A última coisa que vi antes de perder a consciência foi aquele clarão. O mundo ficou mudo. A escuridão me envolveu como um véu espesso, me arrastando para o desconhecido.
Por um instante, senti como se estivesse flutuando em um vazio infinito, sem forma, sem tempo. Meu corpo parecia distante, como se não me pertencesse mais. Sons distantes ecoavam na minha mente – um zumbido baixo e constante, entrecortado por sussurros incompreensíveis.
Então, despertei.
A primeira coisa que senti foi o vazio. Um silêncio absoluto, cortante, que parecia devorar qualquer resquício de som. O ar ao meu redor era denso, sufocante, carregado com algo que não podia ver, mas que pesava sobre mim como uma sombra invisível.
Meu peito se apertou ao perceber que Melissa não estava ao meu lado. O medo rastejou pela minha espinha, lento e sufocante.
Onde ela estava? O que tinha acontecido?
Levantei-me cambaleante, minha cabeça latejando como se algo estivesse tentando romper minha mente por dentro. A sensação era insuportável – uma pressão crescente, como se algo estivesse se enraizando dentro de mim.
Olhei ao redor.
O mundo… estava errado.
A praia, a tempestade, o céu vermelho, a luz... tudo havia desaparecido.
Em seu lugar, uma paisagem devastada se estendia até onde a vista alcançava. Prédios em ruínas, escombros cobertos de cinzas, um céu negro que parecia sugar a própria luz. O cheiro de terra queimada e ferrugem impregnava o ar.
Esse lugar…
Eu já estive aqui antes.
A sensação de familiaridade era perturbadora. Havia algo nesse lugar que me reconhecia, assim como eu o reconhecia. Como se minha presença ali não fosse um erro. Como se o próprio destino tivesse me trazido de volta.
Dei um passo à frente. O som do meu pé tocando o chão ecoou alto demais, se multiplicando no vazio. A cidade parecia morta, mas ao mesmo tempo… viva. Havia algo ali, algo observando. Algo esperando.
Então, senti.
Uma força pulsando dentro de mim, diferente de qualquer coisa que já havia experimentado. Não era apenas poder. Era algo vivo. Algo que me chamava, que sussurrava na minha mente. Algo que ansiava por despertar completamente.
Meu peito queimava.
Meu olho direito… ele não estava apenas reagindo. Ele estava mudando.
O mundo real não estava imune ao que acontecia comigo. O impossível estava acontecendo.
A tempestade que antes pairava sobre Thalyssia agora se espalhava pelo mundo inteiro. As nuvens negras rodopiavam de forma anômala, como se fossem puxadas para um epicentro invisível. Relâmpagos vermelhos rasgavam os céus, iluminando o cenário apocalíptico com flashes distorcidos. A pressão atmosférica aumentava de maneira surreal, como se o próprio ar estivesse se dobrando a uma presença invisível.
O pânico era absoluto.
Em meio ao caos, uma transmissão ao vivo interrompeu todas as programações normais. Jornalistas, com rostos pálidos de terror, relatavam uma anomalia sem precedentes.
— Raios negros estão caindo ao redor do mundo! Algo… algo está acontecendo com o planeta!
As imagens mostravam o epicentro do evento. Em Thalyssia, no Distrito Sul de Aurin, próximo ao Parque dos Ventos de Draymoor, a areia fervilhava como se estivesse viva, se contorcendo de forma antinatural. O oceano, outrora infinito e caótico, simplesmente desapareceu, dando lugar a um deserto de areia sem fim. As ondas restantes no resto do mundo quebravam de maneira errática, como se o próprio mar estivesse tentando fugir.
Bandos de gaivotas voavam em desespero, seus gritos ressoando como presságios sombrios.
No centro da cidade de Thalyssia, postes de luz piscavam freneticamente até que, de repente, um apagão mergulhou tudo em trevas.
O desespero tomou conta da população.
Celulares e relógios digitais pararam de funcionar. Motores de carros desligavam abruptamente. Em ruas antes movimentadas, ecos de passos ressoavam sem dono. Os habitantes começaram a ouvir sussurros vindos da escuridão, palavras incompreensíveis, como se algo estivesse chamando-os.
E então… as sombras começaram a se mover sozinhas.
Gritos ecoavam pela cidade.
Em um beco estreito, uma jovem parou ao sentir um arrepio gélido percorrer sua espinha. Alguém estava a seguindo.
Virou-se bruscamente… mas não havia ninguém ali.
Somente sua sombra, oscilando de forma errática, como se estivesse viva. Ela se alongava, se retorcia… e sussurrava palavras desconhecidas.
O pânico a dominou. Ela correu, desesperada, enquanto os postes de luz ao longo do beco explodiam um por um, deixando para trás sombras vivas que se arrastavam pelas paredes, como se estivessem procurando por algo.
Nos laboratórios de monitoramento climático do Continente de Azareth, os cientistas observavam os satélites, tentando entender o que estavam vendo sem acreditar. As nuvens rodopiavam de forma irregular, convergindo para um único ponto na cidade, isso era simplesmente impossível, mas de alguma forma estava acontecendo.
Algo estava errado. Algo grande.
Um dos pesquisadores, suando frio, murmurou:
— Isso… isso não é natural. É algo além do bizarro.
Mas o mais assustador ainda estava por vir.
Em uma vila de pescadores próxima ao litoral, no Continente de Zephiron – O Continente Perdido, um velho marujo de 65 anos, com os olhos arregalados de terror, relatava o que havia visto antes do raio negro cair.
— O mar… o mar estava errado. As ondas iam na direção errada… e então… então eu vi.
Ele engoliu seco, sua voz falhando.
— Olhos. Muitos olhos. Debaixo da água.
O velho tremia. Algo incompreensível havia emergido do oceano. Algo que não pertencia a esse mundo.
O mundo estava mudando. Ou melhor, estava sendo destruído.
Cidades e continentes estavam sendo varridos sob o novo céu vermelho. Algumas regiões se despedaçavam em fissuras profundas, como se a própria terra estivesse se separando da realidade. Em outras, estruturas se distorciam, como se o conceito de forma estivesse sendo reescrito.
E no epicentro de tudo isso… Zarte.
Nas ruínas, eu continuei caminhando, perdido no vazio daquele mundo devastado. A cada passo, o peso daquela presença dentro de mim crescia, se expandia, devorando qualquer vestígio da minha antiga humanidade.
A verdade me atingiu como um raio.
Eu não era mais o mesmo.
Algo dentro de mim havia nascido. Algo que não poderia mais ser contido.
E o mundo inteiro… iria testemunhar.