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Chapter 15 - Além do Alcance

As ruínas desmoronadas ao meu redor sussurravam segredos antigos, como se as pedras e os destroços estivessem vivos, guardando histórias há muito esquecidas. Cada passo que eu dava parecia desencadear uma reação, um eco distante de um passado que se recusava a ser totalmente esquecido. Eu caminhava, tentando desvendar o enigma desse lugar sombrio, mas a sensação de que algo me fugia — algo que estava à beira da minha compreensão — tornava tudo ainda mais perturbador.

O céu acima era um abismo eterno, sem dia ou noite, um manto cinza e sem vida que pairava sobre mim. A escuridão não tinha fim; era como se o próprio tempo fosse engolido, e apenas uma eternidade de cinzas caía lentamente, como se o próprio mundo estivesse desmoronando em silêncio.

Por que sinto que estou esquecendo algo? Algo fundamental. Algo que deveria estar gravado na minha memória. A cada segundo que passava, a sensação de vazio se aprofundava. Sempre que esses pesadelos vêm, é como se uma parte de mim se perdesse, uma parte de quem eu sou. Eu estava na praia... ou não? Não tinha mais certeza. Aquela memória parecia se esticar e se distorcer, tão distante quanto as ruínas que me cercavam. Esta ruína não apenas guardava segredos antigos e enterrados, mas também apagava memórias. Minhas memórias. Elas estavam sendo lentamente apagadas, como se a própria terra ao meu redor estivesse absorvendo aquilo que era meu, tornando-se parte daquelas pedras frias.

E foi então que a vi.

Uma criatura estranha, uma presença que parecia ter saído de um pesadelo, vagava silenciosamente entre as ruínas destruídas. Sua forma era indescritível, uma fusão aterrorizante entre o fantasmagórico e o corpóreo, como se algo que não deveria existir tivesse sido forçado a se materializar naquele lugar. Correntes antigas a aprendia, enferrujadas, mas não quebrada, estavam cravadas em seu corpo espectral, pernas, braços e pescoço, elas rangia suavemente a cada movimento que ela fazia, como se aquelas correntes estivessem amarrando algo ainda mais profundo dentro dela.

Era como se aquela criatura estivesse aprisionada a algo eterno, era como se ele fosse selada sem nunca poder se libertar, alguma coisa a havia aprendido, impedindo seja lá o que ela fosse a ser livre.

Sua presença deveria ser aterrorizante, mas havia algo... algo estranho, algo que me impedia de sentir o medo que eu deveria sentir. Era como se a própria realidade estivesse negando a existência dessa emoção, como se o medo fosse uma sensação que eu não pudesse experimentar na presença dela.

"Isso... Isso realmente é real?" Pensei, incrédulo, olhando fixamente para a criatura. Se eu não a tivesse visto com meus próprios olhos, jamais acreditaria que algo assim poderia existir. Não em meus piores pesadelos, nem mesmo nas minhas imaginações mais perturbadoras.

Eu queria ignorar, seguir em frente, fingir que nada tinha acontecido. Mas, ao contrário, algo me prendeu ali. Um instinto profundo, algo primal, ou talvez uma maldição, me obrigava a continuar observando aquela criatura sombria. Então, como se me fosse puxado por uma força invisível, um reflexo em um pedaço de espelho quebrado capturou minha atenção. E lá estava ele. O Olho Negro. Sempre presente nas minhas visões, sempre me observando nos meus pesadelos. Algo dentro de mim soube que ele nunca foi apenas uma ilusão da minha cabeça, eu centia que ele era real, era como se fosse uma parte de mim. Mas por quê? Eu tentava entender, O que ele significava? Eu ainda não sabia.

As perguntas ressoavam em minha mente, mas nenhuma resposta vinha. A realidade parecia se distorcer ainda mais, como se eu estivesse perdendo o controle sobre tudo ao meu redor. Nada fazia sentido. O tempo parecia dobrar, as formas se desfaziam e se reconstruíam. Eu estava enlouquecendo? Ou era a própria realidade que estava se despedaçando diante de meus olhos? E, enquanto o mundo girava em um abismo de dúvidas, a criatura desapareceu. Sumiu. Como se nunca tivesse existido.

"Como? Sumiu do nada? Não... Ela ainda está aqui..." A sensação de que aquela presença ainda me observava, invisível, continuava a me assombrar.

Nesse momento, uma voz gélida, como o sopro de uma brisa distante, ecoou em minha mente. Era uma voz feminina, antiga e distante, como se pertencesse a um outro plano de existência, algo que eu não deveria compreender.

"Até quando você ficará de olhos fechados? Está na hora de abri-los."

Fechei os olhos instintivamente, um arrepio correndo pela minha espinha, como se o próprio universo estivesse tentando me avisar sobre algo terrível. Mas, quando os abri novamente, o mundo ao meu redor mudou. Tudo se transformou diante de meus olhos.

