Saltando para o céu com uma leveza quase etérea, a Sombra moldou duas plataformas de energia sob seus pés. A distorção no espaço ao seu redor parecia obedecer à sua vontade, sendo puxada como uma extensão de si mesma. Ela pairava no ar com uma graça sobrenatural, enquanto suas longas mechas negras dançavam ao vento turbulento que agora circulava como serpentes sombrias.
Seu olhar estava cravado em Renier, abaixo dela, carregado de desdém. Ainda assim, sua voz, doce e envolvente, contrastava com o desprezo evidente.
— Salvar uma cidade, um mundo… até mesmo um universo… não vai fazer de você um herói, Guardião Negro — declarou ela, cada palavra gotejando ironia e sarcasmo. — Pode usar todas as palavras que quiser para enganar a si mesmo, mas a verdade é inevitável.
A Sombra inclinou levemente a cabeça, seu sorriso carregado de um misto de condescendência e crueldade.
— Você é só um garoto perdido, assustado, preso a um passado que nunca vai largar. Ainda se lembra dela, não é? Kyouka... — A menção do nome trouxe uma tensão palpável ao ar. — Você não consegue esquecê-la, não consegue apagar da sua mente aquela sensação de impotência. Aquela lembrança, quando ela segurava o seu coração pulsante... e mesmo assim, você a amava.
A voz da Sombra tornou-se ainda mais doce, quase como um veneno perfumado.
— Mas você também a odeia, não é? Essa contradição o consome, Renier. E sabe por quê? Porque no fundo, você sabe que nunca escapará disso. Nunca escapará de si mesmo.
Ela finalizou, olhando para ele com um desdém absoluto, como se fosse uma predadora brincando com sua presa, esperando que ele respondesse ou fosse finalmente consumido pela própria dúvida.
— Heh, e você acha que isso muda alguma coisa? Ainda vou matar você, — declarou Renier a analisando. — Você está certa sobre tudo o que disse, mas ainda sim… o meu dever nunca vai mudar, o Vazio nunca vai conseguir consumir Yggdrasil.
Antes que Renier pudesse sequer reagir ou sentir, a Sombra ergueu sua mão e, com um simples movimento disparando uma onda de energia que cortou o ar como uma lâmina negra.
Renier não teve tempo nem de se defender. O impacto o jogou a metros para trás estilhaçando o chão ao redor como vidro quebrado até atingir uma grande rocha batendo em um enorme estrondo fazendo abrir uma cratera com seu corpo.
— Droga… — murmurou Renier, ao ser pego de surpresa, ele caiu com um dos seus joelhos no chão, e com a foice servindo de apoio o deixando firme.
— Pobrezinho… — disse a Sombra, com um sorriso suave. — Comovente seu discurso, mas vamos fazer de forma prática, querido? Apenas lute e veja se seu poder será tão afiado quanto suas palavras.
"Ela é tão semelhante em sua forma de me afetar mentalmente…" indagou Renier, se erguendo e se posicionando com uma expressão séria. "Uma Sombra ou não, ela e Kyouka talvez tenha uma ligação direta".
A foice de Renier tremeu em suas mãos, refletindo a tensão que corria por seu corpo. Ele cerrou os dedos com tanta força que os nós ficaram brancos, forçando-se a manter o foco no momento presente, a ignorar o turbilhão de emoções que ameaçava afogá-lo.
— Ok, tá legal… — suspirou o Renier, dando uma inspiração para si mesmo, era tanta coisa para absorver.
Tudo estava sendo jogado contra ele, tudo o que ele acreditava e tinha confiança.
— Sempre tão controlado… — murmurou a Sombra, com um sorriso irônico.
Com a mão levemente para baixo, a Sombra permitia que a energia corrosiva púrpura fluísse do centro de sua palma. Ela não apenas emanava poder; ela distorcia o ar ao seu redor, como se a própria realidade hesitasse em tocar algo tão letal e profano.
O brilho escuro cintilava como névoa envenenada, começando a tomar uma forma alongada. O processo era como se assistir uma criatura nascendo de dentro do próprio caos, moldando-se para se tornar uma extensão mortal da vontade de sua mestra.
Em questão de segundos, a energia começou a se solidificar em um núcleo de metal sombrio, a lâmina tomando forma a partir de espirais góticas que pareciam brotar das trevas puras. A guarda da espada se enroscava como uma armadilha de espinhos, sugando o miasma ao seu redor, criando uma sensação de perigo iminente.
De sua base, uma linha de luz irrompeu, segmentando-se em pequenas peças prismáticas que flutuavam ao longo da estrutura. Era como se a própria energia da Sombra formasse uma cadeia viva, cada elo pulsando com nuances entre um tom mortal e um púrpura tão ácido.
A lâmina era afiada, mas ao mesmo tempo, instável. Cada segmento parecia poder se desfazer em uma rajada de veneno ou se reorganizar em um chicote mortal que cortava o ar com a rapidez de um raio.
Quando a Sombra movia o pulso, a arma respondia com uma fluidez inquietante, estendendo-se e retraindo como uma serpente venenosa, capaz de alcançar qualquer alvo ao seu comando.
