As ruas devastadas se estendiam à minha frente como um cemitério esquecido pelo tempo. O céu era um manto de escuridão absoluta, sem estrelas, sem lua—apenas uma vastidão opressiva de nuvens negras, espessas como fumaça petrificada. O ar estava impregnado com um cheiro metálico e pútrido, uma mistura de ferrugem e carne apodrecida, como se a própria terra estivesse morrendo e se decompondo ao mesmo tempo.
Cinzas caíam incessantemente, uma neve morta cobrindo as ruínas de um mundo que já não existia. Prédios desmoronados se erguiam como esqueletos de concreto, suas janelas vazias lembrando órbitas ocadas de crânios esquecidos. Carros queimados jaziam abandonados, suas carrocerias torcidas como se algo colossal os tivesse esmagado. O cenário era desolador, como se a própria vida tivesse sido arrancada daquele lugar, deixando apenas ecos de um passado distante.
E o silêncio… esse silêncio.
Era absoluto. Não havia vento, não havia insetos, não havia sequer o som da minha própria respiração. Era como se tudo ao meu redor estivesse aprisionado em uma realidade onde o som não existia mais. A quietude era esmagadora, uma presença palpável que se infiltrava em minha mente e tornava cada passo mais pesado, como se eu fosse o único ser humano restante neste mundo sombrio.
Mas eu sentia.
Sentia que algo me observava.
Não era paranoia.
Não era imaginação.
Havia olhos invisíveis fixos em mim, sondando cada um dos meus movimentos. Uma presença silenciosa espreitava entre as sombras quebradas da cidade morta, algo muito além da compreensão. O medo rastejava pela minha espinha como um veneno lento, mas algo dentro de mim me impelia a seguir em frente, uma força incontrolável que me empurrava adiante, como se estivesse sendo guiado por um destino incerto, mas inevitável.
Então… aconteceu.
Um som horrível rasgou o silêncio. Algo entre um estalo e um rugido abafado, como se a própria terra estivesse se partindo ao meio. Um tremor violento sacudiu as ruínas, rachaduras se espalharam pelo solo, como se o mundo ao meu redor estivesse desmoronando. Do fundo delas, vi algo que fez meu coração vacilar.
Galhos.
Galhos monstruosos emergiam das fendas abertas no chão, estendendo-se como garras deformadas. Eles eram negros, secos e retorcidos, mas pulsavam com uma seiva espessa e vermelha, escorrendo como sangue fresco. Os troncos começaram a surgir logo em seguida, tão colossais que faziam os prédios parecerem frágeis como gravetos. Uma força imensa os empurrava para fora do abismo, como se a terra estivesse sendo arrancada de suas entranhas. O som dos galhos se estendendo e torcendo reverberava como um grito surdo, uma sinfonia distorcida do sofrimento da própria terra.
E então, diante de mim, ela surgiu.
Uma árvore.
Mas não uma árvore comum.
Não uma árvore deste mundo.
Ela era gigantesca, sua copa se estendia além do que meus olhos podiam ver, mergulhando em uma escuridão densa que parecia não ter fim. Suas raízes se contorciam como serpentes famintas, rompendo o chão, esmagando o que restava das ruínas. Seu tronco era negro como a noite, marcado por fissuras brilhantes de um vermelho profundo. Não era madeira. Não era pedra. Era… carne?
Um cheiro pútrido tomou conta do ar, mais forte do que antes, sufocante, como se incontáveis corpos estivessem apodrecendo dentro daquela coisa. O ar ao redor parecia se distorcer, aquecendo e esfriando ao mesmo tempo, como se o próprio tempo estivesse sendo manipulado pela presença daquela entidade monstruosa.
Olhando mais de perto, vi algo que me fez estremecer.
Marcas.
Cortes.
Perfurações.
Como se algo—ou alguém—tivesse tentado destruí-la antes. Mas sem sucesso. As cicatrizes eram profundas, como se a própria essência daquela árvore tivesse resistido a uma batalha contra forças muito além da compreensão humana. Mas ela ainda estava ali, viva, pulsante com uma energia maléfica que parecia envolver tudo ao seu redor.
