Voltando para a clareira onde Akali e Shen aguardavam, fui recebido com olhares que lembravam o de pais preocupados esperando um filho que chega tarde demais.
— Você realmente não tem o menor senso de perigo, sabia? — declarou Akali, cruzando os braços e estreitando os olhos.
— Ah, me deixei levar pela curiosidade, só isso. — Respondi com um sorriso despreocupado, ciente de que meu senso de perigo era quase inexistente, considerando o que sou.
— A propósito, Renier, poderia me dizer quem é essa aí no seu ombro? — questionou Shen, encarando a pequena criatura com interesse.
— Ah, ela? É apenas uma raposinha que encontrei pela floresta... — Com um movimento suave, tirei a raposa escura de olhos amarelados do meu ombro e a segurei em meus braços.
Na verdade, é Ahri. Usei minha habilidade de Modelar, que permite mudar a aparência de um ser ou objeto, refinando suas características sem alterar a essência. Por dentro, ela ainda é a mesma.
Os olhos da raposa lançaram um brilho de pura irritação para mim. Não pude evitar sorrir; ser reduzida a um animal de estimação deve ser um golpe no orgulho dela.
— Tem algo de estranho nela... — murmurou Akali, estreitando ainda mais os olhos enquanto analisava a raposa com atenção.
— Ah, deve ser só impressão sua. — Minha resposta veio acompanhada de um sorriso leve e casual, mas que não convencia ninguém. Afinal, qualquer um em Ionia reconheceria Ahri, mesmo que fosse uma mera raposa.
— Se você diz... — Akali deu de ombros, ainda desconfiada. — Mas é raro um humano conseguir se aproximar de uma criatura assim.
— Dizem que raposas têm uma ligação forte com o espiritual, então acho que ela apenas gostou de mim, — comentei com um tom despreocupado, deslizando minha mão pela cabeça da raposinha como um gesto conciliador.
Eu podia sentir o olhar acusatório de Ahri em cada movimento. Admito, talvez seja um pedido de desculpas disfarçado de carinho.
— Certo, agora que está aqui, vamos continuar nossa caminhada, — sugeriu Akali, virando-se para partir.
— Já? Vocês não vão comer nada? — perguntei surpreso, ciente de que desde ontem os dois não haviam se alimentado.
— Estamos treinados para resistir por alguns dias sem comida, — respondeu Shen, calmamente.
— Mesmo que quiséssemos, como pode ver, não trouxemos suprimentos, — completou Akali, com um leve suspiro.
— Ah, se é só isso, então posso ajudar. — Coloquei Ahri de volta ao ombro, onde ela rapidamente se acomodou, como se fosse natural.
Ela se adaptou bem a essa forma. Contudo, não posso deixá-la assim para sempre. Preciso encontrar uma maneira de apresentá-la aos outros de Ionia sem causar um alvoroço... Até lá, contanto que eu a mantenha alimentada, ela não causará problemas.
Com um gesto casual, manifestei uma bolsa dimensional, negra e adornada com padrões cósmicos, no ar à nossa frente, colocando-a no chão.
— Desde o dia em que você enfrentou aqueles soldados de Noxus, venho me perguntando que tipo de poder você realmente possui, Renier. Seus Olhos das Revelações e essas habilidades... tudo parece tão aleatório, — comentou Shen, revelando uma curiosidade que também parecia estar no olhar de Akali.
É verdade que eu misturo muitos tipos de energia: cósmica, espiritual, magia... mas minha principal habilidade é uma fusão única de tudo isso. Não segue padrões comuns.
— Minha habilidade principal se chama Manifestação Criativa, — expliquei calmamente. — Uso uma fonte de energia única e com ela posso criar praticamente qualquer coisa, seja magia, feitiços, habilidades ou até mesmo objetos como armas e ferramentas. É tudo uma questão de imaginação e criatividade.
— Está falando sério? — Akali arregalou os olhos. — Isso não te torna absurdamente poderoso?
— Ah... talvez. — Respondi com indiferença, distraído. Então era assim que o verdadeiro Renier se sentia quando comentavam sobre seus poderes?
Minha presença neste mundo é um mistério. Todas as minhas habilidades parecem intactas, exceto a capacidade de atravessar portais para outros mundos. Alguém, ou algo, está me bloqueando. Se deuses ou entidades maiores souberem de mim, o caos virá. E eu detesto ser interrompido quando me divirto.
— Hm, você não parece se importar com o poder que possui, — comentou Shen. — É estranho... A maioria se deixaria levar pelo orgulho ou pela sensação de superioridade.
Ele tem razão. Em quase todos os mundos que Renier visitou, aqueles com força sempre faziam questão de demonstrá-la. O mesmo vale para a vida real. Poder, dinheiro, status... No final, tudo leva a exibições vazias.
