A floresta estava silenciosa, exceto pelo som inconfundível das criaturas que se aproximavam. O estalo das folhas secas e o sussurrar das árvores quebrando sob o peso das garras dos monstros se misturavam em uma sinfonia macabra que reverberava em meu peito, quase como se eu pudesse sentir a própria essência daquelas criaturas ameaçadoras. Mas o que mais me aterrorizava não era o som, não era a visão das sombras movendo-se à distância, nem o cheiro de podridão que pairava no ar. O que me amedrontava era o olhar delas.
Elas não piscavam. Seus olhos eram vazios e fixos, como se não houvesse alma por trás deles, apenas um abismo profundo que consumia tudo em seu caminho. Olhavam para mim com uma intensidade quase insuportável, como se soubessem algo que eu não sabia — e, o pior, como se estivessem simplesmente aguardando o momento certo para me devorar.
Meu corpo estava paralisado. A adrenalina começava a subir, mas minhas pernas se recusavam a reagir. Eu sabia que, se não fugisse, seria apenas mais uma vítima na longa história de caças que aquelas criaturas tinham feito. Mas, mesmo com a mente berrando para que eu corresse, o medo me mantinha preso no lugar. Era como se o pânico tivesse raízes dentro de mim, me segurando com mãos invisíveis.
Por um momento, senti que o ar ao meu redor ficava mais denso, como se a própria floresta estivesse se curvando em direção a mim, me comprimindo, me testando. Então, os monstros começaram a se mover.
Primeiro, eram lentos. Como se estivessem brincando com minha agonia, como se cada passo fosse uma vitória para eles. Eu podia sentir meu coração acelerando, a pulsação quase ensurdecedora dentro do meu peito, mas os sons das criaturas ganhavam mais força à medida que se aproximavam, como se o mundo ao meu redor estivesse se comprimindo em um único ponto. O medo tomava conta de mim com cada segundo que passava.
E, de repente, eles começaram a correr.
O barulho das árvores quebrando e o arrastar das garras sobre o chão se tornaram ensurdecedores. Eu podia sentir a terra tremer sob os pés das criaturas, como se o próprio solo estivesse sendo dilacerado por elas. O pânico tomou conta de mim com uma força esmagadora. Sabia que, se não me movesse, seria consumido por elas. Mas o medo me paralisava, me transformava em uma estátua de carne e ossos, completamente impotente.
Foi quando uma voz fina e gelada cortou o silêncio, sussurrando diretamente em meus ouvidos, como se nascesse do mais profundo abismo:
"Até quando insistirá em ficar com os olhos fechados? Está na hora de deixá-los abertos!"
A mesma voz que eu já tinha ouvido antes. A mesma voz que me enchia de uma dor indescritível, uma sensação de impotência e arrependimento. Eu sabia o que isso significava. Eu sabia o que o Olho Negro representava, e a dor que viria ao abri-lo. Não queria ver aquelas criaturas novamente da forma como as via antes. Não queria reviver os horrores que me perseguiam. Mas a verdade era que eu não tinha escolha. Eu precisava abrir os olhos, ou morreria ali, devorado pelas sombras.
Aquelas criaturas, com seus olhos vermelhos, queimavam o ar com um olhar faminto e penetrante. Eu podia sentir o medo consumindo cada pedaço de mim, e, mesmo assim, eu sabia que o tempo estava se esgotando. As criaturas estavam cada vez mais perto. Seus passos não eram mais passos; eram uma corrida frenética, uma aceleração implacável rumo à minha destruição.
Eu não podia mais esperar. Com um esforço sobre-humano, forcei meu corpo a se mover. Cada músculo doía, protestava contra cada movimento. Mas eu me levantei. O peso daquelas criaturas sobre mim era esmagador, mas havia uma única coisa que poderia salvar minha vida. O Olho Negro.
Com os dentes cerrados, abri os olhos.
Instantaneamente, o mundo ao meu redor mudou.
