A situação no Território dos Demônios havia atingido um estado crítico. A escuridão que permeava as nuvens parecia consumir o céu, distorcendo-o como uma ferida infecciosa. Era uma força que não cessaria até que a Sombra fosse detida. Porém, mesmo com todo o poder que Renier possuía, ele não conseguia localizar essa criatura.
O interior do território estava envolto por uma barreira quase impenetrável, como se aguardasse algo — ou alguém. Talvez até mesmo a própria Sombra soubesse que um confronto se aproximava.
Na costa do mar vermelho, o tecido do espaço oscilava, distorcido. A energia etérea de Renier dominava o local, mas lutava contra a energia corrosiva que parecia impedir qualquer invasão. Após um esforço intenso, ele finalmente abriu um portal: uma circunferência pulsante que tremulou antes de se fechar atrás deles. Quando o silêncio retornou, Renier e Aura já estavam dentro do território.
— A situação é ainda pior vista de perto... — comentou Renier, observando a degradação do lugar.
O cenário era exatamente como Aura havia descrito: o território parecia um portal para outro mundo. O solo pulsava com energia púrpura, como um coração coberto de veias luminosas. Raios não naturais cortavam o céu, lançando ataques diretos às raízes de Yggdrasil. Não havia chuva, mas um miasma caía como neve negra, infectando o ar e o horizonte. Toda essa anomalia destrutiva não era apenas um espetáculo de poder, mas uma estratégia cuidadosamente elaborada.
— A Sombra sabe o que está fazendo, — afirmou Renier, sua voz carregada de um tom sombrio. Ele sempre acreditara que a criatura fosse um simples agente de destruição, mas agora percebia que sua astúcia era igualmente perigosa.
— Ela está usando tempestades, pólen e raios... — continuou ele, analisando o cenário. — O solo está absorvendo tudo isso como faria normalmente no ciclo natural da vida. É eficaz... assustadoramente eficaz.
Aura franziu o cenho, confusa. — O que você está tentando dizer?
Renier se virou para ela, os olhos brilhando com intensidade. Sua expressão era séria, quase fria, enquanto sua voz carregava a urgência da situação.
— Estou dizendo que estamos sem tempo. A Sombra precisa ser eliminada agora. Se não, mesmo que você derrote a Guardiã, não haverá um trono para recuperar.
O golpe foi duro contra o orgulho de Aura. — Meu objetivo é minha vingança... — O suspiro dela foi pesado, quase inevitável, como se o peso de suas palavras fosse mais do que ela pudesse carregar. Sua espada tocou o chão com um som abafado, enquanto ela abaixava a guarda, o olhar vazio de qualquer esperança. — Era só para recuperar meu trono...
Ela olhava para o que restava de seu Reino, e a desolação que se espalhava diante dela. Montanhas inteiras haviam sido consumidas por aquela aberração. O horizonte estava invisível, coberto pela escuridão que parecia engolir tudo ao seu redor.
— Meu grande Palácio Carmesim... ficava naquela direção... — disse, sua voz carregada de uma melancolia dolorosa. — Ele era visível de qualquer lugar do território, mas agora... nem mesmo a luz chega aqui.
Renier a observava, e pela primeira vez, algo em seu semblante endurecido vacilava. Aura estava se entregando. Ele não poderia permitir isso. Sem uma palavra, ele largou sua foice no chão e, com um gesto repentino, segurou o rosto dela com ambas as mãos, forçando-a a olhar para ele.
— Ainda sinto vida neste lugar, — disse Renier, sua voz firme e implacável. — Não importa o seu território, seu trono, ou até mesmo o Palácio. Aura, enquanto ainda houver seus súditos, qualquer lugar pode ser seu Palácio.
Ele a encarou com uma intensidade que cortava o silêncio ao redor.
— Você é uma Rainha. Se você desistir, eles também desistirão. Eu sou o Guardião Negro, mas não posso fazer isso sozinho. Dependo da vida para lutar. Não posso lutar por quem não quer viver. Então, vamos erguer nossas espadas, com ou sem esperança, e lutar. Mesmo que percamos, faremos isso juntos. Afinal, foi essa a promessa que fizemos.
Aura permaneceu em silêncio por um tempo, refletindo sobre tudo o que Renier havia dito. Ela era uma Oni, nascida para lutar até cair. O sangue da Shuten Douji corria em suas veias, e essa herança trazia consigo uma determinação inabalável, algo que era natural para ela, como um guerreiro. Mas, mesmo com esse sangue de batalha em suas entranhas, as palavras de Renier ecoavam em sua mente, desafiando sua natureza impulsiva.
Ela soltou uma risada abafada, um som baixo, quase imperceptível, mas carregado de um leve alívio. Quando finalmente olhou para Renier, seu sorriso era mais suave do que ele jamais imaginaria.
— Talvez não tenha sido tão ruim conhecer o Guardião Negro, — ela disse, a ironia brincando em sua voz, mas havia algo de genuíno ali. — O coração até amoleceu um pouco... mas é verdade, desistir não é uma opção para uma guerreira.
Ela estendeu a mão, e Renier a tomou sem hesitar. O aperto foi firme, como se ambos sentissem o peso do compromisso que agora compartilhavam. Um pacto silencioso, selado pela força das mãos, pela determinação e pela confiança mútua.