E então, as fissuras começaram a brilhar com mais intensidade. Símbolos desconhecidos surgiram ao longo do tronco, contorcendo-se como se estivessem vivos. Letras que não faziam parte de nenhum alfabeto que eu conhecia se formavam e se dissolviam no mesmo instante, como se aquela coisa estivesse tentando se comunicar. Mas com quem? E por que estava fazendo isso agora, diante de mim?
Foi quando ouvi a voz.
Não vinha de nenhum lugar específico.
Era como um sussurro trazido pelo vento.
Mas não havia vento.
— Das profundezas surgem os olhos que tudo veem. Negros são vossos olhos e negro é o vosso ser. Deixai a escuridão moldar vosso corpo, e ela se manifestará em vós.
A voz não era humana.
Era antiga.
Velha como o próprio tempo.
E então, algo aconteceu.
Num piscar de olhos, a árvore estava diante de mim.
Antes, eu a observava de longe. Agora, ela se erguia bem à minha frente, sua presença esmagadora me fazendo sentir insignificante. Mas… como? Eu não a vi se mover. E, no entanto, ali estava ela, como se o espaço e o tempo tivessem se distorcido para permitir sua chegada. Meu corpo travou. Meu coração parou por dois segundos.
Eu não conseguia me mover.
Eu não conseguia respirar.
Era terror puro.
Meu instinto gritava que eu não deveria estar ali.
Que eu precisava fugir.
Mas eu não conseguia.
Então, respirei fundo.
Com as mãos trêmulas, estendi os dedos e toquei o tronco daquela coisa.
Foi um erro.
Diferente do que eu imaginava, a superfície da árvore não era dura como pedra. Era… macia.
Como pele.
Humana.
O chão tremeu novamente, e dessa vez, o tremor foi tão forte que eu quase perdi o equilíbrio. O vento soprou forte, espalhando cinzas pelo ar. Fechei os olhos, protegendo-os do turbilhão de poeira.
E foi aí que ouvi.
A voz.
Mais próxima agora.
— From the abyss comes the all-seeing eyes. Black is your color and dark is your being. Let darkness mold your body, and it manifests itself in you.
Eu senti algo percorrer minha espinha, um arrepio profundo que me fez querer gritar, mas minha voz se perdeu na imensidão da escuridão. E então, o chão cedeu.
Tentei correr.
Mas era inútil.
As rachaduras se abriram como bocas famintas, engolindo tudo ao meu redor. Meus pés perderam o contato com o solo.
Eu estava caindo.
Mas não havia fim para essa queda.
Era como despencar no próprio vazio, sem uma base sólida para amparar a minha descida. O mundo acima de mim desaparecia, ficando cada vez menor, até que tudo o que restou foi a escuridão.
E então…
Eu a vi.
Uma silhueta emergiu do abismo.
Não tinha rosto.
Não tinha olhos.
Mas eu sabia que me observava.
Seu corpo era feito da mesma sombra líquida que rastejava pelo solo, mas havia algo de familiar nela. Algo terrível. Algo que eu conhecia.
Ela estendeu um braço para mim.
Meu corpo foi tomado por uma sensação sufocante. O som do batimento aumentou, reverberando dentro do meu crânio. A pressão em meu peito parecia impossível de suportar, mas eu não conseguia escapar. Eu estava preso.
E então, a voz voltou—não mais distante, não mais sussurrante.
Agora, ela falava dentro de mim.
Diretamente na minha mente.
— "Você é o escolhido."
Senti um choque percorrer meu corpo.
Meus pulmões queimaram.
Minha visão escureceu.
E antes que eu pudesse reagir, antes que pudesse sequer gritar, fui completamente engolido pela escuridão.
A última coisa que ouvi foi o som do meu próprio nome, sussurrado de um lugar que eu sabia, no fundo da minha alma, que não deveria existir.
E então…
Tudo desapareceu.