As partes brilhantes da arma irradiavam uma luz que parecia corroer tudo ao seu redor, mostrando a verdadeira natureza destrutiva de sua criação.
No centro, a lâmina pulsava em harmonia com o poder interior da Sombra, como se fosse uma entidade consciente. Era mais do que uma arma; era um reflexo de sua essência sombria, devorando a esperança e semeando o pavor.
— Uma Rosa Negra… — disse ela, algo que fazia Renier carregar uma nostalgia agora corrompida de forma cruel. — Esse era o apelido que você deu a Kyouka, não foi?
Renier abaixou a foice, seu olhar caindo ao chão, ela sabia tudo sobre Renier.
— Tão bela e frágil como uma rosa… mas afiada é dolorosa quanto os espinhos que ela coloca em volta de si… — afirmou Renier, lembrando do que ele disse a Kyouka.
— Memórias podem ser tão crueis, não? — indagou a Sombra. — Isso pode ser tão belo como uma flor… mas tem a sua fraqueza ela sempre pode ser esmagada, é frágil, limitada e não importa o quanto finja que não ligue, ainda a imagem da sua beleza permanece… poético, não?
— De fato… Uma flor, talvez sempre será minha fraqueza… — afirmou Renier, concordando com a Sombra, uma metáfora que ele nunca verá livre.
A Sombra apertou o cabo de sua espada, e perguntou olhando para Renier. — Por que lutar então? Sabendo que isso fará de você inimigo, vocês nunca permanecerão juntos se você se afastar.
Renier ergueu a cabeça observando-a com olhos gélidos, o brilho azul intenso saindo deles, a lâmina escura e púrpura de Kyouka vibrando com a energia corrosiva que tentava se impor sobre o ambiente. Ele ergueu a foice, uma arma forjada em algum recanto do seu interior multiverso, sua essência cósmica como filho de Yggdrasil.
A intensa pressão vinda da presença de Renier foi algo que a surpreendeu, fazendo ela arregalar os olhos.
"Isso foi inesperado", ponderou a Sombra a si mesma o observando.
— Você não vai entender, mesmo que eu explique… — afirmou Renier. — Vamos lutar, porque é isso que nos define, tanto Kyouka como eu, é um fato. Nunca iremos ficar juntos! — reafirmou, cada palavra saindo como poder e imponência em resposta a Sombra.
Sua mão se fechou ao redor do cabo, o material e o metal respondendo ao toque com um brilho azulado profundo, como se o próprio cosmos ecoasse em seu interior. Estrelas pareciam dançar ao longo da lâmina esculpida, irradiando uma luz que oscilava entre um azul escuro e o negrume absoluto do vazio.
A foice era uma extensão de Renier, uma entidade viva. Os cristais que adornavam a borda da lâmina se iluminaram em resposta ao seu comando, erradicando uma energia cósmica que fazia o ar vibrar e o chão tremer levemente sob seus pés. Fragmentos de estrelas explodiram silenciosamente ao longo da lâmina, desenhando constelações em suas bordas afiadas. A aura ao redor dele se tornou sufocante, a presença esmagadora de sua energia condensando-se em um halo denso de calor e escuridão, transformando a atmosfera em uma tempestade de pressões opostas.
Quando ele avançou um passo à frente, o impacto de sua presença e poder fez a lâmina roxa da Sombra brilhar violentamente, tentando consumir a energia ao seu redor, mas se chocando contra a luz cósmica de Renier. Um vácuo começou a se formar, um espaço onde as duas forças opostas colidiram em um conflito sem fim. Energia purpúrea contra energia azul, o veneno dela tentando corroer a existência enquanto o poder dele se expandia, buscando o domínio total.
O ar parecia pesado, cada respiração quase impossível, enquanto Renier e a Sombra se encaravam com uma calma mortal, o brilho de sua foice aumentava conforme a pressão aumentava.
Com um giro suave do pulso, a lâmina azul flameja, estrelas irrompendo ao longo do corte como se estivesse cortando a própria realidade. A energia cósmica instalou ao redor, a gravidade ondulando conforme as forças de cada um tentavam esmagar a outra.
Aura sorriu, um sorriso frio e desdenhoso, porém admirando o poder latente de Renier.
— Então, esse é o poder da verdadeira Existência… — afirmou ela, seus olhos se estreitando em fascínio. — Entendo agora, sempre seremos opostos… Um destinado a consumir e destruir o outro, mas você a ama? Uma grande ironia cósmica, não é mesmo?
Ela ergueu a espada, o brilho roxo expandiu-se como um incêndio faminto, com um movimento firme, fazendo ela ir como um chicote, o corte no ar, foi como um zunido ao mesmo tempo que uma enorme fissura se abria a metros de distâncias, perto de Renier.
"Pelo visto não vai ser tão fácil assim…" ponderou ele, tentando se prevenir para a luta que estava por vir. Um combate entre sentimentos misturados, com seres que transcendem a ideia de Criação e Destruição, Renier não poderia se dar ao luxo de cair nesse lugar.
Continua…