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Chapter 40 - Capítulo 39: Afundando com as Sombras.

Sob o céu encoberto por nuvens de um cinza sombrio, o silêncio era quebrado apenas pelo som das botas contra o chão árido. Renier e Aura se moviam em meio a um terreno devastado, onde o eco de vidas passadas parecia pairar no ar. O Sul do Império Aurélia era conhecido por suas paisagens vastas, mas agora tudo que se via era um vilarejo em ruínas, tomado por uma degradação avançada que parecia ir além da passagem do tempo.

Aura parou abruptamente, seus olhos carmesim observando as árvores contorcidas e escuras ao redor. O solo aos pés delas estava morto, rachado como se toda a vida tivesse sido sugada para um vazio. Ela parecia desconfortável, o cenho franzido em uma mistura de surpresa e cautela.

— O que aconteceu com esse lugar? — murmurou, quebrando o silêncio.

Renier estava um pouco à frente, mas virou-se para ela, os olhos frios como o aço enquanto analisava o cenário desolado.

— Então é isso que as Sombras fazem… — disse ele, informando a ela, ao mesmo tempo que presenciava pela primeira vez o que Yggdrasil dizia sobre como o Vazio agia.

Aura estreitou os olhos, não convencida.

— Não parece apenas uma corrosão. Isso... parece um vírus, algo que se espalha e corrompe além do físico.

Renier inclinou levemente a cabeça, concordando.

— Basicamente é isso. — Ele se abaixou, pegando um punhado do solo seco que se desmanchou como pó em suas mãos. — Uma Sombra é como um câncer na existência. Ela contamina, destrói, devora. Nada é poupado.

O olhar de Renier se desviou para o horizonte, seguindo um rastro quase imperceptível que parecia cruzar o vilarejo e continuar em direção ao grande oceano vermelho, visível ao longe.

— Se há um rastro, ele continua para o território dos Demônios.

Aura ergueu o queixo, os olhos brilhando com uma intensidade perigosa.

— O que significa que está indo para o meu território.

Renier voltou a encará-la, com um sorriso enviesado que não chegou aos olhos.

— Aliás, você ainda não explicou o que está procurando no seu lado desse acordo. Por que você, a Rainha dos Demônios, — ele pronunciou o título com um toque de sarcasmo — está longe de onde deveria estar?

Aura suspirou, seus olhos desviando momentaneamente para o céu enquanto ponderava sua resposta.

— É complicado, — disse ela, a voz carregada de frustração contida. Ela se aproximou dele, a postura rígida e cheia de autoridade. — Só faça o que eu mandar daqui em diante. Quando chegar a hora certa, eu explico. Mas agora precisamos atravessar o mar vermelho. Se a Sombra está indo para lá, não podemos perder tempo.

Renier arqueou uma sobrancelha, os braços cruzados enquanto ponderava suas palavras.

— Você não é muito boa em inspirar confiança, sabia? — Ele deu de ombros, virando-se de volta para o rastro. — Mas, independentemente do seu objetivo, o meu continua o mesmo. Se isso significa que vamos na mesma direção, que assim seja.

Aura lançou-lhe um olhar de advertência, mas não disse mais nada. Ambos sabiam que o caminho à frente seria ainda mais desafiador, e que respostas, por mais incômodas que fossem, logo precisariam ser dadas.

O vilarejo abandonado ficou para trás enquanto os dois se aproximavam do mar vermelho, onde as águas rubras pulsavam como sangue vivo sob o brilho das nuvens. E, à medida que a jornada os levava cada vez mais fundo na escuridão, a sensação de que algo maior os aguardava crescia, como uma sombra silenciosa espreitando às margens de seus destinos.

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O silêncio pairava sobre as docas vazias, o mar vermelho se estendendo até o horizonte, como uma vastidão desconhecida e imponente. Renier e Aura estavam parados, ambos com os olhos fixos na água que parecia pulsar de forma estranha, como se a própria natureza estivesse viva e aguardasse algo.

Renier olhou ao redor, procurando alguma pista, alguma maneira de atravessar aquela imensidão. Sua voz, quando finalmente quebrou o silêncio, foi baixa e curiosa.

— A água sempre foi vermelha aqui, ou isso é... consequência da Sombra que está se espalhando por esse mundo?

Aura, com uma expressão distante, respondeu sem hesitar.

— Não. O mar sempre foi vermelho, desde que me lembro. Esse lugar é... ardiloso, perigoso. Não é só a cor. É a essência.

Renier olhou para o mar, suas palavras seguintes revelando um toque de curiosidade genuína, como se fosse uma criança diante de uma nova descoberta.

— Existem monstros marinhos aqui?

Aura sorriu, um sorriso que combinava uma advertência com um toque de humor.

— Oh, sim. Existem algumas criaturas bem divertidas, se você sabe como lidar com elas. — Ela fez uma pausa, como se fosse uma história de tempos passados. — Séculos atrás, antes de Makoto tomar o trono do Império Aurélia, houve uma guerra terrível entre os demônios e os humanos. Esse mar era uma barreira natural nas batalhas navais, porque as criaturas que aqui habitam não escolhem lados. Elas afundam qualquer embarcação que ouse entrar nessas águas.