Renier, com a mesma firmeza, olhou para ela, seus olhos brilhando com uma intensidade que era ao mesmo tempo uma promessa e um desafio.
— Este será o teste final. Se derrotar a Sombra for possível, significa que nada mais será impossível — ele disse, com uma serenidade que apenas alguém como ele poderia possuir. — Agora, quero que você acredite em mim.
Aura o encarou, seu sorriso agora mais sério, mas com uma confiança inabalável em suas palavras.
— Eu sempre acreditei, — ela respondeu, com um tom de autoridade, a voz carregada de uma confiança que não precisava de explicações. — Não no Guardião Negro. Mas em você, Renier Kanemoto, que está na minha frente.
O som de uma risada feminina, carregada de malícia e uma sedução inegável, ecoou pelas colinas, vindo de um morro alto próximo a eles. A voz, suave e cheia de veneno, soou como uma provocação, envolta em uma sensação de destruição iminente.
— A confiança é algo tão belo... — a voz disse, cada palavra impregnada com um prazer doentio. — E sempre tão bom de ver despedaçada.
A risada que seguiu parecia serpenteante, como se soubesse exatamente o que estava fazendo, como se tivesse dominado os corações daqueles que ouvissem. De repente, o ar ao redor de Renier e Aura se tornou denso, uma pressão esmagadora que parecia ter caído sobre eles como o peso do mundo inteiro. Era algo que não faziam ideia de como resistir, mas, ainda assim, ambos se recusaram a sucumbir.
Eles se viraram rapidamente, seus olhos se fixando na origem da voz. À medida que uma figura feminina emergia da névoa, a figura parecia brilhar com uma luz púrpura intensa, como se a própria essência da escuridão tivesse sido condensada nela. Ela tinha cabelos escuros, com mechas roxas que dançavam como se tivessem vida própria, e seus olhos, brilhando com uma púrpura anormalmente intensa, pareciam perfurar a alma de ambos. Um raio, aparentemente atraído pela presença daquela mulher, caiu perto dela, iluminando seu rosto de uma forma sobrenatural. A mulher, com um sorriso confiante, olhava diretamente para Renier, ignorando completamente Aura, como se ela fosse apenas um detalhe irrelevante.
Renier, atento e em alerta, se abaixou lentamente, pegando sua foice do chão e se posicionando para qualquer ataque. Ele não podia subestimar aquela presença.
— Quem é você? — Renier perguntou, sua voz firme, mas o instinto de luta estava claro em seus olhos.
A mulher soltou uma risada baixa e cheia de ironia. — Ora querido, Não estavam buscando a Sombra? — disse ela, com um tom suave, como se estivesse apenas jogando com ele. — A Sombra está bem na sua frente.
Renier e Aura ficaram estupefatos. A Sombra... tinha uma forma humana? Aquilo parecia impensável, algo completamente fora do esperado. Ambos olharam para a mulher com o semblante de quem estava diante de um pesadelo inesperado.
A pressão da presença daquela criatura os envolveu como uma névoa sufocante. Aura, que havia tentado se manter ereta, sentiu um peso imenso em seu peito, como se o próprio ar estivesse lhe sendo arrancado dos pulmões. A força da pressão a fez tropeçar, sua mão indo automaticamente para o peito, como se quisesse conter o turbilhão dentro de si. Em um instante, ela estava de joelhos, sua respiração irregular e seu coração disparado. O medo, o puro medo tomava conta de seu ser de uma maneira que ela não conseguia compreender nem controlar. Seus olhos estavam cheios de pavor, e ela não sabia a razão exata de tudo aquilo. Apenas sabia que não podia mais resistir àquela sensação avassaladora.
Renier, por sua vez, ficou paralisado por um momento, observando Aura sucumbir àquela pressão. Ele se agachou um pouco mais perto dela, pronto para protegê-la, mas o sorriso da mulher à sua frente o fez hesitar.
A Sombra, com um sorriso macabro, enquanto Renier se agachava para proteger a Aura. — O que você com ela? — indagou exigindo uma resposta Renier, de forma severa.
— O que estou fazendo com ela? — repetiu a Sombra, sua voz agora carregada de um tom de diversão, como se fosse óbvio. — É inevitável... Seres como eu são... imaginários. Tomamos a forma do medo. O medo de quem nos vê. E vocês, tão frágeis, nos dão vida com seus próprios temores. Ela deu um passo à frente, como se estivesse saboreando cada palavra. — Ela não pode controlar o medo extremo que sente, e isso a faz quebrar. É engraçado, não? — a mulher zombou, o tom de sua voz uma mistura de prazer e diversão. — A vida é tão simples... Basta minha presença, e todos ficam assim.
Era claro agora: não era uma batalha física que estavam enfrentando. Era uma batalha contra o próprio medo, contra a presença avassaladora daquilo que era invisível, mas palpável em sua essência. A Sombra não era apenas uma criatura de destruição. Ela era uma manifestação do medo, uma personificação daquilo que seus piores pesadelos poderiam gerar.
Renier e Aura estavam diante de uma força maior do que qualquer coisa que haviam enfrentado antes. A dúvida os atingiu, mas eles sabiam que não podiam ceder. Afinal, a Sombra não era apenas um inimigo. Ela era a própria essência do terror que precisava ser superada, não apenas pela força, mas pela coragem diante do medo.
Continua…