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Chapter 9 - A Manifestação – Parte 1

Quando acordei na manhã seguinte, a memória da noite anterior já parecia um borrão, como se tivesse sido apenas um sonho distante. Mas algo dentro de mim havia mudado. Eu não sabia exatamente o quê, mas sentia.

Minha cabeça latejava levemente, e a sensação de uma noite mal dormida pesava sobre mim. Esfreguei os olhos, tentando afastar o torpor, e me sentei na cama. Meus músculos estavam estranhamente tensos, mas não de cansaço—parecia mais uma energia contida, prestes a se soltar.

Foi então que notei onde estava.

— O banheiro?

Franzi a testa, confuso. Como eu tinha parado ali? O piso ainda estava úmido, e meu reflexo no espelho me encarava com um olhar perdido. Minha respiração estava levemente acelerada, e por mais que tentasse, eu não conseguia lembrar como tinha ido parar naquele lugar.

"Devo ter escorregado e desmaiado", pensei, tentando racionalizar.

Mas algo me dizia que a explicação não era tão simples assim.

Suspirei e fui até o quarto. O relógio digital na mesa de cabeceira piscava com números vermelhos que pareciam mais intensos do que o normal.

8h30.

Droga! Estava atrasado novamente.

Eu tinha combinado de encontrar Melissa às 8h, e já podia imaginar a cara dela quando me visse chegando tarde outra vez. Peguei uma roupa às pressas, vestindo uma camisa escura e um jeans, sem me preocupar muito com os detalhes. Mas assim que comecei a me movimentar, percebi algo estranho.

Cada passo parecia mais leve. Cada movimento, mais fluido. Meus reflexos estavam aguçados de uma forma que eu nunca tinha experimentado antes, como se meu corpo estivesse… ajustado.

A sensação era estranha—quase como se o mundo ao meu redor estivesse desacelerando enquanto eu continuava no mesmo ritmo.

Sacudi a cabeça.

"Deve ser coisa da minha cabeça."

Peguei o celular e chamei um táxi. O Distrito Sul de Thalyssia ficava longe demais para ir a pé, e se eu quisesse chegar no horário, não tinha outra opção.

O táxi amarelo estacionou na frente da mimha casa em menos de cinco minutos. O motorista, um homem de meia-idade com olhos cansados e um cigarro apagado no canto da boca, me lançou um olhar breve pelo retrovisor antes de perguntar:

— Para onde?

— Parque dos Ventos de Draymoor, no Distrito Sul.

Ele assentiu sem dizer nada e arrancou o carro.

Me recostei no banco e soltei um suspiro. Apesar do atraso, eu tentava relaxar. O ronco do motor e o leve balanço do veículo costumavam me deixar sonolento em trajetos longos, mas dessa vez, algo parecia diferente.

Foi quando notei.

O mundo lá fora estava… errado.

No começo, achei que fosse impressão minha. Mas quanto mais eu observava, mais claro ficava.

Os carros que passavam na pista ao lado pareciam se mover em câmera lenta.

As folhas das árvores balançavam como se estivessem presas em um tempo diferente, oscilando num ritmo distorcido.

Os pedestres caminhavam vagarosamente, como se cada passo levasse uma eternidade para ser concluído.

O som do rádio, que tocava uma música qualquer de fundo, começou a se arrastar, as notas se prolongando além do normal, como se o próprio tempo estivesse se dobrando ao meu redor.

Engoli em seco e olhei para minhas próprias mãos. Elas pareciam… normais. Mas quando levantei a palma na frente do rosto e a movi para o lado, percebi um leve rastro no ar, como se meu movimento fosse mais rápido do que deveria ser.

Minha respiração se acelerou.

O que diabos estava acontecendo comigo?

— Tá tudo bem aí, rapaz?

A voz do motorista me trouxe de volta à realidade. Ele me olhava pelo retrovisor, uma expressão levemente desconfiada.

Eu demorei um segundo para responder.

— Sim… só estou cansado.

Ele não pareceu convencido, mas deu de ombros e voltou a se concentrar na estrada.

Mas eu sabia que aquilo não era só cansaço.

Algo dentro de mim estava… desajustado.

Por um momento, me perguntei se deveria dizer algo para Melissa. Mas como eu explicaria isso sem parecer um louco?

Suspirei e tentei ignorar a sensação estranha enquanto o carro seguia seu caminho até o Distrito Sul de Thalyssia.

Mas, lá no fundo, eu sabia.

Aquilo não era normal.

O Encontro no Parque dos Ventos de Draymoor

Quando finalmente cheguei ao parque, fui recebido por uma cena encantadora. O sol brilhava no alto, suas faíscas douradas atravessando a copa das árvores e projetando sombras dançantes no chão. O ar estava impregnado com o cheiro adocicado de algodão-doce e pipoca, misturado ao perfume suave das flores próximas.

Crianças corriam de um lado para o outro, rindo e gritando com uma felicidade contagiante.

E então, no meio daquela cena quase mágica, lá estava ela.

Melissa.

Ela estava parada em uma pequena clareira, os cabelos bagunçados pelo vento e um sorriso iluminando seu rosto. Meu coração disparou ao vê-la. Era como se o tempo tivesse parado, como se todo o barulho ao nosso redor tivesse desaparecido. Por um momento, tudo o que existia era nós dois.

— Zarte!

A voz dela ecoou no ar como música.

Antes que eu pudesse reagir, ela correu em minha direção e se jogou nos meus braços. O impacto do abraço quase me desequilibrou, mas eu não me importei. O calor do corpo dela, o toque familiar, o perfume levemente adocicado… tudo me envolveu de uma maneira que me fez esquecer completamente os últimos cinco anos de distância.

Eu fechei os olhos, absorvendo aquele momento.

— Você está incrível. — As palavras saíram quase num sussurro.

Ela riu, um som puro e reconfortante.

— E você está estranho. Mas de um jeito bom.

Eu queria dizer algo, mas apenas sorri. Os cinco anos de separação evaporaram naquele instante, e tudo o que importava era que ela estava ali, comigo.

— Quero reviver memórias antigas. — Falei, olhando nos olhos dela.

Melissa arqueou a sobrancelha.

— E isso quer dizer o quê, exatamente?

Peguei na mão dela e entrelacei nossos dedos.

— Quero que a gente se lembre de como tudo começou. De onde viemos. Do que já fomos.

O olhar dela se suavizou. Eu sabia que, no fundo, ela sentia a mesma coisa.

— Acho que isso significa que vamos precisar de um passeio longo, então. — Ela sorriu.

E assim, caminhamos juntos pelo parque, deixando o passado nos guiar.

Mas enquanto conversávamos, enquanto nossos passos seguiam as trilhas do parque e os sons ao redor pareciam um eco distante, uma sensação estranha começou a crescer dentro de mim.

Era sutil, mas presente.

Uma espécie de… presságio.

O vento soprou com mais força, e uma estranha inquietação tomou conta de mim.

E então, de relance, notei algo incomum no céu.

Um ponto escuro, distante, contrastando contra o azul claro.

Não era nada normal.