quê você viu.
-Nada. -Ele não ousaria dar corda a ninguém.
Ela soltou suas mãos. Ele se desculpou e levantou. Joe estava em pé, encostado na parede observando-os. Ele sorriu, e Lucielle apenas o evitou e saiu da sala.
-Joe -Disse Scott, antes que ele começasse a falar qualquer coisa. -O quê você está escondendo?
-Nada. Por que eu esconderia algo de vocês?
-Se não tivesse motivo pra esconder, não esconderia.
Joe não disse nada, apenas olhou para ele. Ele ficou em silêncio por algum tempo.
-Tudo bem. Grande Tragédia. Eu só sei que eu vou causá-la. Não me pergunte o quê é, por favor. Eu só quero tentar evitar causar algo.
-Desculpe. -Disse Scott ao perceber que a qualquer momento Joe poderia começar a chorar.
Scott foi até o jardim. Zack e David estudavam as plantas lá.
Ele se aproximou dos dois, mas não disse nada. Ele olhou em volta e percebeu que já estava anoitecendo.
Hector e Max vieram logo depois, acompanhados por Joe.
-Aí Scott! -Chamou Hector.
-Que foi?
-Qual dessas flores você vai dar pra Lucielle?
Scott sentiu a cara queimar.
-Cala a boca, seu merda!
Todos começaram a rir, inclusive Scott.
-Hora de ir embora, crianças! -Erika apareceu, acompanhada por Angeline e Lucielle.
Scott olhou para Hector, que o olhava rindo.
Eles foram até o portão, onde todos se despediram. Angeline deu um abraço em Erika. Então, todos se amontoaram no carro vermelho e partiram. Scott olhou pela janela traseira, e fez contato visual com Lucielle uma última vez enquanto eles se afastavam pela rua.
-Não fica triste, você ainda vai ver ela. -Disse Hector.
-Vai se foder. -Scott respondeu.
-Ei! -Disse Joe. -Mais educação!
-Hector, vai se foder, por favor.
Erika e Hector começaram a rir. Os outros os acompanharam.
Scott passou o resto da viagem refletindo sobre seu futuro.
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O crepúsculo se afastou, enquanto o sol descia para as profundezas do horizonte. As nuvens davam lugar às estrelas enquanto o azul do céu se esvaia, e a lua iluminava as paisagens, enquanto a noite confortava os sonhos indizíveis das pessoas.
As ruas se tornavam vazias a medida que a noite se tornava madrugada, e os poucos que permaneciam despertos se moviam pelas ruas silenciosas.
O silêncio predominava no laboratório do Instituto de Ciências de Gardeville, onde duas pessoas se abrigavam.
-Você acha que aqueles cinco têm envolvimento com Aureus? -Perguntou a pequena figura, sua voz feminina ecoou pelos corredores do laboratório.
-Temos que pegar aqueles garotos. Se conseguirmos falar com eles, teremos um importante aliado. -Respondeu o homem. O cansaço era perceptível em sua voz. -Mas tenha cuidado, agora eles estarão preparados para nosso próximo encontro. Se não tomarmos cuidado, encontraremos nosso fim.
-Se a organização souber da existência deles, provavelmente mandarão assassinos atrás deles.
-Um assassino já está por aí. Está a espreita e provavelmente já sabe deles. Precisamos alcançar aqueles garotos, custe o que custar.
-Mas Niccolo, esses garotos podem tentar nos atrair para uma emboscada!
-É com isso que devemos contar. Se conseguirmos chegar até eles, poderemos pegá-los, e com isso, vamos poder conversar com eles. Mas se não houver mais diálogo com eles, então estará tudo perdido para nós dois.
A mulher abaixou o olhar. A luz da Lua penetrava por entre as janelas quebradas do laboratório, e ela sentiu que, em algum lugar, sob a mesma luz que ela via, cinco meninos esperavam pelo momento em que se encontrariam com ela.
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Lucielle havia deixado o trabalho no consultório de Angeline e foi para casa de ônibus. Angeline não estava em casa naquele momento, saiu pois sentiu sua vida em perigo naquela noite.
Na casa em frente a sua, uma figura estava parada em pé, observando-a. A pessoa misteriosa vestia uma capa azul com um capuz em sua cabeça. Uma máscara branca cobria seu rosto. Ela tinha por volta de 1,70 de altura, e falava consigo mesma, em voz alta. A voz, que era tunada pela máscara saia totalmente diferente do que deveria.
-Aqueles seis garotos... Niccolo... Uma vidente... O quê é que está acontecendo aqui?