Renier ouviu com interesse, absorvendo cada palavra. Seus pensamentos vaguearam para sua avó, Makoto, e como, talvez, as mudanças que ela fez ao se tornar Rainha tinham sido motivadas pela necessidade de evitar que aquela guerra se repetisse.

Aura olhou para ele, como se esperasse uma resposta.

— Mas então, como vamos atravessar até o território dos Demônios? Um simples barco seria destruído assim que qualquer monstro perceber a movimentação.

Renier deu de ombros, um sorriso nos lábios, como se tivesse uma solução pronta.

— Esse problema, eu posso resolver.

Antes que Aura pudesse protestar, ele deu um passo à frente, e com um impulso audacioso, se atirou no mar vermelho.

— Renier! — Aura gritou, chocada. — Você está louco?!

Mas, antes que pudesse alcançar o bordo das docas, Renier já havia desaparecido nas águas profundas, sua presença perdida no vermelho do mar. O silêncio se fez novamente, mas apenas por um breve momento.

No fundo, a escuridão das águas parecia viva, e a visão de Renier, com seus olhos azuis brilhando intensamente, dava-lhe uma percepção sobrenatural mesmo naquela profundidade. Ele nadava, seus movimentos ágeis e rápidos, como um predador familiarizado com as águas sombrias.

Enquanto ele descia, seus sentidos aguçados captaram um movimento ao seu redor. Algo estava rondando, deslizando rápido e silencioso pelas águas, antes de desaparecer novamente na escuridão. Renier continuou a nadar, completamente imerso naquilo que parecia ser uma dança com o desconhecido.

Então, o silêncio foi quebrado por uma presença massiva e sobrenatural. De repente, uma enorme baleia esquelética apareceu diante dele, suas ossadas brilhando com um tom azul pálido, enquanto peixes mortos flutuavam ao seu redor. A criatura rondava Renier, e ele observava aquilo com uma fascinação quase infantil, sem medo algum. Era algo além da compreensão, mas belo em sua estranheza.

Enquanto isso, na superfície, Aura batia o pé impaciente. Ela não conseguia acreditar no que acabara de presenciar. Como Renier podia ser tão imprudente? Ela ainda estava tentando processar as palavras sobre os monstros do mar, e ele já havia se jogado ali dentro, sem nem um sinal de receio.

Ela passou os dedos pelos cabelos, claramente frustrada, sua mente correndo em mil direções, pensando no que ele estaria fazendo lá embaixo.

Minutos depois, Renier emergiu das águas vermelhas, suas roupas encharcadas, e, para surpresa de Aura, ele estava montado na enorme baleia esquelética, que surgia das águas com ele. A criatura fez um som profundo, quase sobrenatural, que parecia penetrar na alma de quem ouvisse. Renier, com um sorriso de satisfação, olhou para ela, completamente tranquilo.

— Arranjei uma carona para atravessar o mar, — disse ele, como se isso fosse a coisa mais simples do mundo.

Aura ficou paralisada, olhando aquilo em choque. A cena diante dela era um misto de admiração e loucura, uma visão que ela jamais imaginou que veria. A baleia, a criatura imensa, o som... Tudo aquilo parecia um pesadelo ou uma lenda antiga que ganhava vida diante de seus olhos.

— O que... o que é isso?! — Ela perguntou, nervosa, ainda processando a situação.

Renier, com um sorriso enigmático, respondeu calmamente.

— Isso é uma Bake-Kujira. Um Yokai. — Ele se inclinou ligeiramente para a frente, observando a baleia com admiração. — Representa os espíritos das baleias que, eram mortas por humanos e por vingança voltavam como um espírito e afundavam embarcações.

Aura ficou ainda mais estupefata, a mente tentando entender como aquilo era possível.

— Como... como você conseguiu domar uma dessas... e ainda montar nela? — Ela perguntou, uma mistura de incredulidade e preocupação em sua voz.

Renier deu de ombros, com uma risada baixa.

— Com os Olhos das Revelações, posso controlar seres sobrenaturais afinal sou o Guardião Negro. É uma habilidade natural. Senti a presença da Bake-Kujira e sabia que seria útil para atravessarmos o mar.

Aura suspirou profundamente, derrotada por mais uma das loucuras de Renier. Mas, ao menos, sua mente começava a aceitar que ele sempre parecia ter uma solução... e que ela não tinha mais como impedir isso.

— Na próxima vez, me avise quando for fazer uma loucura dessas, — ela disse, estendendo a mão para ele.

Renier segurou sua mão, a puxando para cima com um sorriso travesso.

— Eu não posso prometer, — disse ele, rindo baixinho. — É mais divertido quando a surpresa vem no momento certo.

Com isso, os dois subiram na Bake-Kujira, e a imensa criatura começou a deslizar pelas águas vermelhas, rumo ao desconhecido, com a onda que se formava atrás deles como um símbolo de sua passagem, em um mundo onde o inusitado e o sobrenatural eram apenas mais uma parte da realidade.

Continua…