Meu olho direito se abriu para algo indescritível.

Era estranho. Eu parecia flutuar entre realidades, mundos, universos, dimensões—cada um se sobrepondo ao outro em um turbilhão caótico de existência. As leis do tempo e do espaço não tinham significado ali. Era como se eu estivesse sendo diluído no próprio tecido do cosmos, uma partícula insignificante diante da vastidão infinita.

Primeiro, vi o vácuo absoluto. Um abismo sem fim, onde nem luz nem trevas reinavam, apenas um silêncio primordial que parecia anteceder toda a criação. Mas, aos poucos, esse vazio revelou seus segredos. Pedaços de realidades desmoronadas flutuavam à deriva, fragmentos de mundos extintos que se dissolviam em cinzas cósmicas. Galáxias inteiras nasciam e morriam em um piscar de olhos, engolidas por buracos negros que sussurravam segredos proibidos. Supernovas explodiam como fogos de artifício celestiais, espalhando luz e destruição em igual medida. Cometas cortavam a eternidade, deixando rastros flamejantes no espaço desconhecido.

Mas eu não era apenas um espectador.

Eu era parte disso.

A cada batida do meu coração, eu sentia que estava sendo puxado para mais fundo, atravessando camadas de existência que jamais deveriam ser vistas. Como se estivesse caindo através dos véus do universo, fui arrastado para uma corrente invisível, cada vez mais rápido, até que—de repente—parei.

E então, eu vi.

Sete Mundos.

Cidades de cristal flutuavam sobre oceanos intermináveis, refletindo um céu que mudava de cor a cada instante. Dragões colossais, com asas que pareciam feitas de estrelas, rasgavam os céus de terras selvagens, onde florestas mágicas sussurravam canções antigas. Seres além da minha compreensão caminhavam entre campos de energia viva, moldando a própria realidade com um simples pensamento.

Elfos de pele azulada recitavam feitiços ancestrais, suas palavras reverberando no tecido da existência como ecos de uma era esquecida. Druidas de olhos dourados conversavam com árvores colossais, cuja consciência transcendia milênios. Fadas luminescentes dançavam entre torres de pedra viva, suas asas pulsando como constelações em miniatura. Cada um desses mundos possuía sua própria lógica, suas próprias leis, e ainda assim, eu os via todos de uma vez, interligados por fios invisíveis.

O Olho Negro não apenas enxergava o presente.

Ele via além.

Além do espaço, além do tempo, além da própria natureza da realidade.

Mas então, no meio dessa vastidão inimaginável, algo aconteceu.

Eu senti.

Uma presença.

No coração de um dos mundos, em uma cidade feita de torres negras e aço etéreo, onde relâmpagos vermelhos cortavam o céu sem nuvens, uma sombra se moveu. Não era uma criatura comum. Não era algo que eu pudesse ignorar.

Ela me viu.

O tempo congelou.

Foi um instante, mas pareceu uma eternidade. Um ser oculto nas trevas me percebeu. Seu olhar atravessou as dimensões, rasgando a barreira entre nossos mundos como se fosse nada. Eu não via seu rosto, não via sua forma. Mas eu sabia.

Aquele ser não deveria me notar.

Mas agora era tarde demais.

Minha existência havia sido percebida por algo que nunca deveria ter me visto.

E então, tudo colapsou.

A velocidade retornou, violenta, esmagadora. Mundos se tornaram borrões de luz e sombra, cores se distorceram em espirais impossíveis. Meu corpo parecia ser esticado e comprimido ao mesmo tempo, atravessando incontáveis camadas de existência, sendo arrastado de volta como um fio solto puxado por uma força invisível.

E então, silêncio.

Estava de volta.

De volta ao mesmo lugar onde tudo começou. Mas algo havia mudado.

Minha visão não era mais a mesma.

O mundo não era mais o mesmo.

Eu via através das ilusões, enxergava os átomos suspensos no ar, sentia as vibrações da matéria ao meu redor. Se eu focasse em um prédio, via além dele. Se olhasse para uma rocha, entendia sua estrutura até o nível mais fundamental. O tempo ao meu redor parecia mais lento, como se cada movimento fosse arrastado por uma força invisível. Eu não estava mais rápido. O mundo estava mais lento para mim.

O Olho Negro não era apenas um portal para o desconhecido.

Ele dobrava as leis do universo à sua vontade.

Mas então, senti algo.

Algo me observava.

Lá, no vazio entre as sombras do cosmos, algo estava à espreita. Uma presença indistinta, uma entidade sem nome, oculta na escuridão primordial. Ela estava ali, sem forma, sem movimento. Apenas esperando.

E eu sabia.

Nós nos encontraríamos novamente.

Mas então, a coisa olhou uma última vez para mim, encarando bem no fundo dos meus olhos e lentamente...

Continua...