A realidade se distorceu. O tempo foi desacelerado. Eu senti como se estivesse vendo o mundo se mover lentamente ao meu redor. As criaturas, antes rápidas e implacáveis, agora pareciam se arrastar pelo terreno, seus movimentos quase congelados. Seus corpos eram uma massa disforme de sombras que se contorciam, mas a verdadeira natureza delas ainda estava oculta. Era como se tudo ao meu redor estivesse em câmera lenta, e eu, por um instante, fosse capaz de respirar.
Mas, ao focar o Olho Negro nas criaturas, comecei a ver o que elas realmente eram.
Não eram simples monstros, nem sombras físicas. Elas eram pura energia negra, uma substância maligna que se retorcia e se contorcia com uma energia destrutiva que parecia consumir tudo o que tocava. Como se fossem as próprias sombras da morte, manifestadas em formas erráticas e instáveis. Eu podia ver suas formas se mexendo, desfigurando-se, se distorcendo a cada movimento, como se a realidade estivesse sendo rasgada à medida que elas avançavam.
Eu podia ver, de forma clara agora, que elas não eram idênticas. Algumas eram enormes, outras minúsculas, mas todas compartilhavam uma característica: seus olhos vermelhos. Olhos que queimavam a escuridão e me observavam com um prazer insano, como se estivessem apenas esperando o momento certo para me devorar. Não havia medo em seus olhos, apenas uma fome voraz, e isso me fez compreender algo ainda mais aterrador. Elas não eram apenas monstros. Elas estavam conscientes. Elas sabiam o que faziam.
E, então, quando me aproximei, algo mais aconteceu.
A primeira criatura que toquei pareceu perceber minha presença de maneira instantânea. Num piscar de olhos, fui envolvido por uma sensação de desconforto absoluto. Uma dor cortante percorreu meu corpo, como se cada célula estivesse sendo consumida por aquele toque. Mas não era só isso. As sombras começaram a se adaptar. Elas estavam reagindo ao meu poder, como se estivessem evoluindo diante dos meus olhos.
Era um erro fatal. Eu havia tocado uma delas, e agora elas sabiam do que eu era capaz.
As criaturas começaram a se transformar. Suas formas, antes disformes e erráticas, começaram a se solidificar, a ganhar características mais definidas. Garras longas e afiadas surgiam de suas sombras, e suas formas se tornavam mais humanoides, mais aterradoras. Suas peles, escamosas e retorcidas, pareciam cortar o próprio espaço ao seu redor. E os olhos... os olhos vermelhos continuavam me observando com uma fúria crescente.
Eu precisava sair de lá. Rapidamente.
Com o Olho Negro ativado, desacelerei ainda mais o tempo. Corri com toda a velocidade que meus músculos exauridos podiam oferecer. Mas as criaturas, agora mais rápidas do que eu imaginava, começaram a me perseguir. Elas estavam se adaptando a cada movimento meu. Cada segundo que passava, elas ficavam mais próximas.
O som dos passos das criaturas, agora mais silenciosos e mortais, cortava o ar, e eu sabia que, se parasse agora, minha vida estaria acabada. O Olho Negro estava me consumindo, dilacerando cada fibra do meu ser, mas eu não tinha escolha. Eu precisava continuar. Eu precisava sobreviver.
Por quanto tempo eu aguentaria? Eu não sabia. Mas não havia outra opção. Eu corria, com o Olho Negro me dando uma vantagem temporária, mas sabendo que essa vantagem estava prestes a se extinguir. Então, uma ideia cortou minha mente como uma lâmina afiada.
Talvez houvesse uma saída. Mas eu teria que arriscar tudo para encontrá-la.
E assim, com o medo e a dor consumindo minha mente, eu continuei correndo, sabendo que o fim estava próximo — mas, talvez, em algum lugar, uma última chance de escapar.
O que seria essa chance? Eu não sabia. Mas não podia parar agora.