— Para mim, poder é como dinheiro — respondi com um sorriso calmo. — Uso apenas porque preciso. Fora isso, não vejo motivo para me orgulhar dele.
— Você tem uma visão interessante, eu diria até admirável, — disse Shen.
Ele parecia satisfeito com a resposta, enquanto Akali me lançava um olhar avaliativo, mas algo na sua expressão me dizia que ela também gostou do que ouviu, mesmo não admitindo.
Abrindo a minha bolsa mágica, reviro alguns compartimentos até encontrar o que procuro. Retiro dois sanduíches frescos, montados com ingredientes variados que dariam energia e sustentação para ambos.
— Aqui, comam enquanto caminhamos, assim não perdemos tempo, — ofereci, entregando os lanches a cada um.
Shen e Akali me olharam, claramente surpresos com a generosidade — ou talvez fosse o frescor inesperado dos alimentos. Eu podia sentir a curiosidade deles sobre como eu conseguia conjurar tais itens, mas o silêncio dizia mais que palavras.
— Não seria educado recusar, já que está oferecendo com tanta boa vontade, — murmurou Akali, removendo sua máscara e aceitando o lanche. Ela deu uma mordida hesitante, mas logo sua expressão suavizou, e uma pequena faísca de surpresa surgiu em seus olhos.
Shen, observando a reação dela, também decidiu dar uma chance, e eu não pude deixar de sorrir enquanto via os dois comendo em silêncio. Coloquei a mão sobre o peito, sentindo um calor estranho que parecia diferente de qualquer coisa que já experimentei como Renier. Talvez fosse a confiança deles... ou apenas o fato de ter sido capaz de proporcionar algo simples como uma refeição.
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Desde que me tornei o Guardião Negro, sentimentos e emoções estão em constante conflito dentro de mim. Às vezes, me pergunto se sou eu mesmo ou se me transformei inteiramente no Renier de corpo e alma.
Seguimos pela trilha em direção ao coração de Ionia. O caminho era sereno, mas algo à frente chamou minha atenção. Parei, observando uma placa desgastada na beira da estrada.
— Algum problema? — perguntou Ahri, erguendo a pequena cabeça de raposa. Com nossa ligação mágica, apenas eu podia ouvir sua voz. Nem Shen nem Akali se dariam conta que ela estava falando.
— Eu me lembro desse lugar, — murmurei, meus olhos voltando ao passado. — Acordei por aqui antes de ir para Fae'lor. Mas algo no nome dessa cidade sempre me pareceu estranho.
Apertei o passo, me aproximando de Shen e Akali, que se mantinham à frente.
— Já tem um destino em mente depois de Ionia? — perguntou Ahri em tom casual, aninhando-se mais confortavelmente em meu ombro.
— Talvez Águas de Sentina, — respondi, observando os contornos da floresta ao nosso redor. — Um lugar com inúmeras ilhas e uma cidade portuária, cheia de gangues, caçadores e contrabandistas... Parece o lugar ideal para encontrar informações.
— Hmm, de acordo com as lembranças dos homens que devorei, — disse Ahri pensativa, — é um antro de caos. Não é o tipo de lugar para visitas casuais.
— Exatamente por isso, — respondi, estreitando os olhos. — Onde o caos reina, informações fluem livremente.
Antes que Ahri pudesse responder, Akali ergueu o braço, sinalizando para que parássemos. Shen também ficou subitamente alerta. Segui o olhar deles e notei, à distância, uma figura envolta em sombras no meio da trilha.
— Aquele não é um aliado, certo? — perguntei.
— Não, ele é da Ordem das Sombras, — respondeu Akali, apertando o cabo de sua foice com força.
A Ordem das Sombras. Um nome carregado de significado. Zed e seus seguidores lutam para defender Ionia, mas seus métodos são cruéis e implacáveis. Decido usar meus Olhos das Revelações para sondar mais a área.
— Não estamos sozinhos, — avisei, sentindo presenças sutis escondidas nos arredores. — Tem mais dois escondidos, um à esquerda e outro à direita. Eles são habilidosos em ocultar a presença...
Antes que pudesse terminar, uma voz fria e carregada de intenção assassina ecoou à nossa frente:
— Como sombras... Não é? — disse uma figura sombria, surgindo como um borrão entre as árvores.
A máscara de metal, as lâminas brilhantes em cada mão, e a aura de pura escuridão ao seu redor. Não havia dúvidas sobre quem era.
— Tsk... Zed, — sibilou Akali, com os olhos flamejantes de irritação.
O ar ficou denso e opressivo. Um confronto inevitável se formou… Eu apenas dei um passo à frente, mantendo um olhar fixo em Zed. Parece que as coisas vão ficar interessantes...